• Nenhum resultado encontrado

5.2. As escolhas lingüísticas do sujeito falante: um passeio pelo bosque das palavras e

5.2.1. Estruturas sintáticas hipotáticas e paratáticas

5.2.1.1. Orações “contrastivas”: subordinadas concessivas

Segundo Neves (2000), as orações concessivas são também conhecidas, juntamente com as adversativas, como estruturas contrastivas, que possuem por finalidade a quebra de expectativa, um sentido que se origina não apenas do conteúdo do que está sendo dito, mas, também, do processo comunicativo e da relação sujeito falante-sujeito interpretante.

Além disso, a autora argumenta que é possível também pensar em uma relação das concessivas com as causais ou condicionais, uma vez que todas expressam, de certa maneira, uma conexão “causal” compreendida em um sentido amplo. Por outro lado, as concessivas também expressam uma conexão condicional, uma vez que são explicáveis em dependência de satisfação (ou não-satisfação) de necessidade ou de suficiência de determinadas condições. Neves salienta que:

uma das definições mais aceitas para a construção concessiva é a que diz que nela se combinam uma oração principal e uma oração concessiva (ou sintagma concessivo) que expressa um fato (ou noção), apesar do qual a proposição principal se mantém. Isso equivale a dizer que, numa construção concessiva, o fato (ou a noção) expresso na oração principal é asseverado, a despeito da proposição contida na oração concessiva (NEVES, 2000, p. 865, grifo da autora).

Nesse sentido, no aspecto lógico, conforme a autora, pode-se dizer que, apesar de o fato (ou o evento) da oração concessiva constituir uma condição suficiente para a não-realização do fato (ou evento) expresso na oração principal, o dito na oração principal se realiza. Então, pode-se dizer que a afirmação do que está na oração principal independe do que quer que esteja na oração concessiva.

Segundo a pesquisadora, há três grandes grupos de construções ligadas a uma oração concessiva. No primeiro, concessivas factuais/reais, tanto o conteúdo da oração principal quanto da concessiva devem ser verdadeiros para que a asserção global seja também verdadeira. Assim, a enunciação de uma factual implica a realização dos conteúdos contidos nas duas orações constitutivas do período. Já no segundo, concessivas contrafactuais/irreais, tanto o conteúdo da principal quanto da concessiva devem ser não-verdadeiros para que a asserção global seja também não-verdadeira, o que significa que a enunciação de uma

$

contrafactual implicitaria a não-realização dos conteúdos tanto da principal quanto da concessiva. Por fim, na terceira, concessivas eventuais, o conteúdo proposicional da oração principal deve ser verdadeiro, mas o da concessiva pode ser verdadeiro ou falso. Isso significa que existe uma incerteza epistêmica sobre a eventual ocorrência do conteúdo proposicional da concessiva.

As três construções possuem em comum o fato de que em todas se instaura uma relação de contraste entre o tipo de evento representado pela proposição concessiva e o representado pela proposição principal. A autora ressalta ainda que:

pode-se dizer, pois, que as conexões contrastivas, entre as quais se incluem as concessivas, se caracterizam por abrigarem eventos cujo curso e cujas propriedades contrariam as expectativas acerca daquilo que é normal em um mundo qualquer. Deve-se observar, entretanto, que não se trata, realmente, de relações lógicas, resolvidas simplesmente em termos de expectativas ditadas pelo que se passa em um determinado mundo. A construção concessiva, como todos os enunciados, não pode ser equacionada sem que interfira a relação falante-ouvinte, e sem que se evoquem noções que envolvem conhecimento partilhado, argumentação (plausível ou não), objetivação (admissível ou não) (NEVES, 2000, p. 871- 2, grifo da autora).

As relações expressas nas construções concessivas variam conforme o nível em que se estabelecem. Por exemplo, em algumas estruturas, fica mais evidente uma relação entre conteúdos, ou seja, uma relação entre os estados de coisas expressos nas duas orações. Em outras construções, a relação concessiva é apresentada como passando pelo julgamento do falante. Trata-se, portanto, de uma relação entre proposições e não entre simples estado de coisas. Em um terceiro tipo de construções, o falante relaciona atos de fala. As orações concessivas, como construções contrastivas, são essencialmente argumentativas:

vistas do ponto de vista pragmático, as construções concessivas indicam que o falante pressupõe uma objeção à sua asserção, mas que a objeção é por ele refutada, prevalecendo a sua asserção. O que está implicado, aí, é que, nas construções concessivas – como nas condicionais – existe uma hipótese, que, no caso das concessivas, é a hipótese de objeção por parte do interlocutor (NEVES, 2000, p. 874, grifo da autora).

