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TABELA 6.1 DIVISÃO DA RENDA NA ARGÉLIA EM 1955 População

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 183-200)

A guerra da Argélia

TABELA 6.1 DIVISÃO DA RENDA NA ARGÉLIA EM 1955 População

(milhões) (%)

Renda

(milhões de francos) renda nacional (%)Participação na

Não-muçulmanos 1,0 10 298 000 47

Muçulmanos rurais

não-rurais 5,33,4 5535 117 000222 000 1835

Total 9,7 100 637 000 100

Fonte: S. Amim, The Maghreb in the modern world, 1970, Penguin Books, Hardmondsworth.

A desigualdade econômica e social também refletia -se na vida política. A Assembleia Argelina compreendia 120 membros, dentre os quais 60 franceses e 60 argelinos muçulmanos. A administração zelava para que a maioria dos arge- linos eleitos fosse composta por aqueles cuja permissividade em face da domi- nação colonial não impusesse dúvida alguma. Todas as eleições eram, portanto, inteligentemente fraudadas. Não nos espanta, por conseguinte, que a Assembleia não tenha representado a opinião pública argelina ou discutido problemas de âmbito nacional, porquanto fossem eles de real seriedade, tais como o direito de voto dos muçulmanos, o ensino da língua árabe nas escolas e os cultos islâmicos7.

Todas as manifestações do nacionalismo argelino, inclusive aquelas de teor mais moderado concernentes à igualdade civil e política, eram abafadas e reprimidas. Os dois principais partidos nacionalistas, a União Democrática do Manifesto Argelino (UDMA), dirigida por Farhat ‘Abbas, e o Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas (MTLD), dirigido por um antigo comba- tente, Messali Hadj, não se encontravam todavia preparados para o abandono de sua política de negociação. No que diz respeito ao primeiro destes movimentos, ele esforçou -se em vão para persuadir os franceses a aceitarem uma República Argelina Autônoma mas associada, no que tange ao segundo, ele lutou para impor o reconhecimento da soberania argelina como condição sine qua non a todo acordo.

O fracasso destes políticos provocou crises nesses dois partidos: a UDMA perdeu apoio da população urbana mais favorecida e o MTLD passou a ser diri- gido de modo cada vez mais personalista pelo imprevisível Messali Hadj, além de ter perdido a sua audiência popular e tomado uma orientação tipicamente

pequeno burguesa. O Partido Comunista Argelino, apoiado essencialmente pelas camadas mais pobres da população europeia, não manifestava grande entusiasmo pela causa dos nacionalistas.

Em 1953 -1954, o MTDL cindiu -se em três facções: os “messalistes” que prestavam apoio incondicional ao velho dirigente (deportado para a França em 1952), os “centralistes”, defensores de um poder concedido, em maior grau e coletivamente, ao Comitê Central, e o Comitê Revolucionário de Unidade e de Ação (CRUA), partidário da insurreição e da revolução na qualidade de únicos meios para atingir a independência, todas as vias constitucionais e legais, desde logo revelaram -se um engano. O CRUA compunha -se de antigos membros da Organização Especial (OS), tendência do MTLD fundada em 1947. Os nove “chefes históricos” da revolução argelina − Aït Abmed, Mohammed Boudiaf, Ben Boulaid, Abmed Ben Bella, Mourad Didouehe, Rabah Bitat, Larbi ben M’Hidi, Belkasem Krim e Mohammed Khider − decidiram lançar a insurreição armada em 1o de novembro de 1954. Com esta finalidade o país foi dividido

em cinco distritos militares (wilaya) cada um colocado sob a direção de um comandante -em -chefe. Simultaneamente, três membros da direção deslocaram- -se rumo ao Cairo com a finalidade de ter certeza da ajuda egípcia, em armas, fundos e propaganda.

No curso da primeira fase, a Armada de Libertação Nacional (ALN) não tinha nada além de 2.000 a 3.000 homens, armados de fuzis e facas. As pri- meiras ações foram conduzidas no maciço de Aurès e na Cabília mas, desde o verão de 1955, as operações se haviam estendido a toda a Argélia oriental e central. A maioria dos combatentes da ALN era constituída de camponeses, posteriormente acrescidos em número por membros das populações urbanas, no momento em que se tornou nítida a total indiferença que os franceses, a saber, a administração colonial, o exército e os colonos europeus, manifestavam entre os combatentes e os espectadores passivos − as represálias francesas atingiam indiscriminadamente todos os argelinos muçulmanos. Embora a França tenha progressivamente aumentado as suas forças armadas na Argélia, passando de 56.000 homens, nos primórdios, ao impressionante total de 500.000 homens em 1960, ela não logrou êxito em conter a sede de independência dos argelinos.

