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A conferência de Brazzaville

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 111-116)

Em 1943, após o desembarque dos Aliados na Argélia e no Marrocos e a derrota das forças armadas das potências do Eixo, na África do Norte, o Comitê Francês de Libertação Nacional do general de Gaulle se instalou na Argélia. Ao menos no que tange ao Império francês, a era do fascismo encontrara seu ocaso.

16 Em 1938, o Partido Socialista Senegalês fundiu -se com a SFIO (Sessão Francesa da Internacional Operária), o Partido Socialista Francês.

Uma após a outra, as colônias africanas se livraram do regime de Vichy e se aliaram ao general De Gaulle. Com o intuito de salvar o império colonial e dele extrair novos recursos, o Comitê convocou, em janeiro -fevereiro de 1944, uma conferência em Brazzaville. Esta conferência definiria os princípios da política no pós -guerra, enquanto as forças coligadas contra Hitler se preparavam para a vitória sobre o fascismo.

Superestimou -se em muito o alcance desta conferência em relação ao destino das colônias. Tratava -se obviamente do fim dos excessos fascistas mas, a confe- rência não tinha, em hipótese alguma, o objetivo de inaugurar uma nova era para os sujeitos colonizados. Muito em contrário, ela tencionava melhor estabilizar o sistema e preservá -lo das influências externas, especialmente americanas. Ela foi denominada “Conferência Africana Francesa de Brazzaville”, o que reflete suficientemente as intenções dos organizadores. O general De Gaulle compre- endera que para continuar a pedir aos africanos uma contribuição de guerra, de mais em mais pesada, seria necessário prometer mudanças. Não poder -se -ia, doravante e por muito tempo, falar em liberdade e democracia, negando aos

figura 3.1 Conferência de Brazzaville, em fevereiro de 1944; à esquerda, o governador -geral Félix Eboué; à direita, o general de Gaulle. (Foto: AFP, Paris.)

africanos estes direitos fundamentais. Ele declarou: “...na África francesa, como em todos os territórios onde homens vivem sob a nossa bandeira, não haveria nenhum progresso digno de nota se, em sua terra natal, estes indivíduos não pudessem, moralmente e materialmente, dele tirar proveito e, se estes mesmos elementos, não pudessem se elevar pouco a pouco em níveis que lhes tornassem capazes de participar, em seu próprio país, da gestão dos seus próprios assuntos. É dever da França proceder de forma a concretizar tudo isso. Tal é o objetivo em direção ao qual nós devemos nos orientar. Nós não nos dissimulamos a extensão dessas etapas17.” Nesta declaração, o chefe da França livre não chegaria

ao ponto de proclamar o direito dos povos à autodeterminação, apesar da sua alusão, especialmente ao afirmar: “...participar, em seu próprio país, da gestão dos seus próprios assuntos”.

Deve ser sublinhado que a conferência de Brazzaville foi, antes de tudo, uma reunião de militares e altos -funcionários. Ela foi presidida pelo comissá- rio das colônias, René Pleven, e dela participaram: os governadores -gerais da AOF, da AEF e de Madagascar; notáveis coloniais; bem como representantes do comércio, da indústria e das missões. Fora tomado o devido cuidado em dela isolar qualquer comunista. Mas, o traço de maior significado consistia na absoluta ausência de representantes africanos. Mesmo livre do seu fascismo, o colonialismo europeu ainda permanecia racista.

A conferência de Brazzaville estabeleceu um princípio: “Os fins da obra de colonização, executada pela França nas colônias, descartam toda ideia de autono-

mia e qualquer possibilidade de evolução fora do bloco do império: a eventual cons- tituição, mesmo longínqua, de um autogoverno nas colônias deve ser suprimida18.”

Nada seria mais claro: permanecendo o princípio da soberania colonial eterna- mente intangível, os africanos não poderiam esperar chegar ao autogoverno ou à independência. A conferência propusera, entretanto, dotar as colônias de uma assembleia federal; se ela preconizou respeito aos costumes africanos, por um lado, ela também se opôs, por outro lado, ao uso das línguas africanas no ensino.

Retenhamos, simplesmente, que as autoridades coloniais haviam reconhecido a necessidade de mudanças mas, nenhum dos participantes desta conferência podia imaginar a rapidez com que a África faria o seu ingresso no cenário inter- nacional, alguns meses após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Mais tarde, no momento da de, os princípios de Brazzaville constituir -se -iam em um dos mais rígidos entraves a impedir as autoridades francesas de compre-

17 A Conferência Africano -Francesa, 1944, p. 38, citação de J. SURET -CANALE, 1964, pp. 597 -598. 18 Ibid., p. 45, sublinhado no original, citado por J. SURET -CANALE, 1964, p. 599.

enderem os profundos movimentos desenrolados na África e de assimilarem a vontade da população em se desfazer do jugo colonial. Mesmo o traumatismo causado pela ocupação nazista não levaria a França à compreensão do quão nocivo era o imperialismo − ao menos até então.

