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3. Um recorte da questão ambiental: as mudanças climáticas

3.3 O fator humano das Mudanças Climáticas: do macro ao micro

Tanto quanto um “mega desastre” ambiental, as mudanças climáticas são também um problema psicológico e social (Australian Psychological Society, 2016); afinal, ao irem além de aspectos puramente físicos e ambientais, e englobarem questões sociais, políticas e econômicas, o fenômeno se define como uma questão humano-ambiental (Clayton et al., 5

2016; Pinheiro, 1997). Como ponto de partida para esta constatação e como já foi apresentado anteriormente, cada vez mais se ressalta o papel das ações humanas na determinação do quadro atual das mudanças climáticas, que vem intensificando as alterações climáticas do planeta e agravando suas consequências.

Allan e Hadden (2017) apontam que houve uma transição no enquadramento dos 10

debates acerca das mudanças climáticas: o viés mais técnico e científico característico das discussões iniciais tende a deixar de ser o foco único, num movimento de abarcar e tentar trazer para o círculo central dos debates os aspectos sociais do problema. Para além de considerar os riscos ambientais do fenômeno, a ampliação do foco no trato das mudanças climáticas incorpora preocupações adicionais ao entender que as consequências do fenômeno 15

não atingem a todos da mesma forma: na verdade, atingem mais direta e intensamente os setores mais vulneráveis da população e aqueles que menos contribuem para o agravamento das alterações climáticas (Lima & Layrargues, 2014). Ou seja, países com níveis irrisórios de emissão de GEEs, populações rurais, indígenas e quilombolas, e moradores de áreas costeiras são exemplos daqueles que mais sofrem os impactos das mudanças climáticas, sendo os 20

responsáveis por uma menor parcela na contribuição para o estabelecimento do problema. Considerando estes aspectos e um deslocamento no enquadramento dos debates no sentido de abarcar o viés da discussão relativa à justiça climática, se direciona uma maior atenção para as dimensões éticas e morais do problema (Allan & Hadden, 2017).

Ao se discutir estes aspectos sociais multifacetados envolvidos no fenômeno das mudanças climáticas, se faz importante adotar uma visão abrangente e compreender o problema em sua realidade histórica. Como foi explorado em seção anterior, as atividades humanas tiveram um importante papel na determinação da conjuntura da crise ambiental atual; entretanto, é importante que seja questionado: a que “papel humano” estamos nos 5

referindo? Ou ainda mais, em que conceito de “ser humano” se embasam estas afirmações? Assim como são complexas as várias faces das questões envolvidas nas mudanças climáticas, também é multifacetado o fator humano aqui presente – estando compreendidos em um espectro que vai desde aspectos macrossociais até outros de ordem mais restrita e pessoais.

Partindo de uma visão mais macro, torna-se importante ressaltar que elementos 10

políticos e econômicos possuem um papel fundamental na formação das mudanças climáticas, ao considerarmos que estes constituíram a base do modelo de desenvolvimento, produção e consumo das sociedades ocidentais, responsável por uma parcela considerável na mudança climática atual (Lima & Layrargues, 2014). Para além desta responsabilidade histórica, os mesmos fatores continuam sendo elementos determinantes, ou seja: é do núcleo político- 15

econômico e de seus macroatores (grandes corporações produtivas e estados nacionais, especialmente os mais ricos) que geralmente saem decisões e estratégias relativas à mitigação das mudanças climáticas (Lima & Layrargues, 2014).

Desta forma, paradoxalmente ao mea culpa do ser humano no estabelecimento da perigosa situação ambiental atual, há também nas ações humanas o potencial para o 20

enfrentamento das mudanças climáticas, no planejamento e adoção de medidas de mitigação e adaptação. O Protocolo de Quioto e o recente Acordo de Paris, bem como as referentes Conferências da ONU, se mostram como marcos do esforço (ainda que insuficiente), para frear os efeitos do fenômeno. Entretanto, as ações de enfrentamento às mudanças climáticas tradicionalmente adotadas tendem ao reducionismo e estão aquém do desafio, não sendo 25

proporcionais à realidade deste, adotando uma postura equivalente a um conservadorismo dinâmico, no qual há uma “tendência inercial do sistema para resistir à mudança, promovendo a aceitação do discurso transformador para garantir que nada mude”, trazendo uma posição danosa ao debate ao promover uma ilusão de que algo está sendo feito em relação ao problema e resultando em uma desmobilização e despolitização da questão (Lima & 5

Layrargues, 2014). Nesse contexto, propostas como a aposta na tecnologia como transformadora única do contexto climático, iniciativas de consumo verde e marketing ambiental, bem como o ambientalismo preservacionista por si só são algumas das que se enquadram no conservadorismo dinâmico ao se mostrarem, isoladamente, insuficientes e com chances de se colocarem como obstáculos no avanço de ações de maior impacto. Proposições 10

com este caráter conservador precisam ter seus limites discutidos com base na realidade concreta do fenômeno e de sua complexidade.

Nesse sentido, existe então um fator tríplice do papel do ser humano nas mudanças climáticas: como espécie somos igualmente culpados pelo estabelecimento do problema, impactados pelas consequências atuais e ameaças futuras, e agentes com grande capacidade e 15

potencial de enfrentamento do fenômeno.

