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7. Resultados e Discussão

7.2. Conceituando “mudanças climáticas”: uma visão especializada?

7.2.1. Das hesitações, surpresas e risos

Compreender o que são as mudanças climáticas e seus diferentes aspectos envolvidos 20

não é uma tarefa fácil para a população. Essa dificuldade foi explorada em diferentes estudos anteriores da área, que mostraram que ainda que se compreenda a urgência das mudanças climáticas, é difícil conceituar o fenômeno ou estabelecer relações concretas com a vida cotidiana (Andrade, Silva, & Souza, 2014; Barros, 2011; Cavalcanti, Pinheiro, & Barros, 2016; Farias, 2018). Como, então, um público mais especializado no tema, se sairia com essa 25

tarefa em mãos? Comunicar mudanças climáticas é uma tarefa que, necessariamente, envolve essa dificuldade.

Ao serem questionados sobre a explicação que dariam para o fenômeno das mudanças climáticas (em uma abordagem projetiva e imaginativa, como explicado em Método), os entrevistados demonstraram diferentes reações, que indicavam uma certa surpresa ao 5

questionamento. As reações variavam desde expressões mais sutis como hesitação, segundos de silêncio e risos; até expressões mais diretas na fala dos participantes como as seguintes:

“Bom, essa é uma pergunta complicada, né?” (E8) 10

“Olha, bastante desafiadora essa questão (risos)” (E6)

Esse padrão nas respostas (que se manifestou em todas as entrevistas, exceto na última) me chamou a atenção por demonstrar que mesmo para pessoas com alta familiarização tanto com o tema e como com diferentes práticas comunicativas, definir seu 15

objeto de atuação não é uma tarefa fácil. Neste momento, estar utilizando um método de entrevista semiestruturada permitiu que estes aspectos que não haviam sido previstos, fossem melhor explorados no contato com os participantes. Assim, aproveitei o momento da entrevista para devolver para alguns dos participantes este padrão de resposta e tentar ter uma compreensão mais abrangente a partir do lugar de fala deles.

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A complexidade do tema das mudanças climáticas e a necessidade de adequar a linguagem e o meio de comunicação ao público foram as principais justificativas trazidas pelos participantes ao serem apresentados a este padrão de reação – questões que serão mais discutidas à frente em seções específicas. Este dado traz indícios que falar sobre mudanças climáticas não é uma tarefa fácil mesmo para aqueles que supostamente tem esta prática em 25

seus trabalhos cotidianos. A ênfase a essa dificuldade não se mostra aqui como uma apresentação de qualquer tipo de ineficiência na atuação destes participantes e/ ou de suas organizações, mas aparece na verdade como um indício de que estar envolvido com a comunicação as mudanças climáticas demanda um esforço cotidiano de reformular e traduzir o conceito de diferentes formas. Não há uma receita padrão a ser seguida quando se trata de 5

explicar o que é este fenômeno tão complexo.

Mas o que isto implica para o processo de comunicação e engajamento público? Se mesmo para quem é familiarizado com o tema conceituar este fenômeno é uma tarefa difícil, o que se deve exigir de compreensão da população em geral? Se não há uma receita de bolo para ser colocada em prática, qual o caminho a seguir?

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7.2.2. “Mudanças Climáticas para mim são...”

O desafio de conceituar e explicar o fenômeno para um público faz parte da atuação daqueles que se propõem a comunicar sobre esse tema. Dada a complexidade do fenômeno, explicar o que são as mudanças climáticas demanda dar conta de aspectos de diferentes 15

ordens: ambientais naturais, fator humano nas causas, questões políticas e econômicas, impacto à vida humana e de outros animais, diferentes escalas espaciais e temporais.

A complexidade e urgência em se tratar do tema foi um tópico presente na fala dos participantes, sendo apresentado como aspecto integrante da própria natureza do fenômeno. Ou seja: explicar o que são mudanças climáticas necessariamente passaria por tornar evidente 20

que este é um fenômeno de grande complexidade e que precisa ser tratado com a maior urgência possível.

