• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO 3. CASO I: PROGRAMA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

3.3 PROCESSO DE TRATAMENTO E SUSTENTABILIDADE DOS ACERVOS

O programa em estudo considera que o acervo patrimonial gerado nas pesquisas deve ter sustentabilidade e significância para todos os Stakeholders envolvidos no projeto, especialmente para as comunidades locais, de onde mantêm uma relação intrínseca com sua matriz ambiental. Desse modo, em vez de acervos musealizados ou relegados às reservas técnicas, estes devem, também, cumprir uma função social mantendo vetores autônomos para a sustentabilidade e proximidade dos acervos de seu local social de origem.

Desta forma, o papel do laboratório arqueológico, para onde vão os acervos resgatados e registrados pelo programa, integram uma gama de ações pautadas na curadoria, análise científica, monitoramento do acervo, e integração com a comunidade local por meio de vários subprogramas, inclusive ações de educação patrimonial, musealização e gestão do patrimônio dentro da rubrica da Arqueologia Colaborativa. Todo esse trabalho é baseado em uma metodologia integrada e uniforme, aplicada nas diversas etapas de tratamento dos acervos gerado pelas pesquisas (Campo, Laboratório, Gabinete) (RODRIGUES, 2014).

3.3.1 Acervo Arqueológico

A pesquisa arqueológica desenvolvida exigiu ações sistemáticas que revelassem a importância desse patrimônio arqueológico para as sociedades atuais, já que a socialização dos conhecimentos produzidos nas pesquisas arqueológicas, envolvendo as comunidades locais, pode constituir uma garantia de fruição, proteção e sustentabilidade cultural (RODRIGUES, 2014).

No tratamento deste acervo em laboratório, assim como nas pesquisas de campo, é feita uma primeira etapa de formação de agentes locais que tenham interesse em integrar as equipes de pesquisa do Programa. O primeiro contato ocorre via reuniões na comunidade, incluindo os diferentes Stakeholders (empreendedor, poder público e sociedade em geral).

Adiante, faz-se entrevista com os interessados, não há exigência de formação escolar, até porque o intuito é integrar principalmente as pessoas que não tem formação e nenhum tipo de profissionalização, contribuindo desta forma com a inclusão social destes - um dos objetivos da rubrica da Arqueologia Colaborativa. A partir deste primeiro momento, dá-se início ao processo de formação através de cursos ministrados pelos profissionais da área de arqueologia e patrimônio cultural.

91

No que se refere acervo arqueológico resgatado, toma-se medidas de controle e tratamento destes em campo e laboratório, considerando procedimentos rigorosos de análise, tratamento e acondicionamento.

Além do acervo resgatado o programa recebeu espontaneamente muitas doações de peças arqueológicas, sobretudo peças líticas polidas. O trabalho constante de formação dos agentes locais, palestras, ações educativas fomentou esse processo, contribuindo, inclusive para o entendimento de que o material arqueológico não deve ser retirado sem autorização dos órgãos de proteção e que estes teriam melhor fruição em uma instituição de guarda e musealização - adiante falaremos mais sobre este assunto. [Detalhamento tabelas 1 e 2 - apêndice I/A; detalhamento acervo arqueológico identificado pelo Programa prancha 1 – apêndice I/C]

Este Programa realizou ainda pesquisas no sítio Arqueológico Pedra Preta para instrução do processo de tombamento. Neste sentido, as equipes desenvolveram estudos sistemáticos na área e entorno do sítio em questão de forma a atender o conjunto de itens estabelecidos pela Portaria IPHAN n. 11, de 11/09/1986, que estabelece as normas de procedimento para os processos de tombamento.

O sítio arqueológico da Pedra Preta está localizado a 30 km da sede do munícipio de Paranaíta, MT sob registro cadastral junto ao IPHAN com o número 46.382. Localiza-se na propriedade particular da fazenda Santo Expedito, comunidade de Castanheira. O sítio arqueológico está inserido sobre um maciço rochoso granítico com dimensão aproximada de 400 a 500 m², com coordenada geográfica de ponto central 21L 0540046/8942516, tendo aproximadamente 10 hectares em sua área aflorada.

A Pedra Preta de Paranaíta é uma grande laje granítica circular com diâmetro aproximado de 500 m, que apresenta uma dezena de painéis de gravações rupestres, além de figuras gravadas esparsas. Sua coloração é cinza clara coberta por musgos. As características geológicas do suporte rochoso, clima e intemperismos concorrem para formação de marmitas que conservam água durante a estação das chuvas, permitindo a formação de planos com manchas de solo e a instalação de espécies vegetais específicos, musgos e liquens, algumas bromélias, orquídeas gramíneas e espécies invasoras. (DOCUMENTO, 2014d). Pode-se ainda salientar esse sítio como um excelente observatório com visão ampla em todos os lados, como por exemplo, os vales dos rios Teles Pires e Paranaíta.

Destaca-se ainda a presença de inúmeras fendas em todo o perímetro do sítio, a maior parte delas que acompanha toda a parte noroeste do afloramento rochoso, tendo dimensões

aproximadas de 250 m de comprimento, altura máxima de 20 m e largura máxima 2,5 m. Durante as pesquisas foram registrados os grafismos por painéis e individuais, com recursos fotográficos, desenho de croquis, fichas de registro e georreferenciamento dos mesmos, não sendo identificado a presença de sobreposição das gravuras (op. cit., 2014d).

