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5.2. As escolhas lingüísticas do sujeito falante: um passeio pelo bosque das palavras e

5.2.1. Estruturas sintáticas hipotáticas e paratáticas

5.2.1.2. Orações coordenadas aditivas

Ao tratar das coordenadas aditivas, geralmente os autores como, por exemplo, Neves (2000), destacam a conjunção “e”, que evidencia exterioridade entre os dois segmentos coordenados e acrescenta um segundo segmento a um primeiro, recursivamente, seja qual for a direção relativa desses segmentos, determinada pelas variações contextuais. Segundo Neves (2000), o “e” pode marcar tanto uma relação de adição entre os segmentos coordenados, o que implica que esse coordenador possui um caráter mais neutro do que os outros quanto uma relação semântica de contraste ou, ainda, de causa/conseqüência.

Para a autora, no que diz respeito à argumentação, ocorre uma adição de argumentos para reiterar ou inverter a direção argumentativa. No primeiro caso, o segundo enunciado coordenado reitera a direção argumentativa, indo em um mesmo sentido. Já no segundo, o enunciado encabeçado pela conjunção inverte a direção argumentativa.

A Língua Portuguesa dispõe de estruturas correlativas para coordenar orações, conhecidas como séries aditivas enfáticas, que são usadas para dar destaque ao conteúdo da segunda oração, como é o caso da estrutura iniciada pela conjunção “mas também”, agenciada pelo sujeito falante durante o evento. Vejamos:

Segundo depoimento – fragmento 08

Hoje, aqui, o meu papel também não é de político, mas também não é de advogado, porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício. Tem aqui os dois advogados ao meu lado, o Dr. Luiz Francisco Barbosa e o Dr. Itapuã Prestes de Messias, que farão isso por mim. Mas eu também não sou o político Roberto Jefferson. E não sou o político porque não vim aqui pedir aos senhores que me absolvam. Não vim aqui mendigar em favor do meu mandato. Já passei dele. Não vim aqui perorar pelo Deputado. Absolutamente. Absolutamente!

Conforme podemos ver no fragmento acima, o sujeito falante continuou negando estar exercendo papéis, mais precisamente os de político e de advogado. É importante ressaltar que o sujeito refutou estar exercendo papéis pressupostos pela mídia, pela doxa e pelos adversários. Ele desejava “despir-se” desses papéis sociais e assumir uma nova imagem. A estrutura acima funcionou, portanto, como um arcabouço para a construção de um novo ethos.

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Através do operador discursivo argumentativo “mas também”, ele acrescentou argumentos à tese, descrita na abertura do depoimento: “não estou exercendo papéis nesta CPMI”. Assim, nas duas primeiras orações que compõem o período aditivo ele refutou o pressuposto de que estivesse desempenhando papel de político e de advogado. Nessa perspectiva, os enunciados “Hoje, aqui, o meu papel também não é de político, mas também não é de advogado” constituem, também, conforme pode ser visto no fragmento anterior, um ato de fala polifônico, uma modalidade de julgamento, uma vez que marcam a atitude do sujeito falante em relação ao que foi dito por alguns parlamentares em seu primeiro depoimento e em relação ao que ele pressupunha ser a representação de seus interlocutores.

Acreditamos ocorrer neste trecho do fragmento um movimento argumentativo composto de uma dupla refutação, uma vez que, através da oração “mas também não é de advogado”, ele pôs em cena um enunciador que também refutava a conclusão esperada pelo enunciado “Hoje, aqui, o meu papel também não é de político”.

Em um primeiro momento, o sujeito falante, através de um ato refutativo proposicional, negou a asserção de que exercia papel de advogado por meio de um ato de justificação: “porque advogado em causa própria é péssimo e eu não saberia fazer esse exercício”. Depois, através de atos refutativos pressuposicionais58, ele tentou intimidar os colegas parlamentares: esse tipo de negação traz mais prejuízos para a interação, uma vez que é mais ameaçadora para a face positiva do enunciatário (MOESCHLER, 1982, apud NAGAMINE, 1998, p. 92). Assim, ele continuou desqualificando os adversários e tentando se construir como um indivíduo que falava a verdade: uma refutação pressuposicional tem por objetivo atingir mais o enunciatário que sua enunciação, na medida em que ela o coloca diretamente em causa (DUCROT, 1972).

O sujeito falante negou as asserções pressupostas a partir do posto no ato de justificação: “Não vim aqui pedir absolvição”; “Não vim aqui mendigar a favor do mandato”; “Não vim aqui perorar pelo deputado”. É importante observar que ele repetiu o enunciado “O meu papel não é de político”, no sentido de dar ênfase à tese inserida no início do depoimento: “Os políticos encenam, mas eu não estou encenando”.

58Uma refutação pressuposicional possui por função recusar o conteúdo q expresso no ato de pressuposição A´

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Além disso, é importante salientar que, através do modalizador epistêmico “Absolutamente!” - usado duas vezes no fragmento –, ele mostrou total engajamento com o dito, alto grau de certeza daquilo que foi dito, o que, a nosso ver, conferiu mais força argumentativa ao discurso no sentido de intimidação.

O que podemos observar até então é que o sujeito falante agenciou a estrutura concessiva para desconstruir uma imagem de si inserida na trama pelos adversários (a de estar encenando- artista) e, conseqüentemente, construir outra que acreditava ser-lhe favorável no momento, estabelecendo a tese “Não estou encenando”. Depois disso, através de orações coordenadas aditivas, ele foi somando argumentos a favor dessa tese, na tentativa de reforçá-la, conforme podemos ver a seguir:

QUADRO 2

Tese principal e alguns argumentos do depoente agenciados durante a CPMI dos Correios Eu não estou encenando/estou falando a verdade (ethos de virtude)

Representações sociodiscursivas Posicionamento do sujeito falante durante a CPMI

Apesar de os políticos

encenarem/mentirem (teatro político).

Não exerço papel de artista Não vim pedir que me absolvam nem

mendigar em favor do meu mandato

Não sou o político Roberto Jefferson Advogado em causa própria é péssimo. Não sou o advogado Roberto Jefferson