Nessa perspectiva, o sujeito falante registra na oração concessiva uma objeção que ele pressupõe que o sujeito interpretante tenha e deixa prevalecer, no entanto, a idéia expressa na

$!

oração principal. Em outras palavras, o mecanismo argumentativo das construções concessivas consiste, em geral, na existência de dois argumentos que conduzem a conclusões implícitas contrárias: a oração concessiva argumenta a favor de uma dada conclusão, e a oração principal argumenta a favor de outra determinada conclusão.

É importante salientar que a ordem das estruturas concessivas obedece a propósitos comunicativos, sendo mais freqüente, na Língua Portuguesa, a posposição da concessiva55. Segundo Neves, quando as concessivas são antepostas, carregam informação mais conhecida do sujeito interpretante, ocupando uma posição mais tópica.

No corpus da pesquisa, observamos que o sujeito falante usou, predominantemente, as construções concessivas factuais antepostas, com o objetivo de registrar uma contestação que pressupunha ser de seu adversário (“a política não é lugar de encenação”); reafirmar imagens que pressupunha ser representações sociodiscursivas do povo (“a política é lugar de encenação”); negar imagens de si mesmo postas em cena pelos adversários e pela doxa (“estava encenando”)56 e, conseqüentemente, construir novas imagens que acreditava serem importantes à argumentação (“falava a verdade”), desqualificando os oponentes, conforme podemos ver a seguir:

Segundo depoimento – fragmento 11

Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srs. Deputados, Srªs Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me ouve, inicialmente, peço licença para dizer a V. Exªs que, apesar de estarmos num teatro de lutas, num teatro de idéias, num teatro político, não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista.

Podemos observar no fragmento acima que o sujeito falante estava, na realidade, refutando o ato de fala assertivo (tese) proferido pelos adversários e pela mídia em geral após depoimento na Comissão de Ética na Câmara dos Deputados57: “Roberto Jefferson está encenando (papel de artista)”. Assim, através da oração subordinada concessiva “apesar de estarmos num teatro de lutas, num teatro de idéias, num teatro político”, ele pôs em cena um enunciador que assumiu o posicionamento de que “a política é um teatro e de que todos nesse campo desempenham papéis, inclusive ele”.

55 Cf. Gramáticas Normativas.

56 Esta imagem foi “posta” em cena pelos adversários após as denúncias de Roberto Jefferson sobre o esquema

do “Mensalão” à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de São Paulo.

%#

No entanto, na oração principal “não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista”, ele refutou a tese de que durante a CPMI dos Correios estivesse encenando. Ou seja, a construção concessiva foi mobilizada com a finalidade de desconstruir a imagem de que ele, Roberto Jefferson, estivesse encenando naquele momento, e de se posicionar com novo ethos (a de indivíduo que falava a verdade).

O enunciador posto em cena pelo sujeito falante não só afirmou que a política é um espaço de encenação, como também fez questão de enfatizar essa assertiva repetindo a palavra “teatro” - usada três vezes no fragmento - e pela própria seleção lexical que remete ao campo lexical da encenação: “teatro”, “papel”, “artista”.

Ainda quanto a esse aspecto, é importante observar que o sujeito agenciou a oração concessiva anteposta, tendo em vista enfatizar a representação sociodiscursiva, bastante forte no brasileiro, de que tudo na política não passa de encenação. Nessa perspectiva, o enunciado “não vim aqui desempenhar nenhum papel de artista” é um ato de fala polifônico, uma modalidade de julgamento, uma vez que marca a atitude do sujeito falante em relação ao que foi dito por alguns parlamentares e pela mídia durante primeiro depoimento do sujeito falante à CPMI dos Correios.

O então deputado tentou falsear o discurso do outro, desqualificando-o, e impor seu discurso como verdadeiro. Assim, procurou se construir de forma “positiva”, como um político sério, por exemplo, e desqualificar o oponente. Em outras palavras, o sujeito falante buscou durante o jogo argumentativo polifônico vencer o adversário e impor seus argumentos, traçando uma imagem “negativa” de alguns colegas parlamentares (anti-ethos) e, conseqüentemente, uma boa imagem de si mesmo (ethos).

Várias outras estruturas concessivas factuais antepostas foram selecionadas pelo sujeito falante para dar credibilidade ao discurso, ou seja, para sustentar seu posicionamento de que estava dizendo a verdade como, por exemplo: “E, Sr. Presidente, apesar de fazer referências a mim, não tenho nenhum problema, nenhuma preocupação, nenhum medo de entregar a V. Exa., simbolicamente, essas fitas, que faço questão de distribuir depois para todos os Líderes (Primeiro pronunciamento)”.

%