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2. O DISCURSO POLÍTICO: UM EVENTO COMUNICATIVO

2.1. A en(cena)ção no discurso político

2.1.2. Nível discursivo: estratégias discursivas

2.1.2.1. As estratégias discursivas na Análise do Discurso

De modo geral, uma estratégia consiste na aplicação dos meios disponíveis à realização de objetivos específicos, podendo, pois, ser considerada uma arte. Na perspectiva de Charaudeau (1983, p. 50), a noção de estratégia está fundamentada na “l´hypothèse que le sujet

communiquant (JEc) conçoit, organise et met en scène sés intentions de façon à produire certains effets - de conviction ou sédution - sur le sujet interprétant (TUi), pour amener celui- ci à s´identifier - consciemment ou non - au sujet destinataire ideal (TUd) construit par Jec 10 .

Além disso, o lingüista, juntamente com Maingueneau (2004, p. 219), ressalta que: i) as estratégias dizem respeito ao modo como um sujeito, individual ou coletivo, é levado a escolher, de maneira consciente ou não, determinado número de operações linguageiras (recursos lingüísticos e/ou discursivos); ii) falar de estratégia só tem sentido se elas forem relacionadas a um quadro de coerções, quer se trate de regras, normas ou de convenções; iii) é preciso um objetivo, uma situação de incerteza, um projeto de resolução do problema colocado pela incerteza e um cálculo, questões já situadas pela Psicologia Social.

Para Charaudeau (1998, p. 13-14), as estratégias se desenvolvem em torno de três etapas, que não são excludentes, mas que se distinguem pela natureza de seus objetivos: i) uma etapa de legitimação que visa a determinar a posição de autoridade do sujeito; ii) uma etapa de credibilidade que visa a determinar a posição de verdade do sujeito; iii) uma etapa de captação que visa a fazer o parceiro da troca comunicativa entrar no quadro de pensamento do sujeito falante.

10 “na hipótese de que o sujeito comunicante (EUc) concebe, organiza e executa suas intenções de modo a

produzir certos efeitos, de convicção ou de sedução, sobre o sujeito interpretante (TUi), para levar este último a se identificar, conscientemente ou não, com o sujeito destinatário ideal (TUd) construído por JEc” (CHARAUDEAU, 1983, p. 50, tradução nossa).

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A princípio, a legitimidade é um estado de direito que caracteriza um indivíduo a respeito de sua situação (legitimidade de uma união), de uma filiação (legitimidade monárquica) ou de um poder conferido (legitimidade democrática).

Em Análise do Discurso, legitimidade, segundo Charaudeau, pode ser usada para indicar que o sujeito falante entra em um processo de discurso, tendo em vista levar o outro a reconhecer que tem direito à palavra e legitimidade para dizer o que diz. Essa legitimidade pode derivar tanto de uma situação de fato (como aconteceu, por exemplo, durante pronunciamento de José Dirceu, no dia 22/06/2005, em que o presidente da Câmara necessitou intervir no discurso: “Peço às galerias que ouçam silenciosamente. Mandarei esvaziar as galerias! Há orador na tribuna! Eu estou tomando as providências! Não aceito! Eu estou protestando! Quem primeiro chamou a atenção fui eu! Eu quero manter a ordem! Não vou aceitar isso!”) quanto do lugar que lhe é dado por uma instituição qualquer (a atitude do presidente da Câmara só foi possível tendo em vista o lugar que ele ocupava na Câmara dos Deputados). No entanto, é possível também que o sujeito falante necessite construir uma posição de legitimidade aos olhos de seu interlocutor.

Assim, a legitimidade, constituída a partir da identidade psicossocial do sujeito falante, é que permite tomar a palavra e dizer. Ou seja, o fato de o indivíduo ser um juiz de Direito e mostrar-se como tal durante a enunciação confere-lhe direito e poder de dizer em determinadas situações específicas como, durante um depoimento no Tribunal do Júri, por exemplo. Para Charaudeau (2004, p 295), essa posição de autoridade pode ser o resultado de um processo que passa por dois tipos de construção: i) a de autoridade institucional, que é fundada pelo estatuto do sujeito, que lhe confere autoridade de saber (professor, advogado, médico) ou de poder de decisão (responsável por uma organização). Roberto Jefferson, por exemplo, possui autoridade de saber, uma vez que é advogado, e de poder de decisão, tendo em vista sua função de parlamentar, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Além disso, a legitimidade se constrói nas representações sociais das quais o sujeito participa (conhecimentos, crenças e opiniões), como uma representação do que ele possui de si e do mundo.

Já a credibilidade advém das estratégias que o sujeito usa para fazer com que o outro tenha a sua fala como credível. Essas estratégias inserem-se no imaginário de veracidade e

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autenticidade do dizer; correspondem ao ideal de convencimento do outro e não possuem índices de predeterminação.

