• Nenhum resultado encontrado

7. Resultados e Discussão

7.1. Dando história às vozes do estudo

20

Os participantes do estudo tiveram uma característica importante a ser mencionada: durante as entrevistas, suas narrativas diziam tanto do papel que ocupavam como representantes de suas ONGs, como da individualidade de cada um, com suas motivações, histórias e experiências. Mais do que papéis separados ou excludentes, ficou evidente para mim que esses dois lugares de fala na verdade se mesclam, e muito do que eles fazem em seus 25

trabalhos e da forma com que atuam diz de seus aspectos pessoais. Na presente seção, me dedico a discutir sobre este lado mais pessoal de cada um com quem conversei, buscando compreender como isto se reflete em suas atuações.

Como mencionado anteriormente, a estrutura das perguntas disparadoras da entrevista foi pensada com o intuito de facilitar a dinâmica da entrevista, dando maior fluidez e 5

estabelecendo um clima confortável de conversa, possibilitando uma abertura para abarcar diversos aspectos. Entre estes aspectos, a primeira questão da entrevista se voltava para a história de vida e aspectos pessoais dos participantes que de alguma forma tivessem influência em sua atuação atualmente: como disparador, era solicitado aos participantes que me contassem sua história, narrando quais caminhos os levaram a estar onde estão hoje e 10

incluindo, nessa narrativa, experiências, acontecimentos e demais fatores que considerassem como marcantes na sua história.

Durante as narrativas, foi bastante presente na história de vida dos participantes o relato de que o interesse pelas questões ambientais “começou desde cedo” e que estava presente “desde sempre” na sua identidade. Nesse sentido, foram vários os relatos do impacto 15

de experiências na infância próximos a ambientes naturais e o sentimento de bem-estar e felicidade ao estarem em contato com a natureza, fatores que permanecem até hoje como importantes aspectos de sua identidade e de sua formação profissional.

Todos os entrevistados possuíam nível universitário, apenas um deles com a graduação ainda em andamento (único também que atuava como voluntário em sua organização). Não 20

houve um perfil único dos participantes no que se refere à formação acadêmica na graduação, que variou entre as áreas de: Comunicação Social (3 dos 11 participantes), Administração (3), Engenharia Ambiental (2), Ciências Sociais (1), Direito (1), Relações Internacionais (1). Por permitir uma maior liberdade e interdisciplinaridade, as áreas de pós-graduação (para os 7 que tinham esse nível de formação) se aproximavam mais do campo ambiental, estando 25

focadas em temas como: sustentabilidade, gestão de projetos, mudanças climáticas, gestão de recursos naturais. Em um cenário de formações tão variadas, me chamou a atenção um ponto em comum no discurso dos participantes: a narrativa de que algo, no meio do caminho, transformou suas trajetórias acadêmicas e profissionais e os aproximou do caminho em que estão atualmente. Essas mudanças foram desencadeadas tanto pelo peso das questões pessoais 5

mencionadas anteriormente, por experiências de estágio e voluntariado em ONGs e espaços similares, se somando também a uma expressão de que os campos mais tradicionais em que estavam se formando destoavam de suas convicções.

No que se refere aos relatos de impacto de experiências anteriores de contato com a natureza, bem como das transformações que se fizeram presente na trajetória de vida destes 10

participantes, os resultados aqui dialogam com trabalhos anteriores. Estudos voltados para a história de vida de ativistas ambientais (Arnold, Cohen, & Warner, 2009; Diniz, 2015) e climáticos (Fisher, 2016) encontraram resultados semelhantes, nos quais se evidenciou a importância de experiências de contato direto com a natureza, tanto na infância como em fases posteriores – seja em contextos de experiências pessoais, em família, ou motivadas pelo 15

trabalho.

Nos estudos mencionados voltados para as trajetórias de ativistas ambientais, as experiências foram consideradas como importantes motivadores para o engajamento, sendo elas positivas (como o envolvimento afetivo com um lugar) ou negativas (como a percepção de deterioração do meio ambiente ou perda de um lugar). Aqui, as experiências relatadas 20

também foram enquadradas como momentos transformadores, mas no relato dos participantes, as experiências positivas foram aquelas que se sobressaíram. Nesse sentido, destaco a fala de E9 que, ao relatar uma experiência de estágio que o levou a estar imerso em um contato mais direto com o meio natural, afirma que considera esse momento como “extremamente importante, porque ali eu decidi que ia trabalhar com meio ambiente em 25

algum momento da minha vida”. Fisher (2016) destaca a importância destas experiências, ao denominá-las momentos transformadores.

Como mencionado no capítulo de Método, seis dos 11 participantes estavam na faixa etária da juventude, de acordo com os critérios estabelecidos pela ONU (faixa etária entre 15 e 29 anos). Assim como em Diniz (2015), é importante destacar que diferentes gerações 5

possuem diferentes formas de se engajar nas causas ambientais, assim como vivenciam contextos próprios que influenciam sua forma de ser, de atuar e de se comprometer com as pautas.

