• Nenhum resultado encontrado

5.1. A en (cena) ção na CPMI dos Correios

5.1.1. O pronunciamento: considerações gerais

5.1.1.1. As instâncias de produção e recepção

O autor do discurso, Roberto Jefferson, ser da experiência, assume o papel social de parlamentar, momento em que passa de figura empírica para figura discursiva que “diz”, ou seja, deixa de ser autor para se constituir como locutor, aquele que possui a legitimidade para “dizer” no pronunciamento. Sendo assim, o locutor exerce a função social de parlamentar;

47 Os pronunciamentos já passaram por um processo de retextualização: o material analisado é o produto das

notas taquígrafas.

48 Não há uma dicotomia entre modalidade falada e escrita, embora cada uma delas apresente suas

peculiaridades. As diferenças entre fala e escrita se situam em um continuum tipológico de gêneros de textos determinado pela correlação entre as modalidades (MARCUSCHI, 1997, p. 136).

"$

passa a “dizer” de dado lugar social determinado pela instituição na qual está inserido e da qual faz parte.

De certa forma, apaga-se o sujeito empírico, o indivíduo real, para dar lugar ao sujeito institucionalizado, ao parlamentar, que “diz” não só a partir do lugar social que ocupa (parlamentar presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, por isso o uso dos pronomes “eu”, “nós”, da “expressão “a gente” e da forma nominal “o PTB”, com predominância do pronome “eu”); mas, também, “harmoniza” no discurso “vozes” 49 que o constituem.

O parlamentar é, na realidade, porta-voz (representante) do povo, uma vez que foi eleito por ele e deve-lhe satisfações, portanto busca construir no discurso imagens com as quais esse interlocutor possa se identificar tais como, a de político honesto e sério (primeiro pronunciamento) e a de denunciante dos esquemas de corrupção que assolam o País (segundo pronunciamento). Nesse sentido, ele “diz” por outros indivíduos que “olham” e polemizam de posições sociais e ideologias diferentes, tendo em vista seu projeto de fala.

Ele gerencia uma pluralidade de “vozes” que atravessam o pronunciamento tais como, os discursos relatados, com predominância do discurso direto, das citações e narrativas religiosas (discurso religioso), dos provérbios (“a voz do povo”) e das narrativas infantis. Essas “vozes” contribuem para a construção do conteúdo temático do discurso e, sobretudo, para a argumentação, uma vez que legitimam, reforçam ou refutam os argumentos e auxiliam na construção das imagens de si e do outro.

O parlamentar, ao enunciar, “concede-se” o direito de fala e “atribui-se” um lugar a seu interlocutor, para que sua “fala” seja legítima. Por exemplo, ao iniciar o pronunciamento, ele delegou ao povo o papel social de cidadãos; e aos colegas parlamentares, o papel de Congressistas, o que atesta sua legitimidade de parlamentar. Vejamos o fragmento:

Segundo pronunciamento – fragmento 01

Exmo. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do Brasil que me ouve, cidadã do Brasil que me ouve” [...]

"%

Através dos vocativos “Exmo. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, cidadão do Brasil, cidadã do Brasil”, o sujeito falante mostra a situação na qual se encontra e a quem ele se dirige: cidadãos e colegas parlamentares.

É importante observar que a oração adjetiva restritiva “que me ouve” põe em cena outro interlocutor, a mídia, cuja função é unir a instância política à cidadã. A mídia é porta-voz dos parlamentares, uma vez que se “responsabiliza” por levar ao cidadão as “palavras” e a “imagem” dos parlamentares. Ela é legitimada, de antemão, em seu papel de informante, mas, ao mesmo tempo, busca credibilidade e captação, o que a caracteriza como uma instância responsável pela espetacularização e a dramatização das cenas políticas. O parlamentar dialoga, pois, com os cidadãos, a mídia e os colegas parlamentares. Vejamos a figura:

FIGURA 6 - Instâncias de fabricação do pronunciamento durante CPMI dos Correios Embora ele se dirija a todas essas instâncias, seu alvo principal é o povo:

nem sempre o orador deseja persuadir a quem ele interpela pelo nome. Muitas vezes, o parlamentar, por exemplo, pode dirigir-se ao presidente, mas estar procurando persuadir não só aqueles que o ouvem, mas sobretudo à opinião pública. Ou, ainda, ele pode não ter objetivo persuadir a quem se encontra à sua frente, como os colegas parlamentares, por exemplo, na Tribuna, durante os pronunciamentos. O orador pode deixar de lado uma desses auditórios (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 21).