E como eu defino mudanças climáticas? Mudanças climáticas são o resultado de... Primeiro, mudanças climáticas é um dos maiores desafios que a gente tem enquanto sociedade global hoje, enquanto civilização global (E4)

Declarar as MCs como um desafio nesse nível evidencia, logo de partida, o caráter de 5

urgência intrínseco ao fenômeno. Essa declaração que se fez comum aos participantes se faz presente também no segundo volume do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), atualmente o órgão de maior produção de conhecimento sobre as mudanças climáticas no contexto brasileiro. Esse volume, destinado a discutir os impactos, vulnerabilidades e adaptação às mudanças climáticas, tem como ponto 10

de partida o enunciado de que a “mudança climática é um dos desafios mais complexos deste século. Nenhum país está imune a ela nem pode vir a ser capaz de enfrentar individualmente os desafios interconectados que compreendem decisões políticas e econômicas controversas” (PBMC, 2014b, p. 9). Tal concordância entre a literatura e os entrevistados demonstra que o status de urgência do tema das MCs ocupa um lugar comum entre um público familiarizado e 15

imerso no debate climático. Além disso, pautá-la como ponto de partida sinaliza que é em torno desta constatação que os debates devem girar e de onde as medidas de enfrentamento devem partir – as mudanças climáticas são nosso maior desafio atualmente, como lidar com isso?

Somando-se ao caráter de urgência das MCs, os entrevistados também adotaram uma 20

base técnica e voltada inicialmente para os fatores ambientais e físicos ao construírem suas narrativas de explicação do fenômeno. Assim, ao se falar das causas do fenômeno, foram evidenciadas questões como a sua origem natural, a dinâmica do efeito estufa e sua necessidade para a manutenção da vida na terra, e a crescente emissão de gases de efeito estufa que vem agravando rapidamente este quadro. Ao se falar dos aspectos físicos e 25

ambientais envolvidos, se levam em consideração também como as mudanças climáticas afetam o meio ambiente: fauna, flora, padrões climáticos e ocorrência de eventos extremos.

Bom, a gente tem que falar primeiro que a emissão de gases do efeito estufa (que são fundamentais para a manutenção da vida na terra) vem aumentando por causa das 5

atividades decorrentes da Revolução Industrial: estão sendo emitidos mais gases de efeito estufa e com isto a temperatura do planeta está aumentando. Então, as emissões de gases de efeito estufa estão relacionadas diretamente ao aumento da temperatura, e com o aumento da temperatura no planeta a gente observa uma série de mudanças de padrões climáticos num espaço mais longo de tempo… É você observar, por meio de 10

uma série histórica, que as chuvas se tornaram mais frequentes e mais concentradas, ou que alguns lugares estão se tornando mais secos (E5)

Elas basicamente são o resultado das emissões dos gases de efeito estufa, que são gases emitidos principalmente por queima de combustíveis, por desmatamento e 15

produção agropecuária, que se acumulam na atmosfera e que retém o calor da energia que vem do sol a níveis acima do que seriam retidos naturalmente – sem esses processos industriais, e de queima, e de desmatamento, e de produção do ser humano. Isso gera um aquecimento global, que tem como consequência diversas alterações no sistema climático global, que vão desde chuvas mais intensas a secas também mais 20

intensas, a elevação do nível do mar, a ampliação de áreas de alcance de doenças tropicais e diversas alterações nos ciclo produtivos de alimentos, com consequências muito sérias (e crescentemente sérias) para a população mundial (E9)

As falas feitas nesse sentido abarcam as questões de ordem física e natural que embasam o fenômeno das mudanças climáticas. Esta discussão se faz presente na literatura da área, especialmente nos debates que ganharam forma e ocuparam espaço de discussão nos momentos em que os temas das mudanças climáticas começaram a emergir no cenário público. Entretanto, as MCs não são uma questão de ordem apenas natural, nem se restringem 5

ao meio ambiente físico, especialmente no que se refere às suas consequências. Cada consequência das mudanças climáticas não ocorre isoladamente, na verdade estão interconectadas e até encadeadas, em uma espécie de efeito cascata de eventos acontecendo em todo o globo (Barros, 2018). Como apontado por Barros (2018), o derretimento das geleiras traz como consequência o aumento do nível do mar, que ocasiona a diminuição das 10

faixas de terras disponíveis em localidades costeiras, o que impacta diretamente a vida daquela população e de outras espécies que ali existam.

Tendo em mente este efeito cascata, percebe-se que as mudanças climáticas trazem consequências que podem desencadear impactos a várias espécies, incluindo a espécie humana (Swin et al, 2011). As MCs impactam diretamente as pessoas, em diferentes lugares, 15

diferentes momentos, sob diferentes formatos. Nesse sentido, é importante ressaltar que as mudanças climáticas se caracterizam como uma questão humano-ambiental, ou seja, na relação do ser humano com seu entorno (Corraliza, 1997; Pinheiro, 1997), tanto no que se refere às consequências, como às suas causas.

