• Nenhum resultado encontrado

A construção do corpo e da identidade, processo relacional e projecto individual

4. NOVOS MODOS DE VER, OUTROS MODOS DE SER

4.1. A construção do corpo e da identidade, processo relacional e projecto individual

A primeira tarefa do sociólogo, ou do antropólogo consiste em libertar-se do contencioso que faz do corpo um atributo da pessoa, um possuir, e não o lugar e o tempo indistinguível da identidade (Le Breton, 2006 [1992]:32).

A tecnologia, a arte, a estética, operam como estruturas de modelação das identidades, conduzindo a um sobre determinismo destas, em função de construções simbólicas específicas existentes nas sociedades ocidentais. A teoria do corpo como projecto contém uma questão similar de abrangência, porque a

dimensão das escolhas individuais circunscreve-se pelas complexas articulações de género, classe ou estatuto, e pela localização espacial dos indivíduos. Este aspecto é central em qualquer teoria do corpo e da identidade (cf. C. Klesse, 2000:20-21).

Por exemplo, a cultura de consumo, ao enfatizar o estilo e a aparência reforçou a ideia do corpo como veículo de prazer e auto-expressão. Originou o “culto” da realização pessoal como demanda normativa do modernismo (Touraine, 1994). Por outro lado, o espaço da modernização reflexiva enunciou diferentes posições relacionais e opcionais, resultado da situação histórica de alteridade permanente e de mudança social. Consequentemente despontaram novas estratégias de identificação: a dissolução da crença no “processo civilizacional” e das “formas seguras e familiares de identidade” enfatizaram a necessidade de controlo, regulação e expressão performativa do corpo para criar a “nova” civilização (Turner, 1995). Da mesma forma o discurso estético da pós-modernidade centrou os discursos sobre a obra de HA e JM sobre a égide da fragmentação e alteridade.

Uma cultura onde a imagem corporal ganhou relevo, pela necessidade de exuberância e afirmação pessoais com significado. Nesta cultura deu-se uma reconfiguração do corpo e da identidade, como projectos reflexivos, através de actos de enunciação pessoal (e.g. performances corporais, apresentações individuais, auto-representações). Isto é, da imagem e alteridade, agora versátil, flexível e manipulável.

A “imagem corporal” implica as diferentes apresentações quotidianas que o indivíduo/artista ostenta. Estas representam uma forma de expressão visual: “a imagem corporal é construída individualmente, mas num contexto social, de forma reflexiva, pela socialização e pela observação da imagem dos outros”. Envolve uma “natureza dinâmica e interactiva, a experiência das modificações corporais, e a sua percepção visual” (Cunha, 2004:15). Representa uma das dimensões da identificação pessoal, à semelhança de outros aspectos da superfície do corpo (como os já referidos, modos de se vestir, de se movimentar, de falar ou de se apresentar), cuja inserção no quotidiano é essencial para o sentido coerente e sustentado da (auto)identidade (Giddens, 1991:98-99).75 Desenvolvida desde a

75 “Contextualizado e interpretado num conjunto específico de convenções, o corpo dá-se a ver, a ser percebido e

rotulado, segundo modelos de percepção e sistemas de classificação cultural e social decorrentes de consensos provisórios, efeitos de moda, e de categorias historicamente reificadas como as de género ou idade. Faz uso na região de fachada (Goffman, 1993) de recursos corporais como olhares, posturas, enunciados verbais e visuais, intencionalmente ou não, introduzidos pelo próprio indivíduo nas situações sociais quotidianas” (Ferreira, 2006:108). Mas os corpos são produzidos também pelo desenvolvimento do gosto. Ou seja, o processo pelo qual os indivíduos se apropriam, como escolhas voluntárias, de estilos de vida, que integram constrangimentos materiais. O desenvolvimento do gosto é uma manifestação do habitus incorporado e mobilizador na orientação

infância, está sujeita a mudanças contínuas ao longo da trajectória de vida, determinando o modo como o indivíduo experimenta as sensações físicas e se situa no espaço social. Implica a maneira como este se imagina, ou seja, a ideia que tem de si, e a imagem que projecta (Grosz, 1994:83-5).76