A luta armada prevalecera finalmente sobre a moderação que caracterizara o período precedente. Através do chamado lançado às massas, ela acendeu o patriotismo nelas subjacente, conduzindo -as a desempenhar, desde logo, um papel ativo no combate. No desenrolar da guerra, o mito francês da não exis- tência da nação argelina finalmente feneceu, levando consigo a ilusão herdada do começo do século XX, período no qual se acreditou que a polícia e um forte

exército permitiriam manter eternamente uma nação sob o jugo colonial francês. Um número cada vez mais elevado de argelinos aderiu às fileiras da ALN no seio da qual cerca de 130.000 combatentes, nos momentos mais intensos de luta, reuniam -se nos grupos da guerrilha. A população civil assegurou a esses combatentes um importante apoio.

A Frente de Libertação Nacional (FLN) foi fundada em maio de 1955 e desempenhou o papel de suprema organização política do povo argelino. A maioria dos partidos e agrupamentos políticos argelinos se havia dissolvido e seus partidários integraram a FLN. Messali Hadj fez exceção ao fundar seu próprio partido e empreender tão violenta oposição à FLN que viria a atuar no campo dos colaboracionistas da França. O Partido Comunista Argelino tam- pouco uniu -se à FLN pois isso equivaleria a aceitar sua dissolução, todavia, a partir de 1956, ele adotaria uma postura de colaboração com o comando central da ALN, à qual obedeciam suas unidades guerrilheiras.

Em agosto de 1956, a FLN organizou seu primeiro congresso no vale da Soummam na Cabília; aproximadamente 200 delegados lá debateram proble- mas políticos concretos e aqueles relativos ao domínio organizacional, além de discutirem acerca das perspectivas e do futuro da Argélia. Uma orientação revo- lucionária foi adotada: a independência não bastaria; a criação de uma ordem socialista e a colocação em marcha de uma reforma agrária radical consistiam um imperativo. O Congresso reafirmou o caráter árabe e muçulmano da nação argelina e o seu pleno direito à autodeterminação.

O problema argelino ganhava doravante uma dimensão internacional, os países árabes, asiáticos e socialistas defendiam a independência argelina perante a ONU e numerosos regimes árabes progressistas ofereciam a sua ajuda sob diversas formas: pelo fornecimento de armamento, pela prestação de formação militar e pela concessão de financiamentos. Na primeira linha destes países figurava o Egito − na ocasião da crise de Suez de outubro de 1956, um dos objetivos franceses era depor o presidente al -Nasser, em razão do apoio que ele prestava à revolução argelina.

Inclusive na própria França, a guerra da Argélia teve uma considerável influ- ência. As posições dividiam -se entre os elementos progressistas, ansiosos por darem um fim à nova “guerra suja”, travada tão pouco tempo após àquela con- duzida no Vietnã, e a direita, tendência que buscava intensificar a guerra até uma vitória francesa. Os enfraquecidos governos da IVa República, temerosos pela

possível acusação de traição, mesmo que fosse pela simples disposição em esta- belecer negociações com os “rebeldes”, mostravam -se incapazes de implementar quaisquer medidas, salvo conceder crescentes poderes aos generais que dirigiam

a guerra in loco. A estratégia dos militares franceses comportava três elementos centrais: o “reagrupamento” das pequenas cidades para destruir a rede de apoio à FLN; a guerra baseada no terror psicológico, com vistas a isolar a FLN da maioria da população; a construção de uma barreira eletrificada nas fronteiras com a Tunísia e o Marrocos, visando impedir qualquer aprovisionamento a partir dos países vizinhos.

O “reagrupamento” afetou centenas de milhares de camponeses, retirando as suas terras e subtraindo -lhes as suas tradições sem, contudo, oferecer -lhes qual- quer modo de vida alternativo. As pequenas cidades reagrupadas tornaram -se campos de concentração e os seus habitantes transformaram -se em mendigos.

figura 6.2 Em 20 de setembro de 1959, Messali Hadj aprovou a declaração do general de Gaulle a pro- pósito da Argélia. (Foto: Keystone, Paris.)

