• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO 3. CASO I: PROGRAMA DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

3.2 AS PESQUISAS REALIZADAS

Considerando o grande volume de informações obtidas nos 4 anos de pesquisas arqueológicas no referido programa, traremos apenas uma síntese dos trabalhos de campo desenvolvidos no sentido de contextualizar as etapas da pesquisa, demostrando que todos os seus passos estão interligados com o envolvimento da comunidade ali estabelecida. Ademais, não é objeto de estudo desta tese se alongar nas análises arqueológicas, mas demonstrar como um programa arqueológico de grande porte pode contribui com as comunidades que vivem nas áreas pesquisadas através da arqueologia colaborativa, fomentando a sustentabilidade cultural destes acervos patrimoniais localizados20 e inventariados.

A primeira fase da pesquisa se deu por diagnóstico arqueológico, ainda no ano de 2008, com a checagem dos limites da área da usina, com balizamento da topografia através da tomada de coordenadas com uso de GPS (Global Positioning System); análise de seus aspectos ambientais, especialmente no que se refere aos acessos e às formas de uso e ocupação de solo (que trazem implicações diretas no estado de conservação de possíveis vestígios arqueológicos presentes); definição de “zonas arqueológicas potenciais”, a partir de variáveis ambientais e, também, considerando os padrões de ocupação humana conhecidos para a área.

Cabe destacar que neste primeiro momento do Programa buscou-se interagir com a comunidade local, principalmente na escuta sobre os locais de possíveis sítios arqueológicos. Inclusive foram ainda vistoriados alguns sítios arqueológicos indicados pelos moradores locais, mas que se localizavam um pouco mais distantes da Usina, embora dentro dos limites dos municípios abrangidos. Dentre eles destaca-se a Pedra Preta de Paranaíta, sítio com arte rupestre que integra circuitos turísticos regionais. Foram assim, ao todo, prospectadas 24 zonas. Como resultado do conjunto de levantamentos realizados na área do empreendimento e adjacências, foram identificados 14 sítios arqueológicos, bem como visitado 1 sítio já reconhecido (Pedra Preta) adiante destacado.

Dentre os sítios indicados, a maioria (12 sítios, ou 80%) corresponde a sítios do tipo cerâmico. Dois deles compreendem sítios multicomponenciais, ou seja, que apresentam vestígios relacionados a mais de uma ocupação indígenas (sítios Teles Pires 1 e Pedra Preta). Finalmente, um sítio (Teles Pires 7) corresponde a uma oficina de polimento.

20 Utilizando o termo patrimônio localizado, pois partimos do pressuposto de que o patrimônio cultural antes de ser “descoberto” pelos cientistas

já é do conhecimento da comunidade, muito embora não tenha tido um reconhecimento científico e patrimonial, portanto para a comunidade é um patrimônio local e para os cientistas externos é um patrimônio localizado.

88

A partir dos resultados do diagnóstico foi possível realizar análise integrada dos resultados e traçar um zoneamento preditivo com uso do sistema GIS que permitiu indicar o potencial patrimonial da região e nortear a continuidade das prospecções arqueológicas na área, na etapa seguinte. Portanto a maior probabilidade de encontrar artefatos cerâmicos é de 80%21, possibilitando o Programa já iniciar o planejamento de tratamento do acervo integrado com os programas e traçar medidas de sustentabilidade cultural em sinergia.

Para o desenvolvimento da etapa seguinte foi elaborado um Projeto Científico intitulado Programa de Preservação do Patrimônio Cultural, Histórico e Arqueológico da UHE Teles Pires e submetido ao órgão regular, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) contando com a Portaria n. nº 8- Anexo I/16, de 03/03/2011 e renovada pela Portaria n. 13, de 18/03/2013; Portaria n° 32 – Anexo I/19, de 4/10/2011.

Em atendimento às metas do Programa foram desenvolvidas pesquisas abrangendo o acervo patrimonial de maneira integrada envolvendo: Patrimônio Arqueológico; Patrimônio material e imaterial, subprograma de Etnoarqueologia e Patrimônio Fossilífero (este último não integra esta pesquisa).

