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CAPITULO 1. A MULTIVOCALIDADE NO CENÁRIO DA ARQUEOLOGIA

1.3 O PATRIMÔNIO CULTURAL E A TUTELA DE PRESERVAÇÃO DOS ACERVOS

1.3.1 A Conservação e Gestão dos Acervos Patrimoniais

O conceito de conservação de acervos patrimoniais foi implementado na década de 1980 com a Carta de Burra, que tinha como objetivo principal a preservação do significado cultural dos bens, por meio de medida de segurança e manutenção.

De acordo com o seu artigo 1º “a preservação será a manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração pelo qual ele se degrada”. No quesito conservação, o artigo 2º diz que o seu objetivo é “preservar a significância cultural de um bem, e deve indicar medidas de segurança e de manutenção...”. Todavia, o artigo 12º coloca que “não poderão ser admitidas técnicas de estabilização que destruam a significação cultural do bem”. Os pontos focais desta

carta também levaram em consideração o marco ambiente dos objetos ou dos sítios e, consequentemente, os riscos do local de destinação dos bens.

A Carta de 1990 reforça as orientações no sentido de proteger e conservar os bens patrimoniais e arqueológicos, especialmente. Traz definições acerca da introdução e conservação do patrimônio arqueológico, incumbindo o estado e toda a humanidade do direito de resguardar os bens culturais. Ressalta a criação de inventários de todos os bens no sentido de disponibilizar à sociedade os conhecimentos gerados pelas pesquisas. Enfatiza a educação patrimonial e discute a qualificação de profissionais para trabalhar com o patrimônio cultural, entre outros.

A conservação preventiva de acervos é de extrema importância para diminuir a degradação dos vestígios e uma possibilidade de aumentar a sua expectativa de durabilidade e, assim, tornar possível que nossa geração e as futuras possam desfrutar desse patrimônio.

Os acervos acumulam informações de grande valor cultural. Porém, as reservas técnicas sem um devido tratamento de preservação e/ou conservação e sem um plano de extroversão para a sociedade, servirão apenas para uma parcela de pessoas, ou seja, o público interno ou acadêmico. Entretanto, todos precisam conhecer a sua origem e a história do seu lugar.

Diante deste cenário é preciso medir, antecipadamente, os riscos culturais em que os artefatos arqueológicos estão submetidos na medida em que forem resgatados do seu contexto original.

O conceito de risco envolve a ameaça de perda ou dano à determinada pessoa, coisa ou bem – seja ele de caráter individual ou coletivo. Consiste na probabilidade de um evento indesejado ocorrer.

Todo acervo cultural resgatado em processo de salvaguarda requer análises que os submetam a tais condições de perigo, seja de furto, degradação natural ou antrópica. Várias instâncias, nacionais e internacionais, de proteção do patrimônio cultural, abordam a questão do risco cultural em que os diversos patrimônios estejam envolvidos.

As discussões estão pautadas em uma visão integrada sobre todos os danos e perdas possíveis que o patrimônio cultural pode sofrer, não somente devido a eventos esporádicos e catastróficos como furacões ou terremotos, senão, também, por processos de deterioração acumulativos como os causados por iluminação, humidade relativa inadequada e proliferação de insetos e fungos, entre outros.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) criou um observatório e uma plataforma para monitorar e verificar o estado de conservação de bens

culturais mundiais em risco, partilhando, inclusive, informações sobre estruturas danificadas, artefatos saqueados e todas as formas de patrimônio em risco. Alertando-nos a voltar nossa atenção a essa temática.

Outras instâncias são as instituições que lidam constantemente com o conceito de risco, uma vez que, por sua natureza, devem se debruçar com maior afinco na proteção e conservação dos acervos em exposição ou em reservas técnicas.

O Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, no seu dispositivo legal, art 4º, expressa as suas competências, das quais enfatizamos os incisos: VIII. Promover o inventário sistemático dos bens culturais musealizados, visando a sua difusão, proteção e preservação, por meio de mecanismos de cooperação com entidades públicas e privadas; X. Promover e apoiar atividades e projetos de pesquisa sobre o patrimônio cultural musealizado, em articulação com universidades e centros de investigação científica, com vistas na sua preservação e difusão; XI. Propor medidas de segurança e proteção de acervos, instalações e edificações das instituições museológicas, visando manter a integridade dos bens culturais musealizados.

Além desses instrumentos de proteção do acervo patrimonial existem ainda outras formas de proteção dos bens culturais brasileiros previstas na legislação brasileira, das quais destacamos acima.

Como vimos, os instrumentos de tutela jurídica predispostos na Constituição Federal devem ser vistos como mecanismos cuja finalidade consiste em selecionar os bens que passarão a integrar o patrimônio cultural brasileiro, de modo a lhes conferir proteção estatal e segurança jurídica, pondo-os a salvo de riscos ou contra ameaça de danos (VIEIRA, 2010).

Nesse contexto, a preparação de medidas preventivas é capaz de antecipar eficazmente os efeitos do risco aos acervos culturais de natureza material. Para tanto, deve-se criar instrumentos de gestão de risco que visem aperfeiçoar a tomada de decisões dirigidas à proteção desse patrimônio cultural. Salvo que a sua destruição e/ou descaracterização causa danos irreversíveis ao patrimônio da União e a identidade nacional, puníveis pela forma da lei.

Nem todos os fatores de agressões ao bem cultural têm as mesmas implicações. Alguns são de efeito imediato, como catástrofes naturais, outros, no entanto, tem consequências visíveis apenas num longo período, a exemplo de ações humanas negligentes: abandono, mudanças de espaço inadequado, visitação turística incontrolada e supremacia dos interesses econômicos, dentre outros.