Conclusão

Como as tendências fascistas na Europa, de 1935 a 1945, teriam elas pesado na evolução dos impérios francês, português e espanhol? Neste capítulo, esforçamo -nos em demonstrar: primeiramente, que os excessos dos partidos de direita na Europa não teriam senão agravado os problemas africanos e provo- cado uma reação africana; igualmente, que a profunda natureza do colonialismo europeu já seria caracterizada pelo racismo e pela exploração, antes mesmo da ascendência, na Europa, do totalitarismo dos anos 30; e, finalmente, que esta natureza não teria mudado com o fim da era fascista.

Em seu conjunto, a década de 1935 -1945 marcara, antes e sobremaneira, o nacionalismo africano comparativamente aos seus efeitos sobre as políticas coloniais europeias. O racismo europeu e a exploração imperial permaneceram quase idênticos, ao passo que a África se encontrava cada vez menos disposta a tolerar a sua própria humilhação. Este período viu se cristalizarem novas formas de resistência africana, notadamente: movimentos políticos, uma ebulição reli- giosa e cultural, uma nova atividade sindical, um crescimento dos movimentos grevistas, bem como a aparição do jornalismo político africano.

A Segunda Guerra Mundial teve um papel particularmente importante, como catalisadora. Este conflito não ensinou a Europa a ser menos imperialista mas, instruiu a África no sentido de ser mais nacionalista e, neste último con- tinente, também estimulou a tomada de consciência política. As massas cam- ponesas, esgotadas pelo esforço de guerra, escutaram, com especial atenção, os dirigentes, surgidos muito rapidamente, no momento da eleição de deputados negros para a Assembleia Nacional Francesa. O sistema colonial se tornara tão intolerável a ponto de permitir o combate, lado a lado com o colonizador, em prol da liberdade. A efervescência ganhara toda a África tropical; os sobressaltos, greves, manifestações e revoltas revelariam o caráter dos tempos do pós -guerra, nitidamente distintos do imobilismo próprio ao período precedente. Com o nascimento dos partidos políticos, como o Rassemblement démocratique africain, de Félix Houphouët -Boigny em 1946, a África tropical entrara bruscamente no

ciclo das lutas de libertação, iniciadas nas colônias francesas, desde 194519. As

colônias portuguesas e espanholas, atrasadas em sua evolução social e econômica, sairiam pouco a pouco de sua letargia mas, ao interditar qualquer possibilidade de organização política ou sindical, os regimes fascistas nas metrópoles haviam eliminado qualquer possibilidade de aprendizado da vida política. Entretanto, o despertar dos povos destas colônias ecoou mais tarde com tamanho impacto que desestabilizaria a ditadura em Portugal, contribuindo para a libertação do próprio povo português.

19 A RDA (Organização Democrática Africana) nasceu em Bamako (Sudão francês, atual Mali) em outu- bro de 1946. Foi precedida pela União Voltaica, criada em 1945, e pelo PDCI (Partido Democrático da Costa do Marfim), nascido em abril de 1946.

C A P Í T U L O 4

A priori, é provavelmente difícil, quando não extravagante, aproximar os regimes coloniais britânico e belga na África, tamanha a diferença aparente em seus funcionamentos. No máximo poder -se -ia, em se tratando de um tema examinado no contexto acadêmico, comparar por oposição o regime colonial britânico na Nigéria e o regime belga no Congo (atual R. D. do Congo). Entre 1935 e 1945, a Grã -Bretanha controlava dezesseis territórios africanos, exceção feita da África do Sul cuja efetiva independência ocorrera desde 1931, e do Egito, no qual a “independência” se encontrava relativamente restringida em razão da presença de tropas britânicas em seu território, especialmente durante a guerra. Em oposição, a Bélgica controlava uma única e enorme colônia, o Congo, associada a um território bem diminuto, correspondente ao Ruanda- -Urundi (atuais Ruanda e Burundi), colocado sob o seu mandato. Desde 1925, este último território era administrado como parte integrante do Congo, tal qual o Togo que, sob mandato britânico, se encontrava administrado como se pertencesse à Costa -do -Ouro (atual Gana).

Diferentemente da França que estabelecera um sistema administrativo quase integralmente uniforme no conjunto das suas quatorze colônias da África tropi- cal, a Grã -Bretanha implantou diversos sistemas com vistas a administrar as suas dependências africanas, de forma a tornar muito difícil conceber, no tangente a estes sistemas, qualquer generalização. Passava -se assim da Rodésia do Sul

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