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7. Resultados e Discussão

7.4. Por onde seguir?

7.4.2. Construa pontes concretas

Como já foi indicado em diversos pontos até agora, as MCs são um problema difícil de lidar por várias questões e, entre elas, seu caráter de ser um fenômeno global, com fronteiras espaciais e temporais difíceis de serem visualizadas, especialmente considerando nosso ponto de vista local (Farias, 2017; Pinheiro, Cavalcanti & Barros, 2018). Nesse sentido, quando se 5

idealiza uma comunicação climática eficiente, se faz necessário contornar este distanciamento de alguma forma.

Para os entrevistados, aproximar as MCs de um contexto mais concreto e palpável para os diferentes públicos é um ponto de partida indispensável; como fica evidente pela Tabela 3, todos os participantes indicaram esse caminho como necessário. Dentre as possíveis 10

rotas para aproximar as MCs do público, foi mencionada a importância de serem criadas pontes entre as diferentes escalas espaciais envolvidas.

É preciso que as mudanças climáticas sejam tratadas não apenas como um problema global, mas tendo relação com as realidades locais (E1)

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É preciso adaptar a comunicação das mudanças climáticas para um contexto em que ela faça sentido (E2)

Percebe-se, então, que para que a comunicação ressoe de forma efetiva, é preciso que 20

ela converse com a realidade: é preciso aproximar um fenômeno global, visto de forma distante e abstrata, de maneira que possa também ser representado nas escalas espaciais mais próximas. Para além de aproximar o fenômeno em si da vida concreta das pessoas (como a minha vida está sendo impactada pelas MCs?), criar uma ponte com a escala local também permite que se pensem ações locais e concretas de enfrentamento (o que posso fazer quanto a 25

isso?). Como mencionado anteriormente, o caráter de distanciamento das MCs tende a fazer emergir nos públicos uma sensação de impotência e incapacidade de tomar ações que possam de fato impactar um problema tão abstrato e global (Uzzel, 2000). Criar pontes com as escalas concretas pode ser uma importante via de acesso ao engajamento que contorne esta questão.

Somando-se a isto, a construção de pontes concretas pode se dar também de outra 5

forma: representar as MCs em uma escala espacial mais próxima significa também conectar seus impactos e consequências com as demandas do dia a dia. Para contrapor a noção de uma ameaça distante, é importante apresentar as MCs de uma forma que ressoe com a audiência, suas demandas e preocupações mais concretas e imediatas (CRED, 2009).

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Por isso que uma forma de engajamento, como eu estava comentando antes é justamente de conectar clima com este tipo de coisa. Então, como é que a gente conecta clima com a questão de saúde? Como é que a gente conecta clima com a questão de produção de alimentação? Com a questão de gênero? Como é que a gente faz aquela pauta de clima, aquela que as pessoas veem como mais próxima. E assim 15

vai construindo e vai aumentando o perfil de clima. (...) Como é que você conecta, constrói narrativas ligadas a clima, mas que partam de lugares com que as pessoas se relacionam mais profundamente, mais imediatamente, mais facilmente. Eu acho que essa questão é um grande salto que está começando a ser dado agora e que tem que ser mais aprofundado (E4)

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Se você for falar diretamente, olhar diretamente pra clima você não consegue medir isso (...) Você vê que a pessoas tem outras preocupações, mas que quando você vai ver, tem relação com clima. Acho que a gente tem que falar sobre o clima indiretamente, tem que aproveitar ganchos para falar indiretamente sobre isso (E5) 25

Então precisa materializar isso, separar em temas que têm a ver com o dia a dia das pessoas… Quebrar isso em temas e ações que têm a ver com o dia a dia das pessoas (...) Talvez isso signifique nem tocar no assunto de clima, nem vou falar de clima aqui, clima nem existe… “Não vou nem falar ‘clima’ aqui, vou falar de saúde” (E10)

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A noção de “pegar carona” com outros temas para poder falar indiretamente sobre clima foi bastante comum na fala dos participantes. A literatura da área indica que se um problema ou uma questão é apresentada de maneira que ressoe com as crenças e valores culturais do público, a tendência é de que as pessoas se sintam mais conectadas e motivadas a 10

agir (Moser & Dilling, 2004). Tomando isto como base e o que foi apresentado pelos participantes, pode-se perceber que além de ressoar com crenças e valores, a comunicação deve mirar também aquelas demandas que já existem na vida cotidiana e que por si só já exigem atenção e esforço da população.

Retomando a ideia das exigências em concorrência apresentadas anteriormente como 15

um desafio, a proposta de casar essas diferentes demandas indica um caminho possível. Esta combinação se torna possível exatamente pela complexidade e pelas múltiplas facetas que compõem as MCs, ao englobarem questões de ordem ambientais e físicas, sociais, políticas e econômicas. Um exemplo concreto desta articulação foi uma ação que ocorreu em São Paulo, no ano de 2017, em um contexto no qual estava em discussão a prorrogação do prazo de um 20

projeto de lei que tinha como objetivo substituir a frota de ônibus da capital por veículos de energia limpa (G1 SP, 2017). Como apontado pelo CRED (2009), o tema dos combustíveis fósseis pode ser direcionado por diferentes pontos de vista e, entre eles, pode ser positivo ressaltar os diversos efeitos positivos de reduzir a queima de combustíveis fósseis: a diminuição no uso dessa fonte de energia diminuiria a exposição aos poluentes oriundos de 25

sua queima, que podem causar câncer, problemas respiratórios, entre outras questões de saúde. Assim, o tema das MCs pegou carona na campanha voltada para mobilidade urbana e que tinha como um de seus principais argumentos o impacto de combustíveis fósseis para a saúde da população de São Paulo, usando a premissa de que diminuir a poluição que impacta negativamente na saúde da população, reduziria também a poluição relacionada às MCs 5

(proveniente da queima de combustíveis fósseis). Buscar soluções para os problemas de mobilidade urbana e de saúde da população, por exemplo, aparecem como mais imediatos e urgentes do que buscar formas de lidar com um fenômeno global, por si só.

Assim, na busca por formas de lidar com questões que pareçam mais imediatas, as soluções para lidar com as MCs podem ser também soluções para outros problemas 10

(ambientais ou não) – gerando assim “benefícios colaterais”. Como apontado em uma das entrevistas,

Falar sobre isso [poluição do ar e saúde] faz muito mais sentido para o cotidiano das pessoas que falar sobre clima… As causas da poluição são as mesmas, então você 15

mitigando uma, está trazendo co-benefício para outra também (E5)

Faz-se necessário ressaltar, também, que a estratégia de construir pontes concretas para falar sobre as MCs precisa ser utilizada visando um público que vá além da escala individual, do micro. Ao combinar a questão das MCs com diferentes temas e suas demandas, 20

há um aumento na possibilidade de que as MCs atinjam diferentes esferas, incluindo as esferas políticas e o campo dos tomadores de decisão. Ao articular clima com demandas econômicas, por exemplo, a tendência é de que o tema das MCs ganhe mais atenção, faça mais sentido para esse público em específico, e que seja incorporado mais naturalmente

nesses espaços. Para que o tema das MCs possa pegar carona com outras demandas, é importante saber moldar a comunicação climática para esta diversidade de espaços e públicos.