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CAPITULO 2. A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL NO ÂMBITO DO

2.2 A SUSTENTABILIDADE DO PATRIMONIO CULTURAL DAS COMUNIDADES NO

Em todo o mundo é crescente a atenção voltada para pensar, planejar e desenvolver políticas e programas culturais sustentáveis às comunidades. Essa tendência é marcada por um contínuo interesse das comunidades – em escala mundial – aumentando, assim, o número de planos, políticas culturais, conceitos, princípios, diretrizes e indicadores culturais que visam fomentar a valorização da cultura local, e que consideram cada vez mais os contextos e as questões locais para o desenvolvimento da sustentabilidade.

Tal discussão já é evidente na Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Europa. Na Ásia, as discussões delineiam-se no cerne da urbanização e cultura sustentável. Na Europa, avançam na teorização sobre artes e sustentabilidade. Na África e no Caribe, sobre fundamentos culturais do desenvolvimento sustentável (DUXBURY e JEANNOTTE, 2010). E, de certa forma, em

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cada contexto, os eixos do debate perseguem as pressões e as contradições socioculturais específicas da respectiva região. Porém é igualmente necessário refletir sobre aquilo que pode ser uma agenda convergente, mesmo não necessariamente comum, mas uma agenda que respeite.

Nos movimentos internacionais, a discussão está presente na Década da Unesco para a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) e Agenda 21 da Cultura, promovido pelas Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU)16. Mais recentemente, a iniciativa de organização de um Ano Internacional do Entendimento Global (IYGU), já aprovada pela Unesco em 2013 e em curso de debate para aprovação nas Nações Unidas, prolonga a discussão num quadro distinto e mais amplo e flexível: o do conhecimento (COSTA, 2014).

Nancy Duxbury e M. Sharon Jeannotte (2010) desenvolveram um projeto de investigação sobre cultura e sustentabilidade dentro de uma conjuntura internacional, traçando, com isso, um mapa em âmbito global de projetos voltados para a sustentabilidade cultural das comunidades.

A investigação contemplou experiências de vários campos de atuação, tendo como base central a inserção da cultura no desenvolvimento sustentável. Para cada contexto investigado foram traçadas abordagens alternativas, fornecendo, assim, pontos de partida para iniciar os debates em torno desta temática. Apesar de ainda se manter num quadro de consideração da cultura como algo “para além” do tripé da sustentabilidade, trata-se de um contributo bastante relevante.

to bastante relevante.

Considera-se fundamental destacar aqui alguns modelos de projetos de investigação na esfera da sustentabilidade cultural, trazendo uma reflexão para o contexto dos programas arqueológicos e histórico-culturais do Brasil, no campo do licenciamento ambiental. Sendo assim, será possível uma reflexão ampla sobre as diferentes abordagens da sustentabilidade cultural dentro de uma conjuntura mundial.

16 As Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) representam e defendem interesses dos governos locais no palco do mundo,

independentemente do tamanho das comunidades que servem. Com sede em Barcelona, sua missão principal é ser a voz e o defensor do mundo unido e democrático de autogoverno local, promovendo seus valores, objetivos e interesses por meio da cooperação entre os governos locais e dentro de toda comunidade internacional. Vem desempenhando um papel preponderante na promoção da cultura no desenvolvimento sustentável. Tem como principal diretriz a Agenda 21 da Cultura – aprovada em 2014, primeiro documento mundial a definir os princípios e os compromissos de cidades e governos locais para o desenvolvimento sustentável cultural: cultura, diversidade e criatividade – é uma declaração sobre: (a) os direitos culturais, (b) a sustentabilidade e o território, (c) a economia, mídia e indústrias culturais, (d) inclusão e participação, e (e) governança. Atualmente, cerca de 500 cidades em todo o mundo aderiram à Agenda 21 de Cultura, promovendo-a como quarto pilar do desenvolvimento sustentável. Essa nova abordagem foi aprovada em congresso mundial em 2010 no México, onde foi defendida a abordagem integrada do desenvolvimento que presta atenção e equilibra economia, equidade social, responsabilidade ambiental e vitalidade cultural. (CGLU, 2014) Culture. Disponível em: <http://www.uclg.org/en/issues/culture>).

2.2.1 Modelos na Ásia

Por meio do projeto de Kanazawa (NADARAJAH, 2000 apud DUXBURY e JEANNOTTE, 2010:6) analisou-se o papel da cultura no urbanismo sustentável, reagindo a cinco modelos de planejamento: a insustentabilidade ambiental de emular modos de vida; a preocupação com o impacto da atual urbanização e práticas econômicas na cultura e patrimônio local; a confusão conceitual quanto ao que constitui “cidades sustentáveis”; e a falta de literatura que tratasse da dimensão da cultura sobre urbanismo sustentável. Ou seja, constatou-se a total ausência de parâmetros culturais na égide da sustentabilidade proposta pelo projeto de urbanização. Diante disso, foram analisados estudos de casos – no Nepal, Malásia, Coreia e Japão – e delineadas abordagens alternativas que “promovessem o urbanismo sustentável e culturalmente sensível”, a saber:

1. Uma transformação cultural interna, definindo a sustentabilidade cultural

como o diálogo equilibrado entre homem e economia (atividades

econômicas), o homem e o homem (heterogeneidade social) entre o homem e a natureza (ambiente e ecologia) e a cultura como processo ativo de

equilíbrio entre essas relações para alcançar a sustentabilidade [grifos

nossos];

2. Multiculturalismo: destacando a diversidade multicultural como caminho para o urbanismo sustentável;

3. Identidade cultural urbana: elencou a integração da cultura em cinco sistemas setoriais, funcional ou domínios de intervenção, a saber:

governança, economia, meio ambiente, espaço-físico (estrutura e padrões de desenvolvimento urbano) e sistemas sociais [grifos nossos];

4. Cultura de produção: com foco na operacionalização das peculiaridades

locais, destaca três fatores: especialidades únicas com base na tradição cultural de uma localidade; criatividade e a capacidade de adaptação às mudanças; e a cooperação entre moradores locais e o governo local.

(DUXBURY e JEANNOTTE, 2010:7) [grifos nossos].

2.2.2 Modelos na Ilha do Pacífico, Caribe e África

Em outros lugares do planeta como a Ilha do Pacífico, o Caribe e a África, as vozes da sociedade começaram a acenar para as preocupações da cultura no âmbito do desenvolvimento sustentável.

Ilha do Pacífico: A preocupação do programa intitulado “Vaka Moana” (DUXBURY e JEANNOTTE, 2010) se assenta na oposição entre práticas de desenvolvimento, racionalidade

econômica, progresso e cultura: costumes, tradição, identidade. Com isso, ficou claro que era preciso uma avaliação dos impactos culturais para os projetos de desenvolvimento, tal como os estudos de impactos ambientais dos empreendimentos, no sentido de promover a inclusão de uma lente cultural em todos os processos de tomadas de decisões de desenvolvimento comunitário.

Caribe – Pequenos Estados Insulares: A inserção da cultura nas ações e debates sobre o desenvolvimento sustentável desses países foi um dos principais temas do Encontro Internacional de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, como componente indispensável à sustentabilidade. A principal abordagem teve como desafio inserir a cultura como o quarto pilar central para o desenvolvimento sustentável de forma integrada aos pilares econômicos, sociais e ecológicos, reconhecendo que a identidade das pessoas, os sistemas de significação, cosmologias e estruturas epistemológicas formam como o ambiente é visto e vivido pelas pessoas. Nesse sentido, esta abordagem realça o desenvolvimento prioritário da identidade cultural, a autoconfiança, justiça social e equilíbrio ecológico, sendo que os pilares da identidade cultural estão incorporados em cinco tópicos: identidades culturais, patrimônio tangível e intangível, indústrias culturais e pluralismo cultural.

África: No desenho da experiência africana delineou-se a preocupação de que o paradigma das sociedades ocidentais dificulta a transferência de conhecimentos sobre desenvolvimento sustentável através de outras culturas. A abordagem defendida é a do desenvolvimento integrado e a transferência de conhecimentos entre culturas e um ambiente humano mais sustentável para todos os povos. A interação equilibrada entre o indivíduo e a comunidade, entre o sagrado e o secular, entre o presente e o passado dá espaço para a continuidade. (EDOZIEN, 2007 apud DUXBURY e JEANNOTTE, 2010).

A referida interação equilibrada exige a integração de três princípios básicos: crescimento econômico e equidade; conservação dos recursos naturais e do meio ambiente; e desenvolvimento social (incluindo o respeito pelo valioso tecido da diversidade cultural e social). Conclui-se que a transmissão do conhecimento com infusão de valor baseado na sabedoria local é o cerne de ações educativas para uma sociedade sustentável e culturalmente informada.

Vimos em cada um dos casos elencados que, embora em contextos socioculturais e geográficos distintos, a temática da cultura está presente como fator preponderante para o bem- estar das populações. A concepção que vai emergindo é a de unir a sustentabilidade cultural de forma integrada ao tripé “econômico, social e ambiental”, e a proposta em curso do Ano

Internacional do Entendimento Global (IYGU) vai mesmo mais longe, e converge com a noção de que o foco da sustentabilidade é a cultura, sendo as dimensões “social, econômica e ambiental” as expressões acadêmicas da análise por partes de uma realidade que é total (OOSTERBEEK, 2012; 2013a).

Deste ponto de vista, deve-se considerar no estudo da sustentabilidade cultural a relação do homem com o local onde vive ou viveu: os seus modos de viver, fazer, construir e ser. A relação do homem com as transformações que ocorrem no meio ambiente cultural e no seu modo de vida, ou seja, com o patrimônio arqueológico, histórico e cultural da sua localidade, região e/ou nação. Isso implica, no quadro da globalização, compreender que o local onde vivemos é hoje o planeta inteiro, tal como Braudel (1996) já havia começado a intuir quando escreveu sua monumental obra sobre Felipe II.

2.3 A SUSTENTABILIDADE CULTURAL NOS PROGRAMAS ARQUEOLÓGICOS E