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Claro que nem tudo é culpa só do ser humano, porque ao longo da existência da Terra a gente teve ciclos de resfriamento e aquecimento, mas são ciclos muito longos… O que que faz a gente acreditar que agora as mudanças climáticas têm um impacto do ser humano, é porque elas são muito mais rápidas, as mudanças que estão se vendo são de 10 anos, 5 anos, 2 em 2 anos (...) Bom, isso tudo é reflexo de alguma coisa, não é só 25

pelo caminho que a Terra faz na Via Láctea e que vai mudando, um pouco mais quente, um pouco mais frio, mas como antes eram milhões e milhões de anos pra acontecer um evento assim (pelo menos do que se tem registro científico né), hoje isso é com muita frequência (E7)

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Mudança climática é algo que impacta múltiplos aspectos da nossa vida, impacta o nosso dia a dia de múltiplas maneiras e quase todas negativas - e isso pode ficar muito pior. Então eu tô falando do preço do feijão na feira ou no supermercado, da água que chega no nosso chuveiro ou não, da água que chega na nossa torneira ou não, da água que tá disponível pra a agricultura ou não. Tem relação com a nossa saúde, com a 10

disseminação de doenças provocadas pela maior abrangência de vetores - como o caso da Zika (E9)

As populações mais vulneráveis economicamente também vão ser as mais impactadas, que muitas vezes são as que mais dependem daquela subsistência, daquela agricultura 15

familiar para sobreviver, ou dependem da atividade agrícola para a sua sustentabilidade. As mulheres também, diferenciadamente, que ficam ainda mais vulneráveis. Os impactos sociais são tão catastróficos quanto os imediatos ambientais que a gente vê, que os olhos veem mais facilmente (E6)

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Nos trechos apresentados acima, é possível perceber que a relação das mudanças climáticas com a vida humana aparece sob diferentes aspectos. Como mencionado na fala de E7, nota-se que a ação humana se faz presente desde o estabelecimento das causas das MCs, no qual as atividades antrópicas agravam e aceleram um fenômeno que deveria ser natural, transformando-o nesse atual problema humano-ambiental. Esses resultados coincidem com os 25

debates mais atuais sobre as origens das MCs (tanto no meio científico, como político e econômico), nos quais já se mostra praticamente um consenso (97% de concordância entre os cientistas climáticos) em relação às influências antrópicas do fenômeno (Cook et al., 2013; Australian Psychological Society, 2016). Trazer a influência humana como parte da definição do que são as mudanças climáticas se faz importante por reforçar este consenso e contribuir 5

para a construção de uma percepção pública sobre o tema, considerando que perceber que as mudanças climáticas estão ocorrendo é o primeiro passo no processo de adaptação ao problema (Maddison, 2007). Comunicar esse grau de confiabilidade se torna uma estratégia importante para lidar com a questão ao facilitar o apoio da população às possíveis políticas públicas e assim contribuir também para o planejamento de ações de mitigação (Cook et al. 10

2013).

Somando-se à responsabilidade nas causas das MCs, o fator humano é novamente apresentado ao ser destacado que as pessoas são também vítimas desse problema – assim como as demais espécies, a espécie humana é também impactada. Como E9 demonstra, as mudanças climáticas já trazem impactos ao cotidiano da população em diferentes esferas – 15

seja em relação à alimentação, ao acesso à recursos, à mobilidade, à saúde. Trazer à tona esse lado cotidiano dos impactos se faz importante ao considerarmos que as mudanças climáticas ainda são vistas como um fenômeno global, distante, abstrato e que parece, aos olhos de grande parte da população, estar restrito às escalas espaciais mais distantes do nosso dia a dia (Gifford et al., 2009; Pinheiro, Cavalcanti & Barros, 2018).

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Destaca-se também nas falas dos entrevistados que é necessário se ter em mente que, por ser uma questão global, as mudanças climáticas afetam a todos em todo lugar (Villavicencio-Calzadilla, 2017), mas que as pessoas não vivenciam esses impactos da mesma forma, como um bloco único e homogêneo. Há, na verdade, a tendência de que os impactos das mudanças climáticas tragam uma carga desproporcional, na qual os mais pobres, mais 25

marginalizados e mais vulneráveis são os que mais sentem as consequências, sendo também os com menor parcela de responsabilidade na causa do problema e o com menor capacidade de adaptação (Villavicencio-Calzadilla, 2017).