No caso de pesquisas arqueológicas é em campo que o acervo recebe o primeiro tratamento, posteriomente é enviado para o laboratório onde passa por um exaustivo processo

de estudo, pautado na curadoria, análise científica, monitoramento, acondicionamento, ações de educação patrimonial, entre outros. Em laboratório o especialista seleciona, trata e analisa com rigor científico o acervo, segundo sua tipologia e proveniência, contribuindo assim para compreensão das ocupações humanas tratadas. E, tão importante quanto essa interpretação, são as medidas de preservação e conservação dos acervos, como o seu acondicionamento e guarda, visto que, desde que retirados do seu local de origem, os acervos estão em constante ameaça de degrada.

A conservação de um acervo está intrinsicamente ligado ao material no qual foi elaborado, na técnica construtiva e na trajetória das condições de armazenagem e exposição. Quando um artefato é mantido em condições adequadas na armazenagem e/ou na exposição, os fatores de degradação são estabilizados ou minimizados, necessitando apenas a sua manutenção com procedimentos preventivos de conservação como higienização, controle de micro- organismos e insetos, embalagens de proteção, manuseio correto, entre outros (TEIXEIRA E GHIZONI, 2012).

Os autores Lia Canola Teixeira e Vanilde Rohling Ghizoni publicaram, em 2012, um manual intitulado “Medidas Preventivas de Conservação de Acervos”. Nele constam orientações e processos que devem ser seguidos para identificar os riscos aos patrimônios culturais dispostos em laboratórios, reservas técnicas ou em exposição museal, tais como: forças físicas diretas, vandalismo, fogo, água, pragas, poluentes, radiações, humidade relativa incorreta, temperatura incorreta, dissociação. Além desses riscos o acervo também está sujeito a:

 Extravio de peças se for manipulado de forma leiga;  Remoção de identificação, etiquetas ou rótulos de objetos;

 Gravação de dados de objetos e coleta de maneira ilegível ou ambígua;

 Outras ações que resultam em dissociação incluem a manipulação de um objeto ou coleção de uma maneira que é desrespeitosa do valor a certas partes interessadas e, portanto, resulta em perda de valor cultural.

 Contato inapropriado com o acervo na área interna e externa.

Nessa conjuntura, devem ser tomadas precauções antecipadas/ cotidianamente para prevenir e ou evitar os impactos sobre o acervo arqueológico e histórico cultural, levando em conta a vulnerabilidade em que esse acervo está disposto. Dentre os quais se delineiam:

Medidas Preventivas

 Controle das condições ambientais relativamente estáveis - sendo assim menor e mais lenta será degradação do patrimônio;

 Local adequado para exposição e guarda do acervo;

 Ações de educação patrimonial com a comunidade envolvida, no sentido de informar sobre a importância do bem cultural ali disposto;

 Profissionais treinados para vistoria e manutenção diária do acervo;  Manutenção do ambiente e higienização do espaço físico;

 Monitoramento diário de humidade;

 Monitoramento diário de temperatura – o sistema de climatização deve permanecer ligado 24 horas, mesmo que o espaço esteja fechado;

 Iluminação adequada – reduzir a iluminação artificial ao mínimo possível, tanto na área de reserva técnica como museal;

 Monitoramento diário e fiscalização de intempéries naturais;

 Controle diário de fiscalização para contenção de pragas: fungos, cupins, ratos, entre outros;

 Vigilância contínua – atentando para roubos, incêndios, etc;  Mobiliário de exposição e reserva técnica adequada;

 Controle da capacidade de carga humana – definição da quantidade de visitantes no espaço musealizado. Recomendáveis grupos de 8 a 10 pessoas;  Proibir hábitos de fumar, comer ou armazenar alimentos no local de guarda e

exposição do acervo;

 As peças só podem ser manuseadas por especialistas devidamente capacitados – o material antes de ser transportado deve passar por uma avaliação sistemática para verificar o estado de conservação das peças;

 Evitar flash diretamente sobre o acervo;

 Avaliação constante dos resultados de monitoramento do acervo para tomadas de decisões.

Tabela 1: Medidas preventivas para acervos. Adaptado: Teixeira e Ghizoni (2012).

Todos os acervos patrimoniais resgatados e estudados acumulam informações de grande valor cultural. Porém, sem um plano de gestão e extroversão para a sociedade, servirão apenas para uma parcela de pessoas, ou seja, o público interno e acadêmico. Entretanto, todos precisam

conhecer a sua origem e a história do seu lugar. Além disso, a pesquisa arqueológica desenvolvida exige ações sistemáticas que revelem a importância desse patrimônio arqueológico para as sociedades atuais e as ações de Educação Patrimonial Colaborativa, envolvendo as comunidades locais, constitui uma garantia de fruição, proteção e sustentabilidade.

Esta nova abordagem vem sendo proposta pela Arqueologia Colaborativa, pois propõe enfatizar o relacionamento entre a pesquisa, a gestão dos bens culturais e grupos sociais envolvidos, evidenciando a promoção e a participação da comunidade nos processos de gestão do patrimônio. Isso visa contribuir na consolidação de todos os vínculos existentes entre comunidade e seu passado, aumentando o interesse da comunidade sobre o patrimônio e criando, paralelamente, a sustentação necessária às medidas de preservação (ROBRAHN- GONZÁLEZ, 2013).

Diante dessa multivocalidade e interdisciplinaridade de atuação da arqueologia no cenário contemporâneo é necessário sublinhar as dimensões éticas no desenvolvimento das suas práxis, assunto a ser debatido a seguir.