O seu trabalho produtivo normal praticamente cessou8. O terror atingiu o seu

apogeu em 1957 com a “batalha de Argel”, tentativa conduzida pela ALN para implantar -se mais profundamente na cidade. Os franceses responderam com uma impiedosa campanha de perseguição, aprisionamento e tortura que efetiva- mente destruiu a organização da ALN na capital, deixando uma herança de ódio e suscitando uma onda de indignação na França e em todo o mundo, campanha esta cujos métodos e procedimentos empregados pelos pára -quedistas franceses foram comparados àqueles da Gestapo na Alemanha nazista. No transcorrer do mesmo ano, em 1957, a fronteira algero -tunisiana foi hermeticamente fechada com a instalação de uma cerca elétrica de forma a isolar totalmente os guer- rilheiros argelinos do mundo exterior. Mas, nenhuma destas medidas logrou êxito em desencorajar os combatentes. As operações da guerrilha foram levadas adiante, embora em menor escala, e a resistência armada perpetuou -se até o dia final.

A revolta do alto comando francês na Argélia, em maio de 1958, precipitou na França a crise política gerada pela guerra. Os militares exigiram a ascensão ao poder do general de Gaulle, em quem reconheciam o homem capaz de asse- gurar a vitória final da França. O último governo da IVa República abdicou e de

Gaulle tomou a situação em mãos. Duas grandes forças políticas estavam atrás dele: a oligarquia francesa do setor financeiro e os colonos franceses da Argélia apoiados pelos oficiais. Tornou -se cada vez mais evidente que os interesses deste grupo eram de mais em mais divergentes e que de Gaulle tinha as suas próprias convicções políticas (relativas ao papel crescente da França no âmbito europeu, à criação de uma nova relação com o Terceiro Mundo, etc.). Na realidade, os seus objetivos estavam mais próximos dos interesses das oligarquias dos setores financeiro e industrial franceses, quando cotejados com aqueles dos colonos habitantes na Argélia, obstinados em querer manter o obsoleto colonialismo da “Argélia do papai”. Mas, certo tempo foi necessário a de Gaulle para definir uma política mais positiva no tocante aos argelinos e a guerra prosseguia como anteriormente. A última tentativa executada para trazer os argelinos ao seio da França foi o “plano de Constantine”, anunciado em 1958 por de Gaulle; ele propunha despertar os campos tradicionais e industrializar o país. Contudo, como numerosos outros projetos da época, este plano revelar -se -ia perfeitamente irrealista9. Ele traria as maiores vantagens aos colonos franceses, ao passo que

8 Duzentos e cinquenta mil dentre eles preferiram fugir para o Marrocos ou para a Tunísia e foi entre eles que se recrutaram os reservistas da ALN.

aos argelinos não lhes restaria senão extrair um benefício mínimo. A “reforma” agrária não diria respeito a nada mais do que cerca de 250.000 hectares, dei- xando de lado o problema fundamental dos 2,7 milhões de hectares pertencentes aos colonos.

Em resposta às mudanças advindas da França, a FLN proclamou em setem- bro de 1958 a formação de um governo no exílio, o GPRA (Governo Pro- visório da República Argelina), cujo primeiro chefe foi Farhat ‘Abbas. Em 1961, este governo ganhou um chefe mais revolucionário Yusuf ben Khedda. Ele foi reconhecido de jure por todos os países árabes e numerosos países da Ásia e de facto pelos Estados socialistas.

Percebendo a inocuidade das operações militares e também do plano de Constantine, no que se refere aos resultados esperados, de Gaulle decidiu final- mente negociar.

Em janeiro de 1960, quando se tomou conhecimento deste fato, os fascistas de Argel revoltaram -se mas, a “Semana das Barricadas” findar -se -á em um

figura 6.3 Farhat ‘Abbas dirigindo -se à multidão na ocasião de uma manifestação em Casablanca, em 9 de julho de 1961, na presença do rei Hassan II. (Foto: Keystone, Paris.)

fracasso. Em março do mesmo ano, de Gaulle empregou pela primeira vez o mágico slogan “Argélia argelina”, colocando assim um termo − após mais de um século − ao mito “a Argélia tão francesa quanto a Bretanha”. As negociações abriam -se no meio do ano, foram abortadas muito rapidamente em razão de numerosos problemas cruciais. Era importante que os franceses reconhecessem a FLN e o GPRA como parceiros. As discussões foram a primeira vítima política dos argelinos. Outras mais adviriam em breve.