Os motivos representados foram feitos pelo uso das técnicas de raspagem, polimento e picoteamento em forma de sulcos suaves. Esses sulcos apresentam dimensões médias com largura de 2,0 a 4,0 cm e profundidade entre 0,3 a 1,5 cm. Com alguns casos isolados chega a uma profundidade de 3,5 cm. Os grafismos contemplam motivos zoomorfos e antropomorfos, além de outras figuras geométricas que podem ser considerados como expressões fitomorfos e “astronômicas”. Durante as pesquisas caracterizou-se as gravuras por três recursos: linhas contínuas, cúpules e áreas polidas, usadas em diferentes combinações, sendo elas as bioformas (antropomorfas, zoomorfas e fitomorfas), além das representações geométricas.

Durante o registro dos grafismos do sitio arqueológico Pedra Preta, identificou-se a presença de 09 (nove) painéis petrogravados, com um montante de 82 (oitenta e duas) gravuras, tendo maiores destaques os painéis 01 e 07 pelo tamanho e quantidade dos motivos culturais representados. O painel 07 é o maior e mais imponente registrado, com um total de 32 gravuras e dimensões de 68 m de comprimento por 11,6 m de altura. Foram registradas interferências no trajeto da trilha como a presença de um pequeno córrego sazonal, fendas e rampas íngremes no maciço de formação do sítio, sendo que futuros usos e adequações nestas partes deverão gerar maior conforto e segurança aos visitantes.

Como o sítio se encontra em vias de tombamento junto ao IPHAN, foram feitas prospecções no seu entorno. Os levantamentos compreenderam tanto observações de superfície como abertura de sequencias de poços-teste distantes 50 m entre si. Além disso, foram realizadas também prospecções regionais e macro regionais, visando identificar novos sítios rupestres. Como primeiro resultado, foram localizados os sítios Pedra do Gato, Pedra da Cruz e Abrigo Nilo Weber I. (DOCUMENTO, 2014d). [Detalhe tabela 3- apêndice I/B]

3.3.2 Acervo Material e Imaterial

A determinação de acervo material e imaterial aqui abordado é tudo aquilo que é relevante para determinado grupo social, em suas dimensões tangíveis e intangíveis.

Como acervo de natureza imaterial considera-se os bens transmitidos de geração em geração e constantemente recriados pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente,

93

de sua interação com a natureza e de sua história - que não se restringe a uma manifestação cultural em si, mas sim em uma coleção de conhecimentos e técnicas que se transmite de geração em geração, como os saberes e modos de fazer, as celebrações, as formas de expressão.

Quanto aos bens culturais de natureza material compreende objetos, estruturas, lugares, edificações e coisas materiais que possuem algum valor para determinada comunidade.

Os estudos aqui elencados obedeceram às recomendações da UNESCO e do IPHAN tanto no que se refere ao levantamento do patrimônio material como do imaterial. Vejamos tais recomendações.

Para o IPHAN os bens culturais de natureza material, com base em legislações específicas, são compostos por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. (IPHAN, S/D).

Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas) (op. cit., S/D).

Para a UNESCO os bens materiais são as obras de arquitetura, escultura e pintura monumentais ou de caráter arqueológico, de valor universal, excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência, e ainda obras isoladas ou conjugadas do homem e da natureza, de significativo valor histórico, estético, etnológico ou antropológico. E os bens imateriais reúnem as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. (UNESCO, 2011).

Deste modo, as pesquisas de identificação do patrimônio imaterial foram realizadas em contato com as comunidades, através de entrevistas tendo como aporte de registro: fichas individuais personalizadas auxiliadas por suportes fotográficos, vídeos e produções textuais, a fim de contemplar um conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam os grupos sociais envolvidos pelo Programa.

Como uma primeira etapa do cadastro deste patrimônio foi feita uma pesquisa nos órgãos de proteção ao patrimônio em escala federal (IPHAN), estadual e municipal dos bens tombados por cada um deles. Estes bens tem uma proteção legal, sendo realizado o tombamento, no caso dos bens materiais, e o registro dos bens imateriais. Neste caso os órgãos governamentais, através de um processo longo de avaliação, caracterizam e avaliam quais bens representam a identidade comum em suas respectivas escalas de atendimento.

Para além do patrimônio, acautelado pelos órgãos públicos, foi inventariado o patrimônio (material e imaterial) de relevância local por intermédio de entrevistas com os detentores de saberes locais. Nesse processo de registro a comunidade se sentiu confortável em falar sobre os seus modos de vida.

Com isso, foi possível registrar modos de vida peculiares desses povos demonstrando que o território em questão, de Paranaíta/MT e Jacareacanga/PA, tem inserido em sua paisagem uma grande diversidade de bens, tanto da cultura material, como imaterial, que constituem a identidade das comunidades existentes naquele território. As principais referências culturais identificadas foram àquelas vinculadas ao garimpo, ao artesanato, à lavoura e à pesca. [Detalhe tabelas 4 a 7 - apêndice I/D e tabela 8- apêndice I/E]

No município de Jacareacanga/PA, cuja maioria da população se constitui de indígenas da etnia Mudunduku, na dinâmica do levantamento do patrimônio material e imaterial foi destacado que o maior bem cultural daquela região são as terras, as tradições ancestrais desses povos e a floresta. Deve-se frisar que o contato com a comunidade foi mais tenso, visto que aquela comunidade não concorda com a construção da Hidrelétrica e, portanto, todos os programas dela oriundos causam estranhamento e desconforto. Inclusive, naquela comunidade não houve ações de Educação Patrimonial, justamente em consequência desses impasses, sendo que mais uma vez prevaleceu a soberania da comunidade, como já elucidado neste trabalho. Embora, tenhamos como princípio a inclusão das comunidades nos processos de pesquisa e apropriação deve se respeitar a vontade coletiva.