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4. A comunicação como construção do engajamento?

4.2. Ramificando: a comunicação ambiental e a atuação de ONGs

Como apresentado anteriormente, a comunicação é parte essencial na busca por 10

sentido para os fenômenos e objetos, na interpretação dos acontecimentos, na compreensão dos fatos do mundo (Polistchuk & Trinta, 2003). No que se refere à comunicação ambiental, sua importância se dá de igual maneira. No tocante ao meio ambiente, a mídia hegemônica se apresenta como principal fonte de informações para a maior parte da população, influenciando ações e percepções pela sua alta produção de conteúdo; entretanto, organizações não- 15

governamentais, instituições governamentais e empresas privadas também ocupam uma parcela de atuação importante neste espaço (Lima et al. 2014).

Nesse sentido, comunicação ambiental surge como um cruzamento entre as epistemologias dos campos ambiental e da comunicação, como uma importante forma de possibilitar o acesso a conhecimentos que poderiam, por sua vez, viabilizar mudanças na 20

compreensão e nas ações em relação ao meio ambiente (Lima et al., 2014). Por comunicação ambiental, compreende-se aqui o conjunto de ações, estratégias e esforços de comunicação direcionados à promoção da causa ambiental (Miguel & Oliveira, 2017). Esta prática está atrelada a importantes aspectos sociais por meio de duas vias: primeiramente, se ressalta a necessidade de uma visão sistêmica, conectando de forma indissociável o ser humano e o 25

ambiente, o meio físico e o biológico, a natureza e a sociedade; em segundo lugar, ao possibilitar mudanças na compreensão acerca do ambiente, a comunicação emerge como alternativa à exploração da natureza (Lima et al, 2014).

Desta forma, a comunicação ambiental pode se manifestar por diferentes práticas comunicativas, a depender do formato de interação com o público e dos meios de que faz uso 5

para esse fim. A comunicação interpessoal se apresenta como uma dessas práticas. A comunicação interpessoal consiste na interação criada em conjunto pelas ações dos atores envolvidos, sendo um processo contínuo e de criação conjunta de uma realidade social única (Fisher & Adams, 1994). Na comunicação ambiental, a comunicação interpessoal se manifesta nas várias atuações dos diferentes atores envolvidos: em um diálogo entre cientistas 10

ambientais, no trabalho em equipe de construção de uma campanha ou projeto, na relação entre educador e educando em uma palestra ou formação. Com a inserção cada vez maior das questões ambientais em espaços políticos e na vida cotidiana das pessoas, a comunicação interpessoal vem ocupando um espaço nesse debate que deve ser considerado.

Há também, na comunicação ambiental, um grande espaço que é ocupado pela 15

comunicação de massa, permitindo a propagação e informações de forma que ultrapassam barreiras físicas e temporais. Por comunicação de massa, me refiro ao processo comunicativo que se relaciona com um público de uma massa indiferenciada, heterogênea e muitas vezes anônima (Alexandre, 2001; Strocchi, 2007). Nesse sentido, ressalto que a maior parte da comunicação ambiental se dá em meio às mídias de massa (ou mídia hegemônica), espaços 20

onde essa comunicação pode encontrar resistências, ao trazer à tona algumas verdades incômodas (como o papel do modelo social e econômico no estabelecimento de problemas ambientais e a necessidade de mudança de hábitos, por exemplo) (Lima et al., 2014; Scalfi et al., 2013). Em acréscimo, frequentemente a mídia apresenta o meio ambiente de forma fragilizada: por meio da espetacularização dos enfoques, da superficialidade com que são 25

tratadas as questões e pela falta de espaço para abordagens mais complexas em torno dos temas apresentados (Scalfi et al., 2013).

Caprino (2016) indica que há um potencial de transformação que reside nos meios de comunicação, na medida em que estes estimulem a autonomia. Esta autonomia citada pela autora se encontra na possibilidade de veiculação de diferentes pontos de vista no campo dos 5

meios de comunicação, permitindo assim uma superação de uma visão única e hegemônica. Dessa forma, ao pensarmos na necessidade de uma articulação com o social ao serem tratadas as questões ambientais, tal emancipação se mostra de importante valor.

No Brasil e na América Latina, este debate sempre esteve mais ligado ao campo das ONGs, com muitas destas organizações atuando no âmbito da mídia de massa, desenvolvendo 10

atividades que vão desde o acompanhamento dos temas na mídia até a produção de pautas e notícias alternativas (Caprino, 2016). Partindo de estratégias de comunicação alternativas, como o contato direto com o público, o uso de panfletos, cartazes, jornais e rádio corneta nos anos 1970 e 1980, houve uma transição progressiva na adoção das estratégias comunicativas (Bona, Ribeiro, & Giuvanusi, 2013; Mazzarino & Miguel, 2017), evoluindo posteriormente 15

para o cenário que temos atualmente de grande inserção destas organizações no meio midiático. É especialmente pela grande capacidade de imersão neste meio que as ONGs são tidas como os espaços em que o movimento ambientalista possui maior força e papel de atuação na contemporaneidade, contribuindo também para sua legitimidade social e difusão da causa (Miguel, 2011; Miguel & Oliveira, 2017).