Porém, a natureza dos usos do corpo e suas representações em HA e JM, não pode ser reduzida à natureza da “imagem corporal” e à imagem que o artista projecta em função disso. Implica também, a relação com o corpo, a interiorização de princípios e modelos, interpretados, reflexivamente organizados e exteriorizados pelo artista através da expressão na obra. Inclui a dimensão do habitus que “tende a ser suportado sob a consciência e a expressão” (Bourdieu, 2009:119-121) e o embodiment, que pressupõe a localização espacial e temporal do indivíduo. A experiência da auto-representação designa, assim, um processo performativo inconsciente e automático do corpo, mas também criativo, discursivo e culturalmente situado, pelas práticas e interacções sociais em que o artista participa.77

Giddens, ao relacionar a categoria “tempo”, um dos aspectos mais enigmáticos da experiência humana, com a ideia de corpo, que representa o carácter contingente da vida sensível, mostra como as

dos corpos individuais. Traduz a cultura de classe e indica distinção social; constrange a maneira como o corpo físico é percebido e a experiência física do corpo, ao suportar determinada visão da sociedade (e.g., a forma como o indivíduo se sente física e emocionalmente, nas diferentes situações sociais que regulam a sua vida no tempo, em espaços sociais diferenciados (Shilling, 1993).

76 “The body-image shapes the ways in which individuals understand and experience physical sensations and

locate themselves in social space, how they conceptualise themselves as separated from other physical phenomena, how they carry themselves, how they distinguish outside or inside and invest themselves as subject or object” (Grosz, 1994:83-5).

77 A existência de um habitus incorporado na carne, não chega para explicitar esta perspectiva, pois adopta-se

uma crítica discursiva do corpo nas representações. Ou seja, apesar de se admitir a possibilidade da vontade individual, manifestada na liberdade de acção ser condicionada, porque depende de condições objectivas, logo não-subjectiva, como para Bourdieu (2009:87), acrescenta-se a esta abordagem a possibilidade da existência de uma intenção reflexiva prévia por parte do sujeito. Isto é, embora, em parte, produto de um

habitus incorporado, este não constitui a totalidade dos seus resultados enquanto principio de estruturação da

acção. O indivíduo sabe o que quer e age em função disso. Assim, a intenção individual é reflexivamente (re)organizada no decurso da prática (porque constrangida por forças exteriores), mas (re)criativamente agêncial, representando mesmo o sentido para a acção ou a sua causa. Então, os seus efeitos provocarão, presumivelmente, outras acções. Isto é, uma forma de interacção social, abrindo espaço para a indeterminação e o inesperado. A perspectiva adoptada considera, assim, por um lado, a subjectividade do agente (contida na obra), a partir do habitus, mas como princípio de improvisação e criação (Meagher, 2009; Mead, 1910 e 1934), pois o corpo/percepção é um campo criador de sentidos, com origem em contextos culturais específicos; por outro, a possibilidade actancial da própria obra, objecto discursivo, também, produto e produtor de sentidos.

limitações da presença individual são transcendidas pela extensão das relações sociais no tempo e no espaço. A vida do indivíduo é não só finita, mas irreversível, o indivíduo é um ser para a morte, enquanto o tempo reversível das instituições é a condição e o resultado das práticas organizadas na continuidade da vida diária (Giddens, 1982 e 2001).

Assim, comparando, por exemplo, a vida do artista e a vida da obra, constata-se que a obra de arte vai não só para lá da vida do artista, como pode ter, efectivamente, um carácter reversível em termos de instituição. Nomeadamente, da significação simbólica ou reconhecimento. Porém constitui a prática em torno da qual o artista organiza a vida. Ambas, instituições e práticas, integram o self actuante.78 O que significa, no sentido de Giddens, que a motivação é formulada a partir das conexões entre capacidades inconscientes e conscientes do agente. Mas não pode ser entendida fora da história, isto é, fora de uma temporalidade de práticas humanas, logo das instituições. Ou seja, tal como pressuposto pelo

embodiment o seu estudo deve ser culturalmente situado.