Como uma lente externa para uma melhor contextualização da importância desse achado, se faz necessário destacar o cenário atual de crescente envolvimento da juventude 10

com os temas ambientais, especialmente no que se refere à pauta climática. Em 2008, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente destacou, em sua nota de imprensa, a cobrança dos jovens às lideranças globais para um combate efetivo às mudanças climáticas (UNEP, 2008). Nesse contexto, foi evidenciado que enquanto as lideranças globais não agiam o suficiente para lidar com a ameaça da mudança climática, crescia o engajamento e a 15

preocupação da juventude com o tema. Se reconhece, então, que a juventude ocupa um lugar de peça-chave no que se refere às políticas ambientais (de modo geral) e climáticas (especificamente), sendo crescente o movimento internacional de jovens ativistas climáticos (Arnold, Cohen, & Warner, 2009; Fisher, 2016).

Para todos os entrevistados dessa faixa etária, a defesa da justiça climática se fez 20

presente de forma espontânea em suas narrativas, ou seja: mesmo sem serem questionados diretamente sobre o tema, a pauta emergiu em diferentes momentos. A menção espontânea ao tema pode indicar um atravessamento de um contexto em que as mudanças climáticas estão cada vez mais atreladas a questões sociais, como desigualdades sociais e populações em situação de vulnerabilidade. Para os demais participantes a pauta também se fez presente, 25

ainda que emergindo após serem questionados. Assim, o discurso pautado na justiça ambiental, social e climática também foi frequente, além da visão de um forte impacto de questões de ordem social no contexto de trabalho deles e de suas organizações para a pauta de mudanças climáticas. Nesse sentido, para E4 foi importante destacar que “eu entrei na questão de clima e na questão de meio ambiente por conta dos impactos sociais que isso tem, da 5

relação que isso tem com as desigualdades sociais”. A articulação da esfera ambiental e social no contexto do debate das mudanças climáticas será melhor explorado mais adiante.

Ao se ter em vista uma totalidade da história de vida desses participantes, nota-se que a trajetória que as/os levou para a sua atuação hoje em dia diz tanto da formação acadêmica que têm, como de aspectos muito mais pessoais e subjetivos de cada. Assim, trabalhar imerso 10

no contexto das questões socioambientais, especialmente das mudanças climáticas, vai além de se caracterizar apenas como um trabalho para estas pessoas; nas palavras de E1, “é muito uma questão de propósito falar sobre mudanças climáticas”. Nesse sentido, me chama a atenção essa disposição e profundo envolvimento dos participantes com a pauta climática, especialmente considerando não apenas a dificuldade e complexidade do tema, como também 15

estarem imersos em um contexto social, econômico e político que não facilita esse tipo de trabalho – e que, na verdade, muitas vezes impõe obstáculos. Esse lugar comum de um nadar contra a corrente, muitas vezes evidenciando uma visão de que há algo de errado com o padrão em que vivemos (Diniz, 2015), ressalta um caráter de resistência que merece ser destacado, ao evidenciar um alto comprometimento deles com a causa mesmo em um 20

contexto que indica uma direção oposta.

Atrelado a isso, me chamou a atenção de forma positiva a disponibilidade com que os participantes contribuíram para este estudo, não apenas no sentido de aceitar o convite e responder o que era solicitado, mas indo muito além: tendo interesse em entender a fundo os meus objetivos, facilitando meu acesso a outros participantes ao explicarem eles mesmo a 25

importância do meu estudo aos colegas, dialogando comigo sobre as possibilidades de impacto que a pesquisa poderia trazer, justificando-se por uma indisponibilidade momentânea para participar, mas pedindo para eu seguir insistindo no convite. Apesar de serem detalhes operacionais que possam ser comuns e passarem despercebidos em diversas investigações, acredito que aqui merecem ser mencionados por dizerem também do quanto de afetação estes 5

participantes têm pelo tema e pelo campo. Como um deles me disse, “o cenário de quem trabalha com clima no Brasil não é fácil, a gente precisa se unir”.

Como importante aspecto do contexto a ser ressaltado, destaco que as últimas entrevistas ocorreram durante o período eleitoral no país (especialmente durante as eleições e depois), o que influenciou o processo. No contato com os candidatos a participantes, tive 10

bastante dificuldade em ter retorno deles para marcar as datas das entrevistas, mesmo com aqueles que já haviam confirmado o interesse em participar e até mesmo enviado o TCLE assinado. A influência do contexto eleitoral nessa minha dificuldade em acessá-los aparecia para mim como suspeita, já que estas eleições pautaram várias mudanças de ordem social, econômica e ambiental, especialmente com as agressivas propostas do candidato eleito – 15

influenciando tanto a esfera pessoal dos participantes como diretamente impactando em seus trabalhos. A minha suspeita veio a se confirmar após o retorno de um dos participantes, justificando sua ausência momentânea exatamente por esse motivo, além das várias menções à esfera política brasileira nas falas dos demais. O contexto político do país também se refletiu durante as entrevistas, repercutindo no posicionamento dos participantes em relação a alguns 20

questionamentos; esta relação será melhor explorada mais adiante.