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Situação política e social

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 107-110)

A década de 1935 -1945 conheceu, senão mudanças, pelo menos sinais indi- cadores de reviravoltas. A letargia que caracterizava a economia das colônias portuguesas e espanholas correspondia, muito naturalmente, ao conservado- rismo social. As estruturas sociais lá permaneciam imutáveis e os pequenos territórios ignoravam quase completamente a vida urbana que implicava, em si, grandes mudanças. Bissau ou Praia eram apenas grandes vilarejos onde alguns brancos e mestiços viviam a parte, em velhos bairros coloniais. Lourenço Mar- ques e Luanda eram certamente diferentes mas, a vida urbana africana que a geração precedente conhecera em toda a sua animação estava adormecida. Por toda a África, os campos lideravam o trabalho colonial e a extração de produtos agrícolas, entretanto, o ambiente rural não desfrutava de nenhum benefício destas atividades. As grandes plantações que atraíam migrantes provenientes do continente, nas ilhas de São Tomé e de Fernando Poo, lhes proporcionavam trabalho, mediante um sistema que não perturbava a ordem estabelecida pelo colonizador.

Nas possessões francesas, os sinais de mudança eram mais perceptíveis. Embora o governo da Frente Popular tivesse curta duração e a sua política colonial não se distinguisse por nenhum radicalismo, a chegada dos socialistas ao poder afetou a vida nas colônias. Em Dakar, Brazzaville ou Cotonu, a vida urbana conheceu certa animação, graças aos “evoluídos” e aos sindicatos, legali- zados em 11 de maio de 1937. Embora não seja possível falar, verdadeiramente, de uma burguesia no Senegal, os comerciantes, os funcionários públicos e alguns ricos mercadores, lá constituíam uma categoria interessada pela vida na colônia e os operários lá formavam uma categoria relativamente numerosa, suficiente-

mente organizada e capaz de desencadear greves como aquela dos ferroviários de Thiès, em 1938.

Até 1939, os campos levaram, sem grandes alterações, a tradicional vida patriarcal; mas, por toda a parte, o esforço de guerra rasgaria o véu. Um lento movimento populacional aconteceu em direção às capitais -cantonais e regionais. Por toda a parte, este esforço tornara odiosos os chefes de cantão e os comandan- tes de círculo; os primeiros eram tidos, desde logo, como agentes malfeitores do colonialismo. Assim, muitas famílias de chefes estavam desacreditadas, levando as autoridades coloniais a revogar ou mesmo prender os chefes cuja credibilidade e prestígio estivessem perdidos aos olhos da população. O questionamento das estruturas tradicionais teve início no contexto de reclamações formuladas contra os chefes; o surgimento de dirigentes políticos precipitaria este processo.

Em alguns casos, a resistência africana armada diante da dominação francesa, observada durante esta década, tinha raízes em uma época bem anterior. Nos anos 30, os kabila mouros haviam continuado a lançar razias (ghazwa) contra as fortificações e os estabelecimentos franceses da Mauritânia. Entre 1931 e 1933, os Rikaybat (Reguibat) lançariam ataques semeadores de confusão entre os franceses, derrotados em Moutounsi. As tropas motorizadas vindas do Magreb ocupariam Tindouf, o último ponto insubmisso, somente em 1935, realizando assim a primeira ligação terrestre entre o Marrocos e a África Ocidental11.

A paz colonial e o desenvolvimento do comércio favoreceram − a contragosto dos colonizadores − a expansão do islã, enquanto os missionários expandiam o cristianismo. Dois movimentos islâmicos, com raízes no período precedente, merecem especial menção: o mouridismo, no Senegal e o hamallismo, no Sudão francês.