Ele interpela o cidadão brasileiro, principalmente, através de metonímias acrescidas de sintagmas adjetivais (orações adjetivas restritivas, apostos e adjuntos adnominais), tendo em vista torná-lo participante da cena política na qual está inserido, implicando-o, pois, a tomar

Parlamentar Membros da Câmara dos Deputados

Mídia Cidadão

"&

um posicionamento: “pessoas do Brasil”; “cidadão/cidadã do Brasil que me ouve”; “cidadãos brasileiros que me assistem”; “povo da minha terra”; “Brasil/povo que me ouve”. Vejamos o fragmento:

Segundo pronunciamento – fragmento 04

Ouvi pacientemente o Relator do Conselho de Ética. O relatório funda-se em 5 pontos. Primeiro, não comprovou o mensalão. O povo do Brasil que julgue, em especial o povo da Bahia, o relatório daquele moço que diz que o mensalão não é comprovado. Veja se o relatório dele condiz com o sentimento do povo do Brasil, da mídia nacional, do que está dito hoje aqui no Congresso.

O parlamentar mostra plena consciência de que se dirige a um auditório vasto e heterogêneo, difícil de ser caracterizado, por isso o uso de sintagmas nominais genéricos como “povo” (metonímia). Na perspectiva de Reboul (1998, p. 121), o poder argumentativo de uma metonímia é o da denominação que reside no fato de ela ressaltar o aspecto da coisa que interessa ao locutor. Os sintagmas nominais “cidadão e “povo” (este acrescido do sintagma adjetival “da minha terra”) são metonímias extremamente valorizadas em regimes democráticos que viveram períodos de ditadura, uma vez que remetem às questões relativas à nação que:

“é um grupo de indivíduos que se sentem unidos pela origem comum, pelos interesses comuns e, principalmente, por ideais e aspirações comuns. [...]. É uma entidade moral no sentido rigoroso da palavra. Nação [...] é uma comunidade de consciências, unidas por um sentimento complexo, indefinível e poderosíssimo: o patriotismo” (AZAMBUJA, 2005, p. 31).

Conforme podemos ver no fragmento a seguir, as orações adjetivas restritivas, além de colocarem em evidência o fato de ser um povo que participa das questões políticas (não é um povo qualquer, mas um povo participante), mostram que o locutor tem consciência de que o povo o ouve e lhe assiste, o que, por si só, já implica dramatização e espetacularização do discurso. Vejamos:

Primeiro pronunciamento – fragmento 05

Sem cargos no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu segundo momento. Agora, temos esses. E digo ante V.Exas. e as pessoas do Brasil que nos assistem pela TV Câmara e nos ouvem pela Rádio Câmara que todos os cargos estão à disposição do Governo. Acabei de listá-los.

"'

O parlamentar usa um vocabulário bem próximo do povo como, por exemplo, “rabo entre as pernas” (expressão muito usada); “Isso vai dar zebra”; “uma bomba debaixo da sua cadeira”; “deu uma canetada”. Além disso, ele agencia frases feitas (máximas), provérbios, citações religiosas, narrativas religiosas e infantis (o conto “A roupa nova do imperador”50, por exemplo) o que mostra sua preocupação em trazer para o discurso o que é do cotidiano do povo, procurando, portanto, uma aproximação maior com esse interlocutor.

Em relação aos Congressistas, o parlamentar os intitula como representantes do povo e se dirige a eles por meio dos devidos pronomes de tratamento, conforme as hierarquias: “Senhor Presidente”, “Senhor relator”, “V. Exas”, “Senhores deputados”. Geralmente, usa sintagmas nominais que especificavam a filiação a um grupo ou mesmo a um partido.