O atendimento do patrimônio acima indicado necessitou da realização de um Programa que abrangesse os diferentes elementos que podem ser, genericamente, sintetizados na rubrica “Patrimônio Cultural”, sendo eles:

Patrimônio Arqueológico: compreendendo os remanescentes físicos e

locacionais na paisagem, referentes às diversas ocupações humanas que se desenvolveram na área pesquisada, em período pré-histórico; Patrimônio

Histórico: compreendendo o estudo dos diferentes cenários sociais,

econômicos e políticos de ocupação da área pesquisada, em período histórico e alcançando até as sociedades atuais; Patrimônio Edificado: compreendendo os bens construídos com significância histórica e/ou cultural, abrangendo não apenas os edifícios que apresentam monumentalidade (igrejas, fortificações, edifícios públicos históricos, por exemplo), mas toda e qualquer construção que represente formas tradicionais de ocupação humana;

Patrimônio Material: compreendendo os elementos físicos materiais

relacionados aos Modos de Vida da área, ou seja, as “coisas” que compõem o dia a dia das comunidades; Patrimônio Imaterial: compreendendo os conhecimentos tradicionais e manifestações culturais da comunidade

21 No que diz respeito aos sítios arqueológicos identificados durante os estudos diagnósticos, sugere-se que a região tenha sido intensamente

ocupada por povos estabelecidos em diferentes tipos de ambientes. Dentre os sítios com material cerâmico e lítico polido, pode-se identificar ocupações mais densas e com alto grau de diversidade no material, tanto cerâmico quanto lítico. Destaque para os sítios cerâmicos Teles Pires– 03, Teles Pires- 06, ambos na margem esquerda, e Teles Pires–12, na margem direita; há que fazer referência à proximidade entre os dois últimos, posto que são confrontantes, tendo somente o rio como divisor, e que ambos apresentam abundância de material lítico polido. Porém, o sítio Teles Pires–12 apresenta mais densa utilização de material cerâmico, ao menos através das observações de superfície. O material lítico encontrado tanto nesses sítios como nos demais traz um padrão para as lâminas polidas no que se refere ao tipo de sulco para fixação. São majoritariamente feitas com reentrâncias pronunciadas nos gumes laterais e circundadas por rasos sulcos emendando-as. Têm tamanhos variados. Os demais líticos polidos estão relacionados a polidores portáteis, com destaque para aqueles do sítio Teles Pires– 12, em que são comuns bases com depressões, e um tipo não-recorrente nessa fase da pesquisa, com sulcos de 2 cm em “X”, verificado para o sítio Teles Pires–03. (DOCUMENTO, 2011b)

incluindo festejos, cantos, artesanato, medicina popular, culinária tradicional, contos, superstições etc. (DOCUMENTO, 2014a: 23)

Somente através de um tratamento que abranja o conjunto destes diferentes aspectos é que se pode dar conta da diversidade e complexidade do desenvolvimento pré-histórico e histórico regional. Por outro lado, a abordagem destes diferentes patrimônios parte de alguns princípios basilares no pensamento contemporâneo, no que se refere ao tratamento das questões patrimoniais culturais, definidos:

1)Democratizar as práticas para o reconhecimento e identificação do patrimônio cultural, observando as diversas possibilidades de visão e interpretação a seu respeito; 2) Ampliar as possibilidades morfológicas que norteiam o reconhecimento do patrimônio, respeitando as singularidades das experiências históricas de cada cultura e de cada grupo social; 3) Desenvolver práticas de identificação, proteção, recuperação e fomento dos patrimônios que sejam compartilhadas entre os grupos científicos e as comunidades, atuando de modo coordenado e solidário; 4) Compreender o patrimônio cultural como algo vivo e integrado às sociedades, como elementos fundamentais na manutenção da coesão social e da preservação das culturas; 5) Adotar o princípio de que somente com o envolvimento da sociedade, sobretudo das comunidades locais (atuando como parceiros e partícipes de todo o processo de desenvolvimento do Programa), é possível uma política patrimonial que seja durável e sustentável. (DOCUMENTO, 2014a:42). Para que isso seja real e eficaz, o patrimônio deve ser visto e incorporado como elemento componente das sociedades e não para além delas, com funções reconhecidas, como vetor de seu desenvolvimento e do bem-estar coletivo. Assim, é indispensável aintegração das comunidades presentes na região, a fim de que o trabalho incorpore a maneira como cada grupo social se relaciona com o patrimônio (ainda que não o nomeiem, a priori, assim) e o que cada grupo observa e reconhece como tal (DOCUMENTO, 2011b).

O Programa caminhou de forma sinérgica com todos os pontos focais estabelecidos no projeto científico. Sendo que a principal ação, e objeto desta pesquisa, se deu com o tratamento dos acervos patrimoniais localizados e inventariados (aqui nos referimos tanto ao acervo arqueológico quanto histórico cultural) pelo programa em sinergia com as comunidades locais, assunto do próximo item.