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3. MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

3.2. Modo de organização discursiva enunciativo

Conforme Charaudeau (1992), o modo enunciativo se caracteriza pelo fato de o locutor estabelecer uma relação de influência sobre o interlocutor; revelar seu ponto de vista sobre o mundo e retomar a fala de um terceiro.

Ao enunciar, o locutor age sobre o interlocutor, levando-o a responder e/ou a reagir (relação de influência). Ele pode se manifestar em posição de superioridade em relação ao interlocutor, atribuindo a si papéis que fazem com que este execute ações (“fazer fazer”/”fazer dizer”), o que caracteriza uma relação de força entre os interactantes como é o caso, por exemplo, das modalidades de injunção e de interpelação.

A modalidade injuntiva tem uma relação direta com a questão da legitimidade, uma vez que “somente surte efeito (tem força persuasiva) se o sujeito que ordena tem poder de ascendência sobre a que executa: é uma relação de forças que não implica adesão nenhuma. Quando a força real está ausente ou não se pretende a sua utilização, o imperativo toma a inflexão de um

16 Em oposição ao ethos, há a imagem do antagonista, denominada de anti-ethos. À medida que o sujeito atribui

uma qualidade a si mesmo, imputa o oposto a seu adversário. Além disso, ele pode também qualificar seus “aliados” (pró-ethos).

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rogo” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 179). Além disso, segundo os autores, a forma imperativa é bastante eficaz para aumentar o sentimento de presença.

Por outro lado, o locutor pode enunciar em posição de inferioridade em relação ao interlocutor e assumir papéis através dos quais necessita do “saber” e do “poder fazer” do interlocutor, estabelecendo entre ambos uma relação de petição. É o caso das modalidades de interrogação e de pedido. Durante o evento da CPMI dos Correios, Roberto Jefferson, inicialmente, manteve uma relação de aparente petição com a mídia (mostra consciência do poder simbólico desse órgão). No entanto, é importante ressaltar que nem sempre a interrogação tem valor de petição. Muitas vezes ela pode ser usada com fins de intimidação, conforme o fez Roberto Jefferson e inquiridores durante o evento da CPMI dos Correios.

A interrogativa, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000, p. 179), supõe um objeto, sobre o qual incide e sugere que há um acordo sobre a existência desse objeto. Responder a uma pergunta é confirmar esse acordo implícito. Além disso, os autores ressaltam que a interrogativa visa, muitas vezes, principalmente, no discurso judiciário, a uma confissão sobre um fato real desconhecido de quem questiona, mas cuja existência, assim como a de suas condições, se presume.

No entanto, conforme os autores, a interrogativa, muitas vezes, mesmo sendo real, não visa tanto a esclarecer quem interroga como a compelir o adversário a incompatibilidade. Assim, “as perguntas são, em geral, apenas um forma hábil para encetar raciocínio, notadamente usando da alternativa ou da divisão, com a cumplicidade, por assim dizer, do interlocutor que se compromete, por suas respostas, a adotar esse modo de argumentação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 180).

No discurso de Roberto Jefferson, durante a CPMI dos Correios, as interrogativas contribuíram para pôr em cena um indivíduo corajoso que desafiava a ordem preestabelecida e intimidava o adversário. Neste sentido, percebemos o discurso político da CPMI dos Correios também como debate, luta e jogo, assim conforme ressalta Rapoport (1980), uma vez que Roberto Jefferson buscou destruir seus inimigos, vencer seus adversários e fazer com que o povo aderisse à sua fala; além da função patêmica da forma interrogativa.

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Ainda segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), a forma interrogativa pode ser considerada um procedimento bastante hipócrita para expressar certas crenças, tendo em vista os pressupostos implícitos em certas perguntas; pode servir para rejeitar outra interrogativa (neste caso, o acordo com o interlocutor está fora de questão); pode ser um simples juízo, introduzindo um apelo à comunhão com um auditório, ainda que este fosse o próprio sujeito. Nesta perspectiva, acreditamos que as interrogativas possuem uma estreita relação com as questões patêmicas. Ou melhor, elas podem ser consideradas índices patêmicos ao suscitar emoções, desejos, sentimentos.

O locutor se manifesta também com função referencial, o que significa que ele não implica o interlocutor na cena e modaliza seu dizer. Neste sentido, ele mostra um: i) modo de saber, que especifica de que forma ele possui conhecimento de um propósito (modalidades de “constatação” e de “saber/ignorância”); ii) avaliação, em que julga o propósito enunciativo (modalidades de “opinião” e de “apreciação”); iii) motivação, em que mostra a razão pela qual o sujeito é levado a realizar o conteúdo do propósito referencial (modalidades de “obrigação”, “possibilidade” e “querer”); iv) engajamento, em que mostra seu grau de adesão ao propósito (modalidades de “promessa”, “aceitação/recusa”, “acordo/desacordo” e “declaração”); v) decisão, em que salienta tanto o status do locutor quanto o tipo de decisão que o ato de enunciação realiza (modalidade de “proclamação”).

Por fim, neste “jogo”, o locutor pode “apagar-se” de seu ato enunciativo e não implicar o outro. Assim, ele testemunha a maneira pela qual os discursos do mundo se impõem a ele, o que resulta em enunciação aparentemente objetiva que deixa parecer os propósitos e os textos que não pertencem ao sujeito falante (ponto de vista externo) sobre a cena do ato comunicativo. Às vezes, ele diz como o mundo existe quanto a seu modo e grau de asserção (é o caso das modalidades de evidência e de probabilidade, por exemplo); às vezes, ele desempenha apenas como relator, uma vez que o texto já foi produzido por outro enunciador. Então, ele reporta o que disse o outro e como ele disse. É o caso das diferentes formas de “discurso relatado”.

Assim, para Charaudeau (1992), no modo enunciativo, o locutor agencia categorias lingüísticas, que mostram sua posição de sujeito falante na enunciação (a pessoa, a atualização, a dependência, a designação, a situação no tempo etc.) e que modalizam seu dizer; e processos discursivos, os quais são descritos dentro dos diferentes modos de

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organização do discurso: i) dentro da cena descritiva, através dos diferentes efeitos de saber, de realidade/ficção, de confidência e de gênero; ii) dentro da cena narrativa, através das diferentes formas de implicar o destinatário-leitor, dos modos de intervenção do narrador, estatutos e pontos de vista do narrador; iii) dentro da cena argumentativa, através dos tipos de posição do sujeito que argumenta e dentro dos tipos de valores dos argumentos e, ainda, em nossa perspectiva iv) dentro da cena retórica, por meio das imagens construídas, dos efeitos pretendidos e dos argumentos agenciados.