Para Charaudeau, a credibilidade é uma estratégia discursiva que consiste para o sujeito falante em determinar uma posição de verdade, de maneira que ele possa ser levado a sério, o que é bastante complexo uma vez que os indivíduos possuem valores, crenças, opiniões e ideologias diferentes. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) ressaltam que todo grupo social é regido por valores, crenças e normas e não por um conceito puro e inadmissível de verdade. Portanto, o consenso social é que determina a verdade e não a adequação do enunciado ao real, sendo, segundo os autores, mais plausível falar de probabilidades.

Na perspectiva de Charaudeau (2005, p. 143), o sujeito falante, imbuído do desejo de angariar a credibilidade, pode se posicionar de três maneiras, tendo em vista a situação comunicativa. Ora ele pode manter-se neutro quanto à opinião que exprime, o que o levará a apagar, em seu modo de argumentação, qualquer traço de julgamento ou de avaliação pessoal, seja para explicitar as causas de um fato, seja para demonstrar uma tese como, por exemplo, enunciar- se, geralmente, na terceira pessoa (diminui a responsabilidade do sujeito, criando uma distância entre ele e o que ele fala - efeito de objetividade). Ora ele pode mostrar-se engajado, o que conduzirá o sujeito a optar (de maneira mais ou menos consciente) por uma tomada de posição na escolha dos argumentos ou na escolha das palavras, ou por uma modalização avaliativa associada a seu discurso, o que produzirá um discurso de convicção destinado a ser partilhado pelo interlocutor. Durante o evento da CPMI, por exemplo, Roberto Jefferson usou, bastante, as orações interferentes, tendo em vista expressar, fortemente, sua opinião, modalizando seu discurso (efeito de confidência). Ou ainda, ele pode manter-se distanciado o que o levará a tomar a atitude fria do especialista que analisa sem paixão, como o faria um

expert: “o estilo neutro aumenta a credibilidade por contraste com o que poderia ter sido um estilo argumentativo mais insistente; age pelo conhecimento que, por outro lado, temos da força argumentativa de certas variações de estilo” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 173).

A credibilidade, capacidade de dizer ou de fazer, é resultado de dupla identidade discursiva. Uma diz respeito ao posicionamento ideológico do sujeito falante: corresponde ao conceito político, enquanto lugar de constituição de um pensamento sobre a vida dos homens em sociedade, conforme podemos ver no fragmento: “Ingressei no movimento da luta pela

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anistia, em 1976, em 1977, e também na luta por melhores condições de trabalho para a rede de magistério do Estado de Goiás. Fui dirigente sindical do centro dos professores [...”] (Depoimento de Delúbio Soares à CPMI dos Correios no dia 20/07/2005). A outra diz respeito à posição do sujeito no processo comunicativo: corresponde à prática política, lugar das estratégias da gestão do poder. Assim, o sujeito falante procura ou deseja construir a imagem de um chefe ideal que se encontra no imaginário coletivo, conforme tentou fazer Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios ao se manifestar na cena como um chefe soberano que se preocupava com o bem estar do povo e com o bom andamento das questões políticas no País (como mudanças no sistema de financiamento das campanhas eleitorais, por exemplo), uma vez que acreditava ser esse o desejo do povo brasileiro.

Por fim, no nível da captação, o sujeito comunicante busca atingir o lado emocional do sujeito interpretante, seduzindo-o para o campo de suas formulações. Esse nível diz respeito ao conjunto de crenças e estados emocionais que pode resultar em um ato linguageiro bem sucedido. Além disso, ele corresponde aos recursos lingüísticos, lúdicos, às estratégias de escrita, ao estilo, à cenografia. Durante a CPMI dos Correios, Roberto Jefferson se pôs em cena como um político “bem humorado”, não austero, a nosso ver, uma representação que se encontra no imaginário do brasileiro: a imagem de humor está associada a de uma pessoa mais acessível, mais próxima do povo.

Na perspectiva de Charaudeau (1983, 2006), as estratégias se definem em termos de imaginários, isto é, de representações sociodiscursivas, tendo, pois, uma função simbólica e sendo configuradas, em algum momento da história de uma comunidade, sob a forma de discurso - por isso representações sociodiscursivas - e de marcas lingüísticas. O sujeito, durante a interação, mobiliza uma ou outra estratégia tendo em vista sempre as representações do grupo social no qual está inserido e do qual faz parte, como uma representação de si mesmo e do outro. José Dirceu, durante a CPMI dos Correios, por exemplo, ressaltou sua participação ativa na luta contra o regime militar, uma vez que acreditava na aversão do povo a esse tipo de governo: “Minha vida o Brasil conhece, sempre foi pública, mesmo quando eu lutava de armas nas mãos ou na clandestinidade” (Pronunciamento de José Dirceu na Câmara dos Deputados, no dia 22/06/2005). As representações sociais regem a vida dos indivíduos que vivem em determinado grupo social e, ao mesmo tempo, esses mesmos indivíduos são responsáveis pela criação desses imaginários. Assim, as representações constituem uma

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dialética, no sentido de que são determinantes na vida dos homens e são determinadas por eles, ao viverem em grupo.