Nesse contexto, para além dos fatores de ordem macrossocial envolvidos na questão, outros a um nível mais individual e em menor escala – ainda que não em menor importância – devem ser considerados. Considerando esta complexidade intrínseca à questão das mudanças climáticas, a discussão adota, necessariamente, um caráter interdisciplinar, requerendo a 20

contribuição de diversos campos científicos (Barros & Pinheiro, 2013; Cavalcanti, Pinheiro, & Barros, 2016; Pinheiro & Farias, 2015; Swim et al., 2011). Assim, pensando no fator humano evidente delimitado na discussão, a Psicologia é convocada a contribuir para a discussão.

São vários os estudos que se debruçam sobre os fatores psicológicos envolvidos no contexto das MCs, entre eles aqueles que sinalizam as barreiras psicológicas que impedem a real apropriação do problema pela população (Gifford, 2011; Gifford et al., 2009; Swim et al., 2011; Uzzell, 2000). Compreender a questão das mudanças climáticas tendo como base um viés psicológico deve, necessariamente, incluir os âmbitos locais e globais, tanto nas escalas 5

individuais como sociais mais amplas (Barros, 2018).

Diferente de um problema ambiental pontual – como é o caso de furacões ou enchentes, por exemplo – as consequências das MCs assumem um caráter multifacetado, o que dificulta sua real apreensão. O distanciamento espacial e temporal entre causa e efeito é um fator que influencia diretamente nessa percepção, já que as consequências 10

costumeiramente ocorrem em espaços e tempos diferentes daqueles em que podem se dar suas causas, não havendo um encadeamento rápido e claro entre as causas e consequências (Barros & Pinheiro, 2013; Pawlik, 1991; Uzzel, 2000). Assim, a impossibilidade de uma experiência de contato direto com os efeitos das MCs se coloca como uma barreira, sendo reforçada pela inviabilidade de se poder visualizar a relação causa-efeito, uma vez que esses elementos 15

podem estar distanciados no tempo e no espaço.

Ainda relacionado à escala espacial, estudos já indicaram que há uma tendência de que as pessoas avaliem de maneira mais positiva as partes do ambiente mais próximas de si, e por isso mais concretas, do que as localidades mais distantes e abstratas (Gifford et al., 2009; Pinheiro, Cavalcanti, & Barros, 2018). Ou seja, mesmo para aqueles que reconhecem a 20

ameaça das MCs, a tendência é de que esse reconhecimento só aconteça, ou se dê de maneira mais clara, nas escalas maiores; há uma resistência em reconhecer que essa ameaça de nível global também afeta os espaços mais pessoais.

Fator determinante também na dificuldade de apreensão do problema em suas reais dimensões é o afastamento que nós, como seres humanos, adotamos na nossa relação com o 25

meio natural. Estudos indicam que a conexão com a natureza é um componente chave para a adoção de um comportamento ecológico (Mayer & Frantz, 2004) e que o apego ao lugar é essencial para o estabelecimento de um sentimento de cuidado, já que as pessoas tendem a cuidar mais de lugares pelos quais se sentem apegadas (Gifford, 2011). Entretanto, a amplitude da escala espacial envolvida na questão é um ponto de conflito, já que estamos 5

falando de uma escala global e, por isso, não concreta para a experiência humana – experienciar o quintal da casa da minha vó ou as ruas da minha universidade não é a mesma experiência que a relação estabelecida com o planeta.

Gifford (2011) traz ainda vários outros fatores que podem agir como barreiras para o engajamento da população, tais como a incerteza, a crença numa salvação pela tecnologia, a 10

negação, etc. Entre estes, destaca-se a ignorância, no sentido de falta de conhecimento, como uma questão importante: seja no sentido de não se ter ciência sobre a existência do problema, seja por não saber o que fazer em relação a ele uma vez descoberta sua existência, a ignorância é uma barreira comum quando se fala sobre as mudanças climáticas – especialmente considerando a complexidade do problema. Essa questão traz também um dado 15

social que deve ser levado em consideração: os centros mais desenvolvidos (América do Norte, Japão e Europa) apresentam um índice de consciência (awareness) sobre a existência das MCs acima de 90% da população, enquanto que para a maior parte das sociedades em desenvolvimento (tais como no Egito, Bangladesh, Nigéria e Índia), mais de 65% dos respondentes indicaram nunca terem ouvido falar sobre as mudanças climáticas (Lee et al, 20

2015).

Nessa direção, estudos já realizados em nosso grupo de pesquisa indicam que há uma dificuldade na compreensão sobre o que são as MCs, fator comum em diferentes públicos pesquisados (Barros, 2013; Cavalcanti, 2014; Cavalcanti, Pinheiro, & Barros, 2016; Farias, 2012). Os resultados destes trabalhos podem ter como disparadores tanto a complexidade do 25

fenômeno em si, como já foi discutido anteriormente, mas também levando em consideração de que há uma inclinação das pessoas se afastarem e evitarem um assunto que seja desconfortável e desafiador – especialmente se ameaça a sua noção de quem seja (Psychology for a Safe Climate, 2016)

Nesse sentido, fica evidente que a dificuldade em compreender o fenômeno das 5

mudanças climáticas vai muito além de falta de conhecimento individual ou de interesse pessoal, além de ser diretamente influenciada por fatores de ordem macrossocial. É importante considerar, nesse contexto, quais as formas de contato que a população tem (se tem) com o tema, bem como da natureza e qualidade da informação que é comunicada sobre as MCs (Moser & Dilling, 2006), além de como e para quem esta comunicação está sendo 10

direcionada. Assim, compreende-se também que a via de acesso às informações é ponto de discussão igualmente importante. Para isso, um debate aprofundado acerca do universo da comunicação se faz necessário.