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5.3. O dispositivo enunciativo: os jogos do locutor

5.3.2. O jogo de relações enunciativas: os vínculos estabelecidos pelo locutor

5.3.2.2. O locutor e os parlamentares: a intimidação

No início do evento (primeiro pronunciamento), o locutor buscou estabelecer com os parlamentares, sobretudo com a cúpula do PT, uma relação de afetividade, chegando, inclusive, a chamar Genoino, presidente do PT, de amigo:

Primeiro pronunciamento – fragmento 33

Digo também ao meu amigo Genoino, que como eu não se afasta da ética - sempre tive fama de troglodita, mas nunca de ladrão: o PTB não teme a CPI.

É importante lembrar que, naquele momento, a intenção do então deputado Roberto Jefferson era apenas explicar as denúncias das quais era alvo (discurso de justificação). O Presidente

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Lula chegou a mandar um recado ao aliado: “Diga ao Roberto Jefferson que sou solidário a ele. Parceria é parceria. Tem de ter solidariedade72”.

No entanto, o apoio velado de Lula não servia a Roberto Jefferson. Ele queria sinais claros e, sobretudo, explícitos de que contaria com o respaldo do governo para esmagar as denúncias. Não os obteve. Em vez disso, José Dirceu deu uma entrevista na TV73 na qual dizia que o governo do PT não roubava nem deixava roubar. E evitou solidarizar-se com Jefferson.

A Revista Veja74 novamente voltou a acusar o PTB e o presidente nacional do partido. Além de suposto comandante do esquema de propinas dos Correios, Jefferson foi acusado de ligação com grupos que roubavam no IRB, na Infraero, na Polícia Rodoviária Federal, no INSS, na Agência Nacional do Petróleo, em Furnas e até no Instituto Nacional de Traumatoortopedia. A oposição já falava abertamente em criar uma CPI para investigar os casos de corrupção no governo. O governo, por sua vez, fingia que o problema era única e exclusivamente do PTB.

No final de maio de 2005, José Dirceu e o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política) foram à casa de Roberto Jefferson para tentar acalmá-lo. No entanto, Jefferson não aceitou o acordo proposto e ameaçou Dirceu: “Na cadeira em que eu me sentar na CPI, também vão se sentar você, o Delúbio e o Silvinho”.

Em entrevista à repórter Renata Lo Prete75, Roberto Jefferson contou que o governo do PT dera a parlamentares do PP e do PL uma propina mensal de 30 mil reais em troca de apoio no Congresso. Segundo Jefferson, o chamado “Mensalão” tinha sido pago por Delúbio Soares até o início do ano, quando fora então suspenso. Na entrevista, o deputado disse que alertou o presidente Lula e os ministros José Dirceu, Aldo Rebelo, Antonio Palocci (Fazenda) e até o petebista Walfrido dos Mares Guia (Turismo) sobre o esquema de compra de deputados.

72 PETRY, André. Diga-me com quem anda.... Revista Veja, São Paulo, ed. 1906, 2005. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/250505/p_038.html>. Acesso em 30 nov. 2006.

73 Em entrevista ao programa Roda Viva, em 16/05/2005, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, negou ter

conhecimento de qualquer esquema nos Correios e declarou: “Este é um governo que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção”.

74 JUNIOR, Policarpo; FRAGA, Ronaldo. Mesada de 400 000 reais para o PTB. Revista Veja, São Paulo, ed.

1906, 2005. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/250505/p_040.html>. Acesso em 30 nov. 2006.

75 LO PRETE, Renata. Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT. São Paulo, 06 de junho de 2005.

Folha de S. Paulo (conteúdo on-line). Disponível em:

Roberto Jefferson percebeu que o governo e o PT não fariam nada para tirá-lo do problema referente às denúncias de corrupção nos Correios. Chegou até a imaginar que José Dirceu, em parceria com a ABIN, pudesse ter provocado a situação, a fim de eliminar um aliado que se tornara inconveniente: “Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido”, disse ele.

A partir de então, Roberto Jefferson passou tanto a tematizar quanto a interpelar os adversários com a finalidade de ironizá-los, desqualificá-los e, principalmente, intimidá-los. Vejamos:

Primeiro depoimento – fragmento 34

Quero dizer - e enfrentar aqui, porque isso vai lá para a CPI, esta é a preliminar-: o PTB não é responsável pela corrupção nos Correios. Não é, Silvinho Pereira! Não é, José Dirceu!

No fragmento acima, ele interpelou o ministro José Dirceu e o secretário do PT, Silvio Pereira, segundo ele os responsáveis pelo esquema do “Mensalão”, nomeando-os pelos nomes próprios, o que pôs em cena um ethos de familiaridade, e os intimidou-os. Assim, ele estabeleceu com esses parlamentares relações de força.

Embora ele tenha delimitado quem eram seus adversários (a cúpula do PT), ele intimidou outros parlamentares que se atreveram a questioná-lo como, por exemplo, a Senadora Ideli (PT) que o interrompeu durante o depoimento dado à CPMI, alegando que ele não tinha respondido às perguntas feitas pelo relator. Durante os depoimentos, o locutor intimidou também parlamentares que, segundo ele, achavam-se na condição de julgá-lo. É importante lembrar que o locutor ressaltou ser igual aos colegas parlamentares: referia-se ao fato de todos praticarem os mesmos atos no que diz respeito ao financiamento de campanhas eleitorais no Brasil. Portanto, a intimidação teve mais um caráter de advertência. Vejamos o fragmento:

Segundo depoimento - fragmento 35

É isso tudo, Sr. Relator, e peço desculpas; na próxima, vou procurar ser bem sintético; não quero mais incomodar a Senadora Ideli, apesar de não estar preocupado com o julgamento que ela faça de mim; não é para ela que falo, falo para o povo que me vê; disso eu já passei, não é para ela que estou preocupado em falar, porque ela não é melhor do que eu, nem V. Exª é. Os que aqui se arrostam juízes, vou questionar um por um. Vamos ver

"

No fragmento acima, além de o locutor ter tentado se construir com uma imagem de corajoso, intimidando os adversários, ele aproveitou o momento para tentar se construir também como um político preocupado com o bem estar do povo (ethos de chefe): “[...] não é para ela que falo, falo para o povo que me vê [...]”.

Em relação aos aliados, o locutor os interpelou ora por um pronome de tratamento, mostrando-se “respeitoso”, ora pelo próprio nome (ethos de familiaridade), buscando estabelecer uma relação de amizade. Vejamos:

Segundo depoimento – fragmento 36

Aí, o Ministro Walfrido disse: não, eu vou entrar nisso, vou conversar com o Ministro da Justiça; não pode, eles não podem fazer isso com o PTB. Eu disse: Walfrido, acorda; está vindo para o PTB. A mãe de meus filhos e avó de meus netos me liga no sábado — porque o jornal oficial, da imprensa oficial, O Globo, sai sábado; o jornal de domingo sai sábado à tarde no Rio de Janeiro — e diz: a matéria tem 8 páginas para te destruir. E me mostrou a matéria da revista Época, com 3 páginas, para me destruir.

No fragmento acima, o locutor buscou mostrar que havia uma relação de amizade entre o Ministro Walfrido e ele. No entanto, é importante salientar que o locutor se manifestou com ressentimentos, durante o evento, não só por ter sido traído pela cúpula do PT, segundo ele, mas também por ter sido abandonado pelos seus aliados políticos (pathos de ressentimento).