Exemplos desta natureza seriam os estudos de Goffman sobre a Apresentação do eu na vida

quotidiana (1999 [1975]), ou sobre o Estigma (1963). O autor desenvolveu uma reflexão do corpo e do

comportamento em esferas públicas e privadas, em que as categorias espaço e tempo adquirem especial importância. Para Goffman (1963), a expressão e o controlo do corpo são centrais na manutenção das relações e dos papéis sociais, em cenários específicos de actuação (e medeiam a construção da identidade pessoal e social). Nestes, o corpo é um recurso que pode ser manipulado, para construir uma versão particular do self.79 Ou seja, a representação visual do corpo é compreendida, não apenas como

78 Em Giddens a noção de acção refere-se às actividades de um agente, não podendo ser separada de uma teoria

do self actuante (2000:15). Acção e estrutura não são dois conceitos opostos, antes a estrutura aparece como condição e resultado da acção. Porque é incorporada, a estrutura não é externa aos indivíduos: enquanto traços mnêmicos e exemplificada em práticas sociais, é, num certo sentido, mais interna do que externa às suas actividades. Não deve ser equiparada a restrição ou coerção, porque é sempre simultaneamente restritiva e facilitadora (Giddens, 1989:20).

79 Para Goffman, a sociedade categoriza em função de atributos, previstos nas primeiras impressões,

transformados em expectativas normativas diante de incongruências relativas ao estereótipo inicial. Surge, neste caso, o estigma como atributo depreciativo. O autor distingue, assim, identidade pessoal e social. A identidade pessoal é o conjunto combinado de factos positivos, aspecto geral e central da diferença em relação aos outros. E, desempenha um papel estruturado, rotineiro e padronizado na organização social. Em torno dos meios de diferenciação, os indivíduos interligam-se, criando uma história contínua e única de factos sociais, substância à qual se agregam outras identificações pessoais (Goffman, 1963:67).Logo, o que o autor designa por “informação pessoal” (traços e características da pessoa manifestas à percepção) e “o signo que a transmite” é reflexiva e corporificada, ou seja, é transmitida pela própria pessoa, através da expressão

figuração ou retrato, mas também como actuação, acto performativo do corpo, entrevisto como exteriorização da singularidade em situações específicas.

Para Giddens (1995:28-29), a importância da teorização de Goffman deve-se justamente, à introdução das categorias espaço e tempo na produção e reprodução da vida social.

Entre as tradições sociológicas mais ortodoxas, o interaccionismo simbólico, foi a que conferiu maior importância à observação da vida social como construção activa por actores intencionais e cognoscíveis, associado a uma explícita “teoria do sujeito”, tal como formulada na descrição das origens sociais da consciência reflexiva elaborada por Mead. [Mas, para este] o social encontra-se limitado às figuras familiares e ao “outro generalizado”, (…) não elaborou uma concepção de sociedade diferenciada, nem forneceu um quadro de interpretação para a transformação social (Giddens, 2000:4).

Como citado por Giddens neste fragmento da Dualidade da Estrutura (2000 [1979]), George H. Mead (1934) foi importante na descrição das origens sociais da consciência reflexiva, ao estudar o self e a mente como processo social, mas limitou-o ao círculo mais próximo do indivíduo, sem sugerir uma concepção de mudança a nível institucional. Ainda assim, a sua concepção é essencial para o entendimento da formação do self e da personalidade individuais.

Para Mead, o corpo providencia as potencialidades fundamentais para a realização das práticas culturais, mas diversamente de Goffman, pode operar sem o envolvimento consciente do self na experiência (Mead, 1934:135). Todavia, resulta do conhecimento interiorizado no decurso dessa experiência, com poder no espaço onde o indivíduo está inserido, pois, é socialmente construído. Ainda, como primeiro símbolo do self só existe em interacção, com atributos, também, socialmente construídos. Neste processo a “linguagem” é essencial, porque a construção do self se faz pela aprendizagem, com o

corporal, na presença imediata daqueles que a recebem. Transforma-se em informação social, ou seja, nas características mais ou menos permanentes e reconhecíveis do indivíduo, em oposição a estados de espírito, sentimentos ou intenções momentâneas (Goffman, 1963:52). Neste sentido, Goffman elaborou ainda o conceito de “identificação pessoal” com aspectos da identidade social. A memória tem um papel importante na identificação pessoal, pois ajuda a consolidar informação referente à identidade social. O indivíduo constrói a imagem de si a partir dessa informação, com considerável liberdade relativamente à sua elaboração (Goffman, 1963:52). Goffman (1963) distingue ainda entre “identidade social real”, categoria e atributos que o indivíduo prova possuir de facto (como ser artista) e “identidade social virtual” dependente das expectativas criadas inicialmente, relacionadas com a posição social. Por exemplo, ser legitimamente reconhecido, testemunho da sua singularidade, do seu estilo, da sua obra.

desenvolvimento das capacidades cognitivas através de códigos de significação socialmente evocados e transmitidos.80

As concepções, de Goffman e Mead, são importantes para a compreensão do eu do(s) artista(s), que interage(m), quotidianamente, em “cenários de actuação” específicos com um “nós generalizado” adquirindo, progressivamente, nesta relação mais interesse e atenção relativamente ao percurso dos seus projectos de vida. Neste caso, dos projectos de orientação corporal pela representação, pela qual redefinem esses projectos. Bem como as suas práticas, ou seja, as obras, funcionam como a linguagem pela qual (re)conhecem e desenvolvem as suas capacidades reflexivas e artísticas.

80 Para Mead o self tem um desenvolvimento, não existe no indivíduo à nascença, é construído durante o processo

de experiência e da actividade social. Ou seja, é o resultado das relações do indivíduo com esse processo e da relação com outros indivíduos durante esse processo (Mead, 1934:135). Tem um carácter diferente do organismo em si, é diferente do corpo, é um objecto para si próprio. Esta característica distingue-o do corpo e de outros objectos. É constituído pelas noções de me e de I. O me é social, é o conjunto organizado de atitudes dos outros e que o indivíduo assume, o self as understood by others, ou generalized other, ao qual reage através do

I, ou o self as understood by the person (Turner, 1996:47). O I é individual e representa a resposta do organismo

às atitudes dos outros significativos, pessoas próximas que partilham o mesmo projecto (de vida), como associações de pares ou a família (ibid.). Mead define generalized other como “o acto de role-taking na sua universalidade”. Isto é, a capacidade para suportar, indiferentemente, um conjunto de objectos, neste caso, “nós generalizado” que faz parte da sua vida, mas que não pretende impressionar ou que o reconheça. Pois, os objectos são universais em relação ao acto que indiferentemente suportam. Role taking é o papel do generalized

other (Mead, 1934:133), por oposição aos significant others, ou os que servem directamente de referência ao eu,

no contexto do seu desenvolvimento. Pessoas próximas e semelhantes por quem o eu deseja ser reconhecido. A influência do grupo ou dos grupos, a que o indivíduo pertence, actua sobre o me, que não é mais do que a

imagem do self, advinda da imagem dos outros sobre o self (si). A separação entre I e me é realizada pela

actividade da criança ou role-playing, ou seja, a capacidade emergente do self para visualizar, escrutinar e monitorizar as exigências dos significant others. No fundo, a capacidade de reflexão, manter as distâncias e avaliar situações, que poderá corresponder à reflexividade. Aprende, assim, a ser pessoa autónoma e responsável, e desenvolve uma atitude ambígua em relação ao que é ter um self (imagem) e ser um self (consciência de si). As crianças aprendem porque sabem que estão a ser observadas e avaliadas. Preparadas para comportar-se de determinada maneira, criam uma imagem das expectativas que os outros têm de si. Os outros distinguem entre o comportamento apropriado e não apropriado, aprovam a norma e castigam o desvio, e a criança aprende o que pode e o que não pode fazer, o bem e o mal, etc. Aprende a escolher e a ter a responsabilidade pelas suas acções, assim como que os outros são diferentes entre si. O I representa estas capacidades de escolha e de dever, enquanto o me é inconsistente e contraditório sobre as expectativas dos vários significants others. O I examina o me de fora, à distância, avalia-o, classifica-o, mas no fim é o I que faz a escolha. Quanto mais forte é o I, mais autónomo se torna a personalidade da criança. A força do I expressa-se na capacidade da pessoa para colocar as pressões sociais internalizadas no me em teste, testar o seu verdadeiro poder e os seus limites, desafiá-los e suportar as consequências (Bauman, 1990:28).

Goffman e Mead (e também Jenkins (2008), referido seguidamente) desenvolveram uma concepção da identidade formada na interacção. Defendem que o sujeito possui um núcleo interior ou eu real, mas formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e, com as identidades que estes oferecem.

Nesta concepção sociológica, a identidade preenche o espaço entre o interior e o exterior, entre o mundo