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7. Resultados e Discussão

7.3. Desafios da comunicação climática

7.3.2. Distanciamento

As mudanças climáticas, por sua própria natureza, correspondem a uma questão de 5

fronteiras espaciais e temporais difíceis de serem visualizadas (Pinheiro, Cavalcanti & Barros, 2018). Assim, as MCs implicam, necessariamente, uma avaliação e percepção do fenômeno em diferentes escalas. A literatura da área das relações-pessoa ambiente vem indicando a importância de que sejam considerados os impactos e interferências das MCs em ambas as escalas (global e local), sendo abordadas como uma questão que atinge os contextos macro e 10

micro (Farias, 2017).

As MCs, por sua própria nomenclatura, sugerem ser um fenômeno localizado no contexto global, implicando uma distância considerável do nosso contexto imediato (Farias, 2017). Assim, há um decorrente distanciamento entre quem percebe (situado em sua escala local, próxima e concreta) com o que é percebido (um fenômeno global, distante e abstrato) e, 15

ainda que a população possa perceber a temática das MCs como socialmente relevante, suas consequências geralmente são encaradas como espacial e temporalmente distantes.

Em questões de escalas temporais, se identifica um significativo distanciamento resultante das características naturais do fenômeno. O intervalo considerável de tempo entre as causas das MCs e suas consequências torna difícil afirmar com convicção que uma 20

catástrofe ambiental se deve às mudanças climáticas (Barros, 2011). As respostas que se enquadram nesta categoria levantaram esta lacuna como uma dificuldade importante na comunicação das MCs, como indicado nos trechos abaixo.

Não estão mobilizadas porque elas não enxergam que a mudança climática como algo que interfere na vida delas (E8)

As pessoas não têm consciência do que tudo isso está causando na vida delas, as pessoas têm dificuldade de ver isso no dia a dia (...) Não dá pra fazer “ahh, vamos nos 5

mobilizar pelas mudanças climáticas, vamos combater as mudanças climáticas”... Ninguém consegue pegar uma arma e combater as mudanças climáticas, não conecta com o coração das pessoas né, não reverbera (E10)

Fica evidente que, para os entrevistados, o distanciamento entre o público/ as pessoas 10

e o fenômeno implica em uma dificuldade de aproximação e vinculação com as MCs. Ressalta-se que o distanciamento aqui não mais resulta em um desconhecimento sobre a existência do problema: as MCs existem, são uma questão real, porém parecem não ser concebidas em uma escala da vida concreta, próxima, palpável.

Estudos indicam que há uma grande dificuldade (se não impossibilidade, em alguns 15

casos) de uma experiência direta das MCs, já que suas alterações não são perceptíveis de forma evidente, especialmente se comparadas com questões climáticas e ambientas mais comuns, como as mudanças sazonais do próprio ano (Pinheiro, Cavalcanti & Barros, 2018). Somando-se a isto, como um problema social, as MCs não são tão visíveis nem experienciadas tão vividamente como o desemprego, insegurança, obesidade ou 20

congestionamentos no trânsito, por exemplo (Moser & Dilling, 2007). Por essa ausência de concretude na vida cotidiana, cria-se uma lacuna de sentido (gap of meaning), no qual ainda que se reconheça a existência do problema, por tender a parecer tão distante e desconectado da vida concreta, o tema das MCs não ressoa para as pessoas (Moser & Dilling, 2007).

É interessante ressaltar que esta percepção das MCs como um fenômeno distante da realidade palpável se faz presente não apenas na população de modo geral, mas tende a ser encontrada também no posicionamento de tomadores de decisão, sendo usada como argumento para a não adoção de medidas de mitigação e/ ou adaptação. Como exemplo político atual, destaco a recente declaração do ministro do meio ambiente em exercício, 5

Ricardo Salles, que acredita (ou ao menos assim advoga) que as mudanças climáticas são uma questão distante, “assunto para daqui a 500 anos” (Observatório do Clima, 2019). Ainda que pronunciamentos dessa natureza que são realizados por atores macrossociais de importância possam estar atravessados por diferentes interesses econômicos e privilégios políticos (Renn, 2011), torna-se importante manter em foco que o caráter de distanciamento presente nas MCs 10

impacta a percepção e, consequentemente, o diálogo com diferentes setores da sociedade. Nesse sentido, concebe-se a comunicação das MCs como um processo que inevitavelmente precisa lidar com a condição de distanciamento do fenômeno. Ressalto aqui que apresentar as MCs com este viés gera uma tendência de distanciamento também em relação ao modo como as pessoas reagem ao fenômeno: uma questão com a urgência e 15

gravidade das MCs apresentadas como algo fora do alcance possui grandes chances de despertar na sociedade (em suas diferentes facetas) uma sensação de impotência e incapacidade de empreender ações que possam de fato impactar um problema tão abstrato e global (Uzzel, 2000). Ainda, passar a imagem das MCs sem uma ponte que as aproxime de escalas (espaciais e temporais) mais próximas da vida concreta, podem também levar a um 20

ceticismo em relação às proposta de enfrentamento e/ou adaptação ao problema, por não ser factível para a população estabelecer uma conexão direta destas propostas com as causas/consequências das MCs (Moser & Dilling, 2007).

Os pontos identificados aqui na atuação prática destes comunicadores do clima indicam que a natureza do fenômeno, por si só, já impulsiona um desafio significativo. Como 25

ponto importante para se somar a este debate, Uzzel (2000) aponta uma constatação com um certo nível de paradoxo: ainda que as pessoas tenham uma maior dificuldade em se afetarem/ se engajarem com problemas ambientais mais remotos, são estes em escalas espaciais mais distantes que são mais facilmente percebidas (no sentido se dar conta de sua existência). Seria possível incluir este paradoxo na comunicação climática? Poderiam surgir caminhos 5

alternativos que possam transformar esse desafio em uma via de acesso à atenção e ao engajamento dos públicos?