Em abril de 1961, os “ultra” da Argélia empreenderam uma última tentativa por intermédio do “putsch dos generais” dirigido por quatro generais de alto escalão. O golpe fracassou, mas os ultra resolveram continuar o seu combate em prol da preservação da Argélia francesa, recorrendo com esta finalidade ao terrorismo por meio da Organização Armada Secreta (OAS).

As negociações que se seguiram foram longas e difíceis, notadamente por- que os franceses insistiam em dissociar o Saara, com sua riqueza petrolífera, do território argelino. Mas, a firme recusa da FLN forçou a França a aceitar um compromisso. Em março, foram assinados os acordos de Évian, anunciando um cessar -fogo e proclamando que o porvir da Argélia seria determinado em refe-

rendum. Organizado em 1o de julho de 1962, o referendo registrou uma maioria

de 99,7% votos favoráveis à independência.

Os últimos meses da dominação colonial e as primeiras semanas que se sucederam à independência foram marcados por atos de sabotagem dos fas- cistas da OAS que mataram, destruíram e queimaram em um ataque de fúria inócuo. Com estes atos, eles igualmente retiraram da minoria europeia toda a possibilidade de permanecer em uma Argélia independente como haviam previsto os acordos de Évian. Sobreveio um êxodo maciço de colonos: desde o fim de julho, cerca de 500.000 partiram para a França e, no fim do ano, menos de 20% dos europeus permaneciam na Argélia. A partida em massa e súbita dos colonos − aqui compreendida a esmagadora maioria dos técnicos do país − causou inicialmente numerosas dificuldades para a nascente república mas, ela simplificou em muito a estrutura étnica e social da Argélia, poupando -a dos conflitos raciais que, em contrário teriam sido inevitáveis.

A proclamação da independência da Argélia pôs fim ao período do colo- nialismo francês no Magreb. A libertação foi conquistada mediante um custo muito elevado: estima -se que perto de 1 milhão de argelinos perderam a vida e que 2 milhões estavam desabrigados; 10.000 casas e edifícios foram destruídos durante a guerra e, posteriormente, pelo terrorismo da OAS. Nenhuma outra ação africana pagou um preço tão elevado e trágico pela sua independência. Mas, graças à sua luta heroica, os argelinos facilitaram objetivamente o combate

político das outras colônias francesas. A guerra da Argélia mostrou claramente ao povo francês e aos seus dirigentes a futilidade do antigo sistema colonial, forçando -os a reconhecer o direito de todas as nações à autodeterminação.

A Líbia

10

No capítulo 2, nós abandonamos a Líbia em 1948, no momento em que ela ainda estava sob ocupação militar e aguardava a decisão da ONU sobre o seu futuro. A Grã -Bretanha e a França já estavam implantadas no país. Os Estados Unidos da América somavam -se a estes países e instalavam uma grande base aérea, Wheelus Field, perto de Trípoli. As três potências ocidentais possuíam doravante interesses na Líbia e não desejavam em hipótese alguma abandonar o país. Portanto, não é digno de espanto que os interesses ocidentais tenham tão prontamente entrado em conflito tanto com os anseios do povo líbio quanto com a política dos países árabes, asiáticos e socialistas. Os britânicos tomaram a iniciativa com o plano Bevin -Sforza o qual previa uma tutela britânica na Cirenaica, uma tutela italiana na Tripolitânia (onde vivia a maioria dos colonos italianos) e uma tutela francesa no Fezzan. Contra esta iniciativa de dividir o país em três partes, a URSS preconizou uma tutela coletiva coordenada pela ONU. O povo líbio manifestou sua oposição ao plano Bevin -Sforza em colossais manifestações: em Trípoli, mais de 40.000 líbios foram às ruas. A Assembleia Geral das Nações Unidas rejeitou o plano em maio de 1949. Em novembro do mesmo ano, a URSS propôs conceder imediatamente a independência à Líbia, proceder à retirada das tropas estrangeiras em prazo de três meses e fechar as bases militares estrangeiras. Esta proposta não foi aceita mas, a ONU votou posteriormente um texto prevendo que toda a Líbia constituir -se -ia em um Estado independente e soberano no mais tardar em 1o de janeiro de 1952.

