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5.2. As escolhas lingüísticas do sujeito falante: um passeio pelo bosque das palavras e

5.2.1. Estruturas sintáticas hipotáticas e paratáticas

5.2.1.7. Orações “contrastivas”: coordenadas adversativas

As orações coordenadas adversativas são consideradas como aquelas que estabelecem uma relação de contradição, de adversidade, de oposição. Geralmente, predomina a coordenação com a conjunção “mas” que, na perspectiva de Ducrot (1984), é por excelência argumentativa.

Neves (2000), ao discutir as construções adversativas, destaca a coordenação com “mas”, enfatizando que essa conjunção marca uma relação de desigualdade entre os segmentos coordenados e, por isso, não há recursividade nessa construção, que fica, portanto, restrita a dois segmentos. Segundo a autora (2000, p. 756), na condição de coordenador, o “mas”

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evidencia exterioridade entre os dois segmentos coordenados e, assim, coloca o segundo segmento como, de alguma forma, diferente do primeiro, especificando-se essa desigualdade conforme as condições contextuais.

Além disso, para a autora, os segmentos coordenados por “mas” podem ser sintagmas, orações ou enunciados, sendo que nessas relações a desigualdade estabelecida é usada para a organização da informação e para estruturação da argumentação, o que implica a manutenção (em graus diversos) de um dos membros coordenados (em geral, o primeiro) e a sua negação (também em graus diversos).

Neves (2000) ainda ressalta que o “mas” pode estar no início de sintagmas, orações ou enunciados em função atributiva, indicando apenas contraposição ou, mais fortemente, eliminação, ou, ainda, encabeçando enunciados, em início de turno, com finalidades pragmáticas, podendo indicar também contraposição ou eliminação.

Na perspectiva de alguns lingüistas como, por exemplo, Maingueneau (1997), há dois “mas”: o “mas” refutativo e o “mas” argumentativo, ambos com funções pragmáticas. Tanto em um caso como no outro ocorre, na realidade, segundo Maingueneau (1997, p. 166), um afrontamento entre o locutor e um destinatário (fictício ou real) e não uma simples oposição entre dois enunciados. O “mas” de refutação, para o autor, recusa a legitimidade daquilo que um destinatário disse ou pensou, ou poderia ter dito ou pensado. Por outro lado, o “mas” argumentativo possibilita a oposição à interpretação argumentativa que um destinatário atribui ou poderia atribuir à proposição P de “P mas Q”. Assim, são dois interlocutores que se opõem e não dois conteúdos.

O “mas” argumentativo liga dois atos distintos (“P mas Q”) que, na perspectiva inicial de Ducrot (1984), funciona da seguinte forma: “Sim, P é verdadeiro. Assim, o interlocutor teria a tendência, em decorrência disso, concluir R. No entanto, não deve fazê-lo, uma vez que Q é apresentado como um argumento mais forte para não-R do que P o é para R. P é apresentado pelo locutor como devendo conduzir o interlocutor a concluir R. Não está inscrito na natureza das coisas e, fora de contexto, a priori, não há nenhuma razão para opor os enunciados que são opostos por “mas”. É o texto que, por meio de seu movimento, institui uma tal oposição.

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É importante salientar que, posteriormente, Ducrot acrescentou uma correção à sua proposta inicial de análise do “mas” argumentativo, em que o argumento não-R era considerado “mais forte” do que R:

De fato, a única coisa constante é que o locutor declara negligenciar o primeiro (enunciado) da argumentação que está construindo, para apoiar-se apenas no segundo – a força argumentativa superior atribuída a este não passa de uma justificação desta decisão (DUCROT, 1984, p. 9)

Nesse sentido, o “mas” não estabelece uma relação direta entre P e Q, mas apenas coloca P como “negligenciável”, derivando a força maior de Q. Tanto Ducrot quanto Maingueneau ressaltam a complexidade das estruturas sintáticas introduzidas pela conjunção “mas”.

Moeschler (1982, apud Nagamine, 1998), ao discutir os atos de refutação, evidencia um tipo de estrutura estável na qual aparece a conjunção “mas” (ato de fala refutativo de retificação): NEG (p), mas q. Nesse caso, o “mas” é um marcador indicativo de retificação.

Observamos que o sujeito falante usou tanto as estruturas com o “mas” refutativo quanto com o “mas” argumentativo. No entanto, predominou o “mas” refutativo, com a função de refutar imagens de si tanto postas em cena pelos adversários, quanto pressupostas pelo sujeito falante. Vejamos o fragmento a seguir:

Segundo depoimento – fragmento 14

O mandato eu sublimei, mas não faço concessões à honra. Perfeito? Não sou. Passei, como Presidente do PTB, na construção do meu Partido, aliás de braços dados e esposado com outros presidentes, pelo afrouxamento das regras da eleição e do financiamento das campanhas.

Na primeira estrutura adversativa, o sujeito falante, apesar de aderir ao que foi proferido na oração principal, distanciou-se desse enunciado para assimilar-se ao dito na oração adversativa, refutando, através de negativa, o ato de fala assertivo pressuposto a partir dessa oração: “faço concessões à honra”. “O mas de refutação recusa a legitimidade daquilo que um destinatário disse ou pensou, ou poderia ter dito ou pensado [...]” (MAINGUENEAU, 1997, p. 166).

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Segundo Maingueneau, é importante ressaltar que nesse caso não se trata de uma simples oposição entre dois enunciados e sim de um afrontamento entre locutor e destinatário, seja ele real ou fictício (1997).

Já na segunda estrutura concessiva (a conjunção “mas” argumentativa encontra-se implícita), o sujeito falante, por meio de uma pergunta retórica, reafirmou ser um indivíduo “comum”, com defeitos e virtudes: o papel de ser humano “comum”. Conforme pode ser visto no fragmento 09, ele pôs em cena a condição de ser humano “comum” e ressaltou ser a honra a virtude mais importante em um homem.

No entanto, ele distanciou-se do dito no enunciado e agenciou um argumento mais forte com a finalidade de auxiliar na construção da imagem de político comprometido com o povo (ethos de credibilidade): “ele contribuiu para o afrouxamento das regras de eleição e do financiamento de campanhas”. É importante salientar que, na oração principal da segunda estrutura adversativa, o sujeito falante refutou o pressuposto de que era perfeito: “Perfeito? Não sou”.

Outras estruturas adversativas refutativas foram agenciadas pelo sujeito falante na constituição do ethos e do anti-ethos como, por exemplo: “Digo ao Policarpo que aqui não sou algoz, mas vítima de negócio que não foi feito” (Primeiro pronunciamento). Nesta estrutura, o sujeito falante refutou uma imagem de si que pressupunha ser a imagem que Policarpo tinha dele e afirmou sua condição de vítima (“mas” refutativo de retificação). Observamos que, em alguns momentos, raros, o sujeito falante usou a conjunção “mas” com a função de “marcador conversacional”, peculiar à modalidade falada60. A nosso ver, isso se deu tendo em vista verificar o envolvimento de seus interlocutores.