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4. METODOLOGIA E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO

4.3. Constituição, seleção e tratamento do corpus

Quanto à materialidade discursiva, selecionamos, inicialmente, um conjunto de fragmentos produzidos por ocasião dos trabalhos da CPMI dos Correios, uma vez que nossa intenção era analisar as estratégias agenciadas por cinco protagonistas do evento. Pretendíamos realizar uma análise contrastiva, tendo em vista comparar fragmentos discursivos de cada um dos indiciados em momentos (início, meio e fim) e situações (depoimento e pronunciamento) distintos, além das estratégias adotadas por cada um deles em cenários diversos. Durante o segundo semestre de 2005 e início de 2006 vários documentos foram produzidos, entre depoimentos e relatórios, envolvendo personalidades políticas, empresários e cidadãos. Dentre os depoentes, nos interessávamos, sobretudo, pelo discurso produzido pelo ex- deputado federal Roberto Jefferson, durante o evento.

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Portanto, o corpus inicial da pesquisa era constituído de dez textos escritos, referentes ao esquema de compra de votos de parlamentares e financiamento de campanhas eleitorais em 2005 (escândalo do “Mensalão”), produzidos por Roberto Jefferson, Mauricio Marinho, José Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério: seis depoimentos e quatro pronunciamentos. No entanto, redefinimos corpus, restringindo a pesquisa à análise das estratégias agenciadas por Roberto Jefferson, tendo em vista a importância desse sujeito no evento. Assim, o corpus da pesquisa compreende quatro textos produzidos por Roberto Jefferson, ex-deputado do PTB, durante a CPMI dos Correios:

i) um pronunciamento realizado na Câmara dos Deputados no dia 17/05/2005 (primeiro pronunciamento realizado após as denúncias feitas na e pela Revista

Veja);

ii) um depoimento dado à Comissão de Ética no Plenário da Câmara no dia 14/06/2005, tendo em vista a representação no Conselho de Ética pelo Deputado Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Progressista (PL) (primeiro depoimento);

iii) um depoimento dado à CPMI dos Correios no Plenário da Câmara dos Deputados no dia 30/06/2005 (segundo depoimento);

iv) um pronunciamento realizado na Câmara dos Deputados no dia 14/09/2005 (último pronunciamento realizado pelo então deputado antes da votação do pedido de cassação de seu mandato político).

O material discursivo analisado foi colhido no Portal da Câmara dos Deputados e não sofreu nenhum tipo de tratamento, ou seja, foi analisado da maneira como se apresentava no “site”, sem ter sido retextualizado42.

É importante ressaltar que tivemos preocupação, enquanto parâmetro metodológico, tanto com os aspectos quantitativos quanto qualitativos, à medida que nos interessava, como já

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exposto, identificar e analisar as principais estratégias discursivas agenciadas por Roberto Jefferson durante o evento da CPMI dos Correios.

Além disso, o evento da CPMI dos Correios se constitui de duas situações de comunicação (depoimentos e pronunciamentos), dois momentos (primeiro e último pronunciamento/depoimento) e três “cenários” (CPMI, Plenário da Comissão de Ética e Câmara dos Deputados). Assim, o corpus é constituído por dois gêneros discursivos43 vistos em uma dimensão espaço/temporal/institucional. A escolha por estas peculiaridades (situações, momentos e “cenários” diferenciados) se deu em virtude de um dos objetivos: fazer uma análise contrastiva das estratégias discursivas.

A escolha pelo discurso do ex-deputado Roberto Jefferson se deu tendo em vista dois motivos. Desde o primeiro momento, Jefferson esteve no centro das denúncias relativas ao “Mensalão”, ocupando o papel de deputado acusado de participar de amplo esquema de corrupção financeira. Entretanto, à medida que era exposto em depoimentos, ele criava novos fatos político-discursivos, passando ao papel de acusador e envolvendo novos participantes e sujeitos discursivos como, por exemplo, José Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério. É importante ressaltar que Roberto Jefferson foi inserido na trama por Mauricio Marinho e que a denúncia veio à tona através da mídia.