O mouridismo, ligado à Kadirïyya do Marrocos, foi fundado aproximada- mente no fim do século XIX, por Shaykh Ahmadu Bamba, deportado duas vezes, primeiro para o Gabão (1895 -1902) e em seguida para a Mauritânia (1902 -1907). A sua ação desenrolou -se essencialmente na região wolof, no Senegal, profundamente afetado em razão das transformações geradas pela conquista e pela longa presença europeia. Ahmadu Bamba era não violento; sem por em xeque o regime colonial, a sua doutrina exigia do discípulo uma obediência absoluta ao chefe e aos seus mandatários. Dessa forma, estabelecia- -se uma cadeia e uma rigorosa hierarquia; camponeses e outros elementos rurais encontravam, por esse viés, uma proteção patriarcal diante dos colo-

nos, substitutos dos chefes tradicionais. Ahmadu Bamba afirmava o caráter santificador do trabalho militante em serviço do marabuto. As autoridades reconheceram no mouridismo um caráter inofensivo; Touba, a cidade santa do mouridismo, tornara -se em 1927, após a morte de Ahmadu Bamba, uma populosa cidade onde “o camponês seria chamado a cultivar a terra e a produ- zir muito amendoim. [...] O coletivismo patriarcal assim ressurgiu, consagrado por um laço religioso. Ele exigia um trabalho muito penoso mas, assegurava a salvação eterna e a sobrevivência em um mundo difícil12”. O mouridismo apa-

recia desta forma como uma adaptação ao sistema imposto pelo colonizador; após as dissidências consecutivas à morte do seu fundador, a nova confraria instalou -se confortavelmente no quadro colonial, ainda mais facilmente por- que os chefes mouridos eram os maiores produtores de amendoim. Assistimos nos anos 30 a uma verdadeira colonização mourida nas terras do Jolof e do Cayor, onde a confraria fundara comunidades agrícolas, estendendo assim a produção de amendoim. Em 1936, um conflito opôs pioneiros mouridos e clãs fulbe no Baol; apesar do veredicto do tribunal colonial, favorável ao reco- nhecimento dos Fulbe como legítimos proprietários das terras, os mouridos utilizariam a força e destruiriam os vilarejos de pastores. A administração seria conivente com os produtores de amendoim.

Em 1945, os mouridos eram estimados em 100.000 indivíduos. Eles produ- ziam a terça parte do amendoim no Senegal. Transformada em lugar de pere- grinação, desde então, Touba atraía dezenas de milhares de peregrinos desejosos em visitar o túmulo de Ahmadu Bamba e oferecer as suas oferendas ao chefe da confraria.

O hamalismo nasceu no Sudão (atual Mali), em Nioro do Sahel. Um mís- tico, Shaykh Hamallah (na realidade, Hamahullah), atraiu para si milhares de adeptos e foi alvo de violentos ataques provenientes das confrarias estabeleci- das. Em que pesem alguns desvios, ele se apresentou como um dos principais propagadores do Tijaniyya na África Ocidental e também combatera pela dignidade e pela identidade dos povos da África. As autoridades coloniais prenderam -no, em consequência de incidentes desenrolados em Nioro, no ano de 1933, e internaram -no durante dois anos. Mas, as lutas entre hamalistas e membros de outras confrarias seriam retomadas. Como decorrência de diver- gências teológicas, estes acontecimentos encobriam uma profunda desapro- vação, por parte dos hamalistas, da posição dos sujeitos coloniais e daqueles

que haviam colaborado com a administração ou tinham permanecido passivos. Em 1940, partidários e adversários do Shaykh Hamallah se enfrentaram em razão de um assunto relativo ao pastoreio; houve aproximadamente 400 víti- mas nessa disputa. O poder colonial sensibilizou -se e condenou o marabuto à deportação, primeiramente na Argélia e em seguida na França, onde ele morreria em 194313. Uma consequência inesperada deste movimento foi a

retificação das fronteiras entre a Mauritânia e o Sudão francês, em detrimento deste último, porque era desejado que os hamalistas do Hodh estivessem subordinados a uma administração única14.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 107-110)