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A comunicação das mudanças climáticas como ponto de partida

4. A comunicação como construção do engajamento?

4.3 A comunicação das mudanças climáticas como ponto de partida

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Como já foi discutido anteriormente, as mudanças climáticas trazem impactos globais, intensos e variados (Cavalcanti et al., 2016), que vem afetando a vida humana e a afetarão ainda mais no futuro. Essa ameaça requer uma cooperação sem precedentes, numa combinação de políticas transformadoras, tecnologias inovadoras e novas formas de pensar e se comportar (Moser, 2010). Entretanto, apesar da urgência da ameaça e da necessidade de 25

serem adotadas atitudes de enfrentamento ao problema, há um panorama geral de baixo engajamento da população (Carvalho, 2012; Lee et al, 2015), somado a uma postura de negligência por parte de macroatores, com uma atuação de caráter conservador e seguramente inadequada para a real demanda do fenômeno (Lima & Layrargues, 2014). Estes fatores combinados dificultam um enfrentamento efetivo das mudanças climáticas.

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Considerando esse paradoxo, torna-se urgente a necessidade de investigar formas que possam contribuir para um maior envolvimento da população (nas diferentes escalas) com a discussão já no momento presente, pois esperar que as MCs se tornem uma ameaça real e clara para todos, e assim conseguir um envolvimento a nível global, não é uma proposta racional, inteligente ou ética (Moser, 2010). É preciso que se reflita sobre as estratégias 10

utilizadas atualmente para discutir sobre as MCs e que se reformulem os pontos frágeis que possam existir nestas estratégias comunicativas, para que seja possível potencializar seus impactos positivos.

Entendendo o cenário de baixo envolvimento da população como um ponto de chegada, ou seja, como resultado de um processo não linear influenciado por diversos fatores, 15

torna-se importante investigar os pontos em que este processo se inicia. A comunicação das MCs, ou seja, a maneira pela qual a temática é divulgada para os públicos interessados (políticos, cientistas, sociedade civil), se apresenta como um desses pontos de partida. Considerando o crescente interesse e o atual debate internacional sobre o tema, a questão entre o que é dito sobre as questões climáticas e a maneira como a sociedade recebe, 20

interpreta e faz uso desse conteúdo, salta ao primeiro plano de discussão (Taddei, 2008). A comunicação é um fator que pode se apresentar como facilitador ou como barreira para o engajamento, a depender da forma pela qual é utilizada. De acordo com Taddei (2008), “a comunicação é, de certa forma, como a atmosfera: invisível, mas bastante complexa” (p. 79).

Desde que o fator antropogênico das MCs entrou em discussão (em meados dos anos de 1980), o debate sobre qual a melhor forma de comunicar sobre o tema é uma discussão que vem crescendo gradativamente (Moser, 2010). Historicamente, o tom da comunicação das MCs teve como foco achados científicos e divulgação de relatórios técnicos, especialmente em contextos de ocorrência de eventos extremos ou por conferências e encontros políticos, 5

que traziam o problema de volta ao foco de debate. Nesse momento, interesses diversos emergiram, acrescentado às discussões um cenário de disputa entre os crentes e os céticos em relação às MCs e o papel da ação humana – movimento seguido e noticiado pela mídia (Moser, 2010).

Atualmente, a comunicação das MCs parece ter superado o caráter de duelo e de um 10

tom estritamente técnico e científico (Moser, 2010), inclinando o viés da discussão para abarcar questões políticas e sociais, chamando a atenção para os aspectos éticos e morais envolvidos e anteriormente deixados de lado (Allan & Hadden, 2017). A comunicação das MCs passa, assim, a englobar questões técnicas, políticas, econômicas e sociais, estando direcionadas para diferentes públicos-alvo, especialmente a sociedade civil.

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A mídia se coloca como o mais importante canal de informação sobre as mudanças climáticas para a população em geral, tendo uma grande influência na percepção das pessoas (O’Neill & Nicholson-Cole, 2009), o que se soma à crescente presença e influência da internet como meio de comunicação e propagação de informações, expressão e ativismo (Valenzuela, 2013). Acompanhando essa tendência, o campo de pesquisa sobre a 20

representação visual das mudanças climáticas e o impacto no engajamento público cresce exponencialmente (O’Neill & Smith, 2014). Como resultado desse interesse de pesquisa, estudos vem demonstrando que a comunicação das MCs tem, tradicionalmente, adotado um tom catastrófico, linguagem de alarmismo e apelo emocional (Manzo, 2009, 2010; O’Neill &

Smith, 2014), tendo como um das maiores exemplos das representações iconográficas do problema a imagem de um urso polar sobre um pequeno bloco de gelo flutuante.

Apresentando um viés diferente, mas que complementa a discussão, Taddei (2008) aponta que, para a área das ciências meteorológicas, a comunicação foi um lado do trabalho historicamente negligenciado, sendo entendida como um aspecto menor e meramente 5

burocrático. Esta questão salta como potencial problema para o diálogo com o público, no sentido de que se a informação transmitida não for apreendida ou não for entendida como sendo possível de ser traduzida para um plano prático, isso equivale à inexistência da informação (Taddei, 2008). Ou seja, uma das questões acerca da comunicação se refere ao fato de que uma informação não compreendida é o mesmo que informação não recebida. 10

A literatura da área vem apontando que o tom negativo tipicamente usado na disseminação da discussão pode ser contraproducente, induzindo a um medo paralisante, negação e distanciamento (O’Neill & Smith, 2014; Pinheiro & Farias, 2015), caracterizando esse tipo de comunicação como uma barreira para o engajamento da população. Desperdiça-se o potencial para atrair atenção de forma eficaz e envolver um maior número de pessoas, 15

devendo ser substituído por um caráter mais positivo (Pinheiro & Farias, 2015), indicando possibilidades de ação frente ao fenômeno. Assim, além de existir uma dificuldade no acesso e apreensão das informações sobre a temática das mudanças climáticas, a forma pela qual este assunto vem sendo tradicionalmente comunicado acaba por motivar uma estagnação das pessoas frente ao problema.

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Somando-se a isso, considerando os vários fatores que podem interferir na compreensão e apropriação das informações comunicadas, existe a possibilidade constante de que o conteúdo, mesmo que comunicado ao público, não se traduza em impacto na população. Por isso, quanto mais compreendermos como as pessoas respondem ao tema, melhor

poderemos agir no sentido de superar as barreiras da inação (Australian Psychological Society, 2016)

Sendo assim, é necessário que haja uma reformulação nas estratégias de comunicação tradicionalmente utilizadas, no sentido de adotar abordagens positivas que utilizem linguagem simples e clara (Moser, 2010; Pinheiro & Farias, 2015), facilitando não apenas o acesso à 5

discussão, mas também a apropriação e compreensão eficaz sobre as questões abarcadas nas mudanças climáticas. Para além disso, pensando em aspectos de ordem social e política em maior escala, a comunicação pode se tornar uma via importante de acesso à formulação e propagação de estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas que vão além do conservadorismo dinâmico. É com vistas a essas inquietações e possibilidades de construção 10

de enfrentamento às mudanças climáticas que este estudo se orienta, como será detalhado no capítulo a seguir.