A figura 4 ilustra o eixo da história e os principais “agregados”. Não podemos nos esquecer de que Roberto Jefferson, depois de ter sido denunciado como principal envolvido no processo, anunciou a participação central de José Dirceu no caso, salientando ser o ministro o chefe do esquema. Assim, há dois partidos políticos em confronto: o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

43 Os gêneros devem ser pensados tendo em vista a articulação entre as coerções situacionais determinadas pelo

contrato global de comunicação, as coerções da organização discursiva e as características das formas textuais, localizáveis pela recorrência das marcas formais (CHARAUDEAU, 2000b).

FIGURA 4 - Principais personagens da trama do “Mensalão”

Vejamos um pouco sobre cada um dos principais indiciados no caso.

Roberto Jefferson, deputado federal por seis mandatos consecutivos, era presidente do Partido dos Trabalhadores do Brasil (PTB) e componente da base de apoio e sustentação do Governo no Congresso Nacional. Na reportagem da Revista Veja, que revelou a existência do esquema de corrupção, ele foi citado como suposto mandante do plano. Assim, Jefferson foi instaurado na trama como um dos principais vilões. Alegou, o tempo todo, ser vítima de “chantagem” e negou qualquer participação no esquema. Teve seu mandato cassado em 14/09/2005.

Já Maurício Marinho, diretor do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios e Telégrafos (ECT), por sua vez, também foi inserido na história como um dos vilões. Trechos da fita de vídeo obtida pela revista mostraram o então diretor tentando receber propina de empresários para “facilitar” o acesso de suas empresas no grupo das que fornecem equipamentos de informática aos Correios. Marinho foi demitido por justa causa em 08 de setembro de 2005.

Ao ser citado como chefe do esquema, Roberto Jefferson passou a apontar, em inúmeras manifestações na mídia nacional, a existência de um complexo sistema de financiamento ilegal da base de apoio do governo, tanto em processos políticos ou eleitorais quanto fora deles. Assim, o então deputado salientou a participação, principalmente, de parlamentares e empresários.

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Segundo ele, os recursos para alimentar o esquema, que consistia no pagamento de mesadas de R$30 mil, pelo PT, a deputados de outros partidos da base aliada, vinham de estatais e de empresas privadas. Esse dinheiro chegava a Brasília “em malas”, para ser distribuído em ação comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o publicitário Marcos Valério.

Jefferson enfatizou que Marcos Valério, empresário do ramo de publicidade e proprietário das agências DNA Propaganda e SMP&B Comunicação, era o vértice do esquema. Reafirmou que Marcos Valério fazia os repasses financeiros sob auspícios de Delúbio Soares.

Conforme enunciado no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios (2006, p. 205), Marcos Valério realizou sofisticadas operações financeiras de distribuição de dinheiro a parlamentares. Angariava recursos no setor público e privado e os repassava, através de suas agências de publicidade, às pessoas indicadas por Delúbio Soares. Havia seduzido o Partido dos Trabalhadores com um mecanismo para arrecadar fundos que já tinham sido oferecidos a políticos de seu Estado, Minas Gerais, durante a campanha eleitoral de 1998.

Além disso, o empresário possuía uma relação muito próxima com o partido do governo e com autoridades públicas. Suas agências de publicidade possuíam contratos com a administração pública, incluindo os Correios, o Banco do Brasil, a Eletronorte, o Ministério do Trabalho e o Ministério dos Esportes, todos apresentando irregularidades em suas administrações.

Segundo Jefferson, Delúbio Soares, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, conhecido como o dono da chave do cofre do PT, era quem distribuía o dinheiro. O então secretário, antigo professor de matemática, era amigo de Marcos Valério. O tesoureiro também negou as acusações, alegando que o que ocorreu foi um pedido de empréstimo a Marcos Valério para saldar compromissos dos candidatos do PT e dos partidos de base. Foi afastado em 05/07/2005 e expulso em 23/10/2005.

Roberto Jefferson ressaltou que o ministro da Casa Civil, José Dirceu, tinha conhecimento de todo o esquema. Segundo ele, José Dirceu era um dos cabeças do “Mensalão”: chefiava as indicações para cargos em estatais com o objetivo de captar recursos para o PT. José Dirceu,

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após vários mandatos como deputado federal pelo Estado de São Paulo, assumiu a Chefia da Casa Civil da Presidência da República logo após a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao governo federal. Tendo seu nome envolvido no escândalo, pediu demissão do cargo de ministro e voltou ao seu antigo cargo de deputado federal. No dia 30 de novembro de 2005, José Dirceu teve seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, ficando inelegível até 2015.