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No debate sobre as diferentes práticas de comunicação, é importante ressaltar que se faz necessário compreender não só o como a questão é abordada, mas também de para quem ela é comunicada. De forma interpessoal, a comunicação acontece muito mais diretamente, no contato com o público, tendo em mente com quem se está conversando e quais são suas características. Mas como isso se dá na comunicação de massa? É importante compreender 25

que este público não se apresenta como um bloco único e homogêneo, mas que possui inúmeros campos pessoais de experiência que vão influenciar a decodificação das informações. Como levar em conta estes aspectos numa comunicação direcionada para um público tão diverso?

No campo das ONGs, será que esses diferentes fatores são considerados no momento 5

de planejamento das estratégias de comunicação que serão adotadas? Será que a comunicação é pensada de forma pontual e fixa ou há um planejamento de longo prazo, com possibilidades de adequação a depender do feedback do público? Haveria, na verdade, uma possibilidade desse feedback? Especialmente em um contexto em que a comunicação é realizada para um grande público, torna-se importante explorar esses aspectos.

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Para além de quem comunica e para quem essa ação é direcionada, faz parte do processo entender também em qual ambiente a comunicação está ocorrendo. Considerando aspectos como a propagação da informação, acesso ao e do público e consequente maior legitimidade social, o ambiente virtual é tomado como um espaço fértil e grande aliado para o crescimento das ONGs. O movimento ambientalista foi um dos setores que mais se apropriou 15

do ambiente virtual, possibilitando uma expansão das suas fronteiras, uma maior conquista de adeptos ao movimento e uma consolidação pública e política; tais fatores foram favorecidos pela característica de descentralização e dinamicidade do ambiente virtual, a ausência de altos custos e alcance praticamente irrestrito (Miguel, 2011). Estes fatores contribuem para uma comunicação tanto no próprio movimento como entre os seus diferentes públicos. Ainda, de 20

acordo com o discutido anteriormente, a atuação das organizações nesse meio mescla tanto práticas de comunicação de massa (em sua grande maioria), como também toques da comunicação interpessoal.

A autonomia das ONGs em relação às possibilidades de comunicação também se revela como uma particularidade importante e positiva. As ONGs ambientalistas têm seus próprios meios de comunicação e criam seu espaço particular; assim, ao criarem suas próprias mídias, assumem um papel autônomo na constituição de sua agenda de acontecimentos, designando e tornando públicos os aspectos que serão abarcados em sua atuação (Mazzarino, 5

2014; Miguel & Oliveira, 2017). As organizações em questão se evidenciam, então, como importantes e efetivas produtoras de conteúdo acerca das questões ambientais.

Possibilitar o acesso a informações ambientais pode se apresentar como uma forma de tornar os cidadãos mais conscientes sobre os impactos de sua atuação na relação com o planeta (Morigi e Krebs; 2012). A informação, nesse sentido, tem um papel de destaque, ao 10

motivar práticas informais e contribuir para construção de conhecimento acerca do tema – práticas informais e comunicacionais assumem, assim, um papel mobilizador.

De certa forma, a suposição da ignorância humana, a necessidade de uma transmissão adequada de informações e consequente construção de conhecimento acerca dos temas trabalhados, vem sendo historicamente o foco na atuação e construção de campanhas de 15

ONGs ambientalistas. O objetivo destas campanhas seria “ensinar” as pessoas sobre impactos positivos e negativos de seus hábitos e sobre como melhor cuidar do meio ambiente e, assim, resultaria em uma mudança de comportamento (Costa, 2017). Entretanto, dois pontos falhos podem ser encontrados nesse caminho metodológico. De partida, entende-se que nessas abordagens o público alvo é compreendido apenas como recebedor passivo das informações 20

transmitidas, e não como interlocutores. Somando-se a isto, apesar de o acesso a informações ser parte necessária do processo de consciência e reação à questão ambiental, não é por si só suficiente para transformar a relação do ser humano com o seu ambiente (Cavalcanti, 2015). Para que a comunicação ambiental atinja o cerne da questão, é preciso ultrapassar o território das práticas apenas informativas, e agregar aspectos outros que possam potencializar a 25

apropriação dos conteúdos das mensagens e facilitar uma mobilização. Nesse sentido, é importante lembrar que

a comunicação eficiente envolve não somente a mera transmissão de um sinal do comunicador para um recipiente [para o público], mas também alguma mudança no 5

comportamento do recipiente em virtude dessa transmissão, o processo de comunicação claramente envolve aprendizagem. (Pfromm Netto, 1972, p. 22)

As ONGs possuem grande capacidade de mobilização e apelo público. Nesse sentido, compreende-se que há algo além da mera transmissão de informações que faz com que estas 10

organizações possuam uma relevância distinta das demais formas de arranjos civis. A comunicação, nestes moldes, pode ser compreendida, então, como um dos fatores de construção de um engajamento público? Investigar mais a fundo as estratégias de comunicação adotadas pelas organizações não-governamentais se apresenta como uma importante contribuição ao campo. Para explorar este questionamento mais a fundo, é preciso 15

ir além de entender os atores que comunicam e as formas como apresentam o processo comunicativo. Nesse sentido, na próxima seção me dedico ao objeto da comunicação tido aqui como central: as mudanças climáticas.