Não se deve interpretar estas intervenções internacionais como se signifi- cassem que a independência do povo líbio tivesse sido um dom da ONU. Ao contrário, foi o desenvolvimento de seu combate anticolonial que sensibilizou a opinião pública mundial sobre o destino deste país, forçando assim a ONU a ceder. Este movimento de libertação nacional conduziu suas ações em condições muito difíceis, imputáveis tanto a história quanto às estruturas sociais injustas e desiguais encontradas nas diversas regiões do país. Estes problemas foram ainda

10 Para a história da Líbia durante o período pré -revolucionário, conferir E. E. EVANS -PRITCHARD, 1949; I. R. KHALIDI, 1956; M. KHADDURI, 1963; J. NORMAN, 1963b; N. I. PROSHIN, 1975.

mais acentuados pela política britânica que visava explorar a situação para rom- per a unidade dos patriotas. Desde o início, os britânicos preferiram ver o chefe da Sanusiyya, Muhammad Idris − de volta à Cirenaica em 1947, proveniente de seu exílio egípcio − desempenhar o papel preponderante na política líbia. Suas posições notoriamente conservadoras suscitaram a oposição da burguesia nacionalista tripolitana que desejava um regime democrático, a unificação de toda a Líbia, uma estreita colaboração com os Estados árabes já independentes e a evacuação das tropas estrangeiras. A oposição tripolitana temia que Idris não tentasse introduzir o sistema feudal teocrático sanusi na Tripolitânia e os seus dirigentes sabiam que ele colaborava estreitamente com os britânicos. Por sua vez, Idris desconfiava da burguesia liberal tripolitana e dos seus ideais republi- canos, preferindo, durante certo tempo, exercer um poder absoluto na Cirenaica ao invés de dividir com esta classe social o governo da totalidade da Líbia.

Este desacordo foi inteligentemente explorado pelos britânicos para retardar as negociações sobre a independência Líbia. Em junho de 1949, a Cirenaica foi proclamada independente sob a direção do emir Idris: a Constituição elaborada pelos britânicos preservava o poder praticamente ilimitado do emir e estabelecia um Parlamento cuja metade dos membros seria nomeada por ele. O novo regime não correspondia às expectativas dos elementos progressistas da população da Cirenaica que desejavam uma maior participação política. Greves e manifesta- ções eclodiram e foram reprimidas pelo emir, com a ajuda das tropas britânicas. Mas a despeito do caráter manifestadamente reacionário do regime de Idris e das sérias inquietações dos homens políticos da Tripolitânia, tornou -se muito prontamente evidente que, somente uma unificação sob a égide de Idris permi- tiria uma plena independência da Líbia. No curso dos anos 1949 -1951, longas e difíceis negociações tiveram lugar entre as duas partes. Em razão do principal objetivo dos dirigentes tripolitanos do movimento de libertação nacional ser a independência e a unidade, eles finalmente aceitaram um compromisso. Sob a pressão dos britânicos e em conformidade aos propósitos de Idris, a Líbia tornou -se uma federação composta de três províncias − Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan −, caracterizada por uma grande autonomia provincial correlata a um governo central assaz enfraquecido. A independência do Reino da Líbia foi proclamada em 29 de dezembro de 1951; O antigo emir da Cirenaica e chefe da Sanusiyya, o rei Muhammad Idris Io al -Sanusi, tornou -se o primeiro monarca.

A Líbia chegou à independência carregando uma pesada herança colonial, o fardo de muita destruição causada pela guerra e o ônus da presença de tropas estrangeiras. No que concerne à economia e à estrutura social, ela fazia parte dos países menos desenvolvidos da África do Norte; no domínio agrícola, as

relações feudais de patriarcado eram dominantes e um forte percentual dos habitantes levava ainda uma vida nômade ou seminômade. Quase não havia indústria e os artesãos não trabalhavam senão para mercados locais. A bur- guesia e o proletariado líbios eram numericamente fracos e mal organizados. A maioria dos bancos, dos estabelecimentos de venda no atacado e das plan- tações, bem como o comércio exterior, era controlada por não líbios. O nível de instrução era reduzido e a taxa de analfabetismo correspondia a mais de 85% da população.

As perspectivas eram bem sombrias: uma comissão da ONU sublinhou, em 1951, que a Líbia não “dispunha de recursos minerais ou de petróleo” (!), pois as operações de prospecção até então haviam conduzido a resultados negativos.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 183-200)