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3. MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

3.3. Modo de organização discursiva narrativo

De acordo com Charaudeau (2008), o modo narrativo é um dos componentes da narrativa17 e se caracteriza por dupla articulação: i) construção de uma sucessão de ações conforme uma lógica acional que irá constituir o “esqueleto” de uma história (organização da lógica narrativa); ii) encenação na narrativa (organização da cena narrativa).

A lógica narrativa apresenta componentes que estão estreitamente ligados uns aos outros e se definem reciprocamente tais como: a) actantes que desempenham diversos papéis em relação à ação da qual dependem; b) processos, que unem os actantes entre si, dando uma orientação funcional à sua ação, os quais podem ser considerados como a semantização das ações, mas em relação à sua função narrativa; c) seqüências, que integram processos e actantes em finalidade narrativa conforme certos princípios de organização. Ela é uma sucessão de acontecimentos coerente e fundamentada em um quadro espaço-temporal, conforme determinados princípios tais como, princípio de coerência; princípio de intencionalidade; princípio de encadeamento.

O dispositivo da encenação narrativa compreende quatro sujeitos, ligados dois a dois de maneira não simétrica, mas unidos igualmente entre si, de um espaço a outro, podendo estar presentes na mesma narrativa, explícita ou implicitamente, sob diferentes maneiras18.

Os métodos de configuração desta cena se referem à identidade, ao estatuto e aos pontos de vista do narrador textual. Quanto à identidade, podem ocorrer: i) presença e intervenção do

17 Contar é “uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de tensões e até mesmo de

contradições” (CHARAUDEAU, 2008, p. 154).

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autor-indivíduo; ii) presença e intervenção do autor-escritor; iii) presença e intervenção do narrador-historiador; iv) presença e intervenção do narrador-contador.

Uma vez que nosso objetivo neste modo consiste em verificar como as personagens foram inseridas na trama e quais foram seus papéis narrativos, além do posicionamento do narrador na história, limitar-nos-emos, conforme já dissemos, à exposição da hierarquização dos actantes além da identidade, do estatuto e dos pontos de vista do narrador19.

Os actantes são categorias discursivas, cujos papéis narrativos dependem do contexto que dará a um enunciado uma finalidade narrativa como, por exemplo, o papel de benfeitor, agenciado por Roberto Jefferson durante o evento da CPMI, tendo em vista se construir na cena como herói e profeta.

Os actantes narrativos se hierarquizam mediante dois pontos de vista: do ponto de vista de sua natureza: os actantes de base (arquétipos) são actantes humanos, ou considerados como tais, por exemplo, as personagens Roberto Jefferson, Mauricio Marinho, Delúbio Soares etc., o que implica limitar o seu número, em relação aos actantes de língua (de uma parte há um actante que age, de outra um actante que sofre a ação, em torno deles gravitam circunstantes); ii) do ponto de vista de sua importância na trama: actantes principais e actantes secundários quando a trama é construída em torno de pólos de ação (heróis), com actantes satélites. No caso da CPMI dos Correios, por exemplo, Roberto Jefferson é o protagonista ao redor do qual giram as demais personagens (actantes secundários) tais como, Mauricio Marinho, Marcos Valério, Delúbio Soares, José Dirceu, José Genoíno, Sandro Mabel, Valdemar Costa Neto, Silvio Pereira etc.

Um actante, tendo determinado papel narrativo, pode ser ocupado por diferentes tipos de personagens, seja sucessivamente, seja alternativamente, seja simultaneamente. O papel de benfeitor, exercido por Roberto Jefferson durante o evento, foi preenchido por herói, profeta, amigo, pai etc. Um mesmo personagem, por sua vez, pode desempenhar muitos papéis narrativos e ocupar o lugar de actantes diferentes, no desenvolver da mesma história.

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O narrador da trama da CPMI dos Correios constitui o narrador-contador. Esse narrador não aparece enquanto tal na narrativa, fica apagado, o que não quer dizer que esteja ausente, pois a própria organização da narrativa é testemunha de sua presença. No entanto, ele pode revelar- se no próprio discurso da narrativa, não mais em relação a um contexto sócio-histórico ou a um projeto de escritura, mas em relação à gestão interna da história que é contada, como se quisesse ora confiar-se ao leitor, ora guiá-lo em sua leitura. Ele pode revelar-se explicitamente, com o auxílio de pronomes pessoais (nós, eu) ou de termos como narrador, romancista, para recapitular momentos passados na narrativa ou conduzir a momentos que vão seguir; implicar diretamente o leitor, que se torna um leitor-destinatário privilegiado, pelo emprego da palavra leitor ou de pronomes pessoais que se referem a ele; chamar discretamente o leitor-destinatário a compartilhar de seus pensamentos, julgamentos e opiniões, com a ajuda de enunciados que têm um valor de reflexão geral; mostrar, através de incisos ou pela escolha de certas palavras, que toma distância em relação às personagens de sua narrativa, e aos próprios acontecimentos, distância (mais ou menos irônica) que ele, narrador, pode pedir ao leitor para compartilhar.

O narrador pode contar a história de outro indivíduo diferente dele mesmo, ou contar a história da qual ele é a personagem central (ou uma das personagens centrais), como é o caso de Roberto Jefferson, ou existir muitos narradores.

Quando o narrador conta sua própria história, como é o caso de Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios, está no interior da narrativa, à medida que o personagem principal, o herói, é ele mesmo. Ele pode encaixar na história principal, da qual é herói, outras histórias que se referem a outros personagens. Mas a narrativa em seu conjunto segue o princípio de elocutividade, isto é, conta uma história em primeira pessoa, na qual narrador e herói são supostamente idênticos.

Neste caso, ou o narrador é porta-voz do autor-indivíduo-escritor, logo, confunde-se com este. É o caso da autobiografia real; ou ele não é o porta-voz do autor-indivíduo-escritor. Há vários índices na história que configuram esse estatuto. O narrador é porta-voz de outro indivíduo (real ou fictício), mas os dois são apresentados como coincidentes por meio de uma história contada em primeira pessoa; ou o narrador-personagem, herói da história, é ao mesmo tempo o autor-indivíduo e um indivíduo fictício. Isto é, o leitor pode supor, em virtude de certos

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índices, que o herói da história coincide em parte com o autor-indivíduo e que procede em parte da imaginação, da invenção do autor-escritor.

O narrador apresenta pontos de vista sobre as personagens, que põe em cena a relação que ele estabelece com elas, além do saber que possui delas. Do ponto de vista objetivo, o narrador mostra a exterioridade da personagem, sua aparência física, seus fatos e gestos visíveis, todas as coisas que são suscetíveis de serem vistas ou verificadas por outro sujeito diferente do narrador, achando-se no lugar deste.

Já do ponto de vista subjetivo, o narrador mostra o interior das personagens, seus sentimentos, seus pensamentos e seus impulsos interiores, os quais não são necessariamente percebidos como tais, nem verificados por outro sujeito diferente do narrador, que estivesse no lugar deste. No caso da CPMI dos Correios, por exemplo, o sujeito falante apresentou tanto seu ponto de vista subjetivo quanto objetivo, de forma bastante estratégica.