Ilustrando a carga desproporcional que as mudanças climáticas trazem, Andrade Silva e Souza (2014) apresentam um retrato local da experiência dos agricultores do Seridó potiguar 5

com o fenômeno. O IPCC prevê para as regiões semiáridas uma perda de biodiversidade em geral, o agravamento no quadro de desertificação e salinização das terras, além da redução de disponibilidade de água. Esses fatores combinados trazem um impacto direto para a produção agropecuária, especialmente para os agricultores familiares. Assim, esses agricultores familiares do Seridó potiguar se encontram em uma situação que os torna duplamente 10

vulneráveis, seja pelo próprio contexto de um ambiente que as projeções indicam ser fortemente afetado pelas mudanças climáticas, seja pela característica de vulnerabilidade dessa população que foi historicamente negligenciada e socialmente fragilizada (Andrade Silva & Souza, 2014). Nesse contexto, percebe-se uma situação real e concreta na qual uma parcela da população que não contribuiu historicamente, nem contribui hoje para o 15

estabelecimento do problema, sofre uma grande carga das consequências das MCs, tendo ainda pouco suporte e estrutura para planejar e adotar estratégias de adaptação.

Como pôde-se perceber até agora, explicar o que são as mudanças climáticas não é uma tarefa que segue um caminho único. Nas narrativas construídas durante as entrevistas, foram feitos diálogos com vários temas e diferentes áreas, demonstrando que o fenômeno das 20

MCs pode assumir diferentes facetas e ser debatido por diferentes pontos de partidas. O gráfico abaixo mostra um apanhado geral dos temas relacionados:

Figura 1. Temas mencionados pelos entrevistados como relacionados às MCs, ordenados pela frequência

absoluta de sua ocorrência

Esse apanhado geral dos temas que surgiram durante as entrevistas estabelece um 5

diálogo importante com os materiais que foram apresentados pelos participantes como modelos ideais de comunicação sobre mudanças climáticas. Do total dos 20 materiais indicados, 13 não tinham as mudanças climáticas como tema central: apesar de dialogarem com as MCs, os focos desses materiais variaram entre os temas de mobilidade, matriz energética (combustíveis fósseis e fontes renováveis de energia), sustentabilidade, 10

desigualdade social, gênero e água.

Falar sobre mudanças climáticas é, necessariamente, falar também sobre várias outras questões ambientais: desmatamento, preservação ambiental, poluição, resíduos, produção de alimentos, etc. A tarefa de conceituar as MCs traz como resultado um discurso complexo, que percorre as áreas ambientais, sociais, da política e da economia, ocasionando saltos temporais 15

ao revisitar a história e projetar os cenários futuros. Com essa discussão, seria possível afirmar que há uma visão padrão do que são as MCs a partir do ponto de vista desse grupo de ativistas e comunicadores climáticos?

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Sem ter a pretensão de querer generalizar os resultados aqui encontrados, é possível identificar uma tendência nas respostas dos participantes que poderia ser considerada como característica desse grupo. Por se encontrarem imersos nesse universo das MCs, o ponto de vista dos entrevistados se caracteriza por um viés de grande especialidade, especialmente se comparado ao do público em geral. Nesse “discurso de especialistas”, os participantes 5

conseguiram abranger diversos aspectos que compõem as mudanças climáticas como fenômeno, tanto nas causas como nos impactos que elas já trazem (e trarão no futuro) para os diversos grupos populacionais e para o meio ambiente. É um discurso que, no que se refere ao conteúdo, às informações que abarcam, tem um grande potencial para gerar mobilização. Entretanto, sabe-se que apenas informar não é o suficiente (Pinheiro, Cavalcanti & Barros, 10

2018; Clayton et al. 2015).

Como E5 me disse em sua fala “a gente observa que falar de mudanças climáticas não é nada fácil - e que as pessoas no meio da minha explicação já pegaram no sono”. Como transformar toda essa informação em combustível para engajamento? Como transmitir para um público que está fora dessa “bolha climática”? Na busca por respostas a esses 15

questionamentos, me dedico nas próximas seções do capítulo, aprofundando a análise dos desafios encontrados no processo de comunicação sobre as MCs, e os possíveis caminhos e potenciais de ação nesse meio conforme os apontamentos dos respondentes.