• Nenhum resultado encontrado

7. Resultados e Discussão

7.3. Desafios da comunicação climática

7.3.3. Exigências em concorrência

Apesar de as MCs serem constantemente apontadas como o maior desafio com o qual 10

a humanidade precisa lidar atualmente (Villavicencio-Calzadilla, 2017; PBMC, 2014; Moser & Dilling, 2007), elas não são o único problema batendo à porta – e para um grande recorte social, suas batidas à porta facilmente podem se perder e serem abafadas por outras mais altas, mais fortes, mais impactantes. Compreender as MCs como uma questão humano-ambiental (Clayton et al., 2016; Pinheiro, 1997) traz como implicação considerar o fenômeno não como 15

um problema que irá afetar apenas fauna e flora em seus diferentes ecossistemas, mas também como algo que impacta diretamente a vida humana, presente e futura. Entretanto, especialmente nas localidades que não fazem parte do eixo mais economicamente desenvolvido e socialmente equitativo/ igualitário, a vida humana esbarra cotidianamente em diversos problemas de diferentes ordens (sociais, políticos, econômicos) que demandam uma 20

atenção e energia maior, ou pelo menos mais imediata.

A minha percepção é de que isso é muito por conta de que a gente tem desafios que são vistos como mais imediatos pelas pessoas, então sei lá, a questão de educação, de renda, emprego, questão de saúde, são problemas que em países desenvolvidos já 25

estão muito mais resolvidos e aqui não, e tendem a concentrar bem menos atenção, é bem mais difícil você engajar aqui (E4)

Uma mais óbvia que é você ter uma população mundial que tá vivendo tão mal, tão mal, que tá tendo que lutar tanto pela sua sobrevivência - a desigualdade nunca foi tão 5

grande no mundo, a pobreza...O fato é que a desigualdade nunca foi tão grande, nunca teve tanta gente vivendo na pobreza extrema e tão pouca gente com tanto recurso. Isso gera, invariavelmente, conflitos sociais em toda parte e uma luta de classes - quando isso é possível né, em alguns contextos antidemocráticos nem a luta de classes existe - o que acontece é que é um momento muito perverso da nossa história. E a mídia que 10

era questionadora está cada vez mais conivente e questiona cada vez menos o status quo… O que quero te falar é que as pessoas estão preocupadas com causas imediatas, elas precisam cuidar do pão que vão comer (E6)

Como se expressa nos trechos acima, em um contexto socialmente instável e repleto 15

de vulnerabilidades que golpeiam cotidianamente por diferentes vias, a questão das mudanças climáticas simplesmente parece não poder se sobressair na busca por atenção e engajamento. Em contextos dessa natureza (dentre os quais o Brasil se encontra), comunicar sobre as MCs esbarra no obstáculo de tentar se encaixar em um espaço que geralmente já se encontra superlotado. Uma explicação teórica que traz importantes contribuições para uma 20

compreensão mais aprofundada deste fenômeno é o conceito de “cota finita de preocupações” (finite pool of worry), o qual evidencia que as pessoas possuem um espaço limitado disponível para ser preenchido por suas preocupações, tendo prioridade aquelas que são percebidas e sentidas como tendo uma maior gravidade (Capstick et al., 2014).

Como mostrado na Tabela 2, a menção a essas exigências em concorrência (competing demands) foi bastante frequente, aparecendo em 9 das onze entrevistas. Esta alta frequência aparece como um retrato das condições socioeconômicas da realidade brasileira, na qual uma grande parcela da população precisa lidar, diariamente, com demandas de diferentes ordens. Como exemplos das crescentes demandas que a população precisa encarar, alguns dados da 5

atual realidade brasileira servem de ilustração. Em 2018, a taxa de desemprego no Brasil ficou em torno dos 12%, atingindo uma média de 13,7 milhões de brasileiros (Abdala, 2018); somando-se a isto, percebe-se uma pobre composição e baixa qualidade das vagas de trabalho e dos postos ocupados, especialmente nos empregos informais – setor que vem tendo um crescimento considerável (Silveira, 2018). Além disso, um dado relevante nesse contexto é 10

também o aumento da fome no país, com a média voltando a subir entre os anos de 2010 a 2018, se estabelecendo em uma média de 8,5 pontos (Carta Capital, 2018).

Ademais, estes dados se tornam importantes de serem discutidos, considerando especialmente o cenário em que as entrevistas aconteceram: o contexto das eleições de 2018. A relação entre menção a estas questões e o cenário político brasileiro se apresenta ao 15

pensarmos que um contexto de eleições políticas, por si só, já traz à tona várias questões de ordens sociais e econômicas, que vão sendo constantemente referenciadas nas propostas de campanhas de candidatos. Entretanto, esse diálogo ganhou destaque especial nestas eleições presidenciais de 2018, nas quais os principais candidatos à presidência divergiam profundamente em suas visões, e consequentemente em suas propostas, relativas aos 20

problemas sociais que fazem parte da vida cotidiana de boa parte da população, especialmente daqueles sem contextos e situações de maior vulnerabilidade. Assim, questões que já eram importantes e detinham grande destaque na vida concreta, passaram a entrar ainda mais para o cenário de debate, ao serem projetados os diferentes cenários que poderiam se concretizar a depender dos resultados das eleições.

Ainda que as MCs tragam ameaças diretas e graves à vida humana, com impactos à saúde, à produção de alimentos e destruição de territórios, por exemplo, certamente essas questões se mostram como secundárias e menos imediatas nesse cenário. Articulando com o distanciamento que foi apresentado na seção anterior, pelas MCs não serem tão visíveis ou palpáveis se comparadas a outras demandas sociais (Moser & Dilling, 2007), a comunicação 5

do fenômeno esbarra em dificuldades para ressoar com o público, já que podem não ser compreendidas como relevantes em uma realidade mais imediata (Renn, 2011). Ainda, a complexidade, invisibilidade e incerteza presentes na questão das mudanças climáticas precisam competir com a certeza e concretude dos desafios da vida cotidiana (Moser, 2010). Assim, quando comparadas a outros riscos, as MCs são percebidas como tendo baixa 10

prioridade (O’Neill, 2007), estabelecendo uma tendência na qual as MCs vão tendo dificuldades para se encaixar em um espaço tão disputado, sendo facilmente relegadas a segundo plano.

7.3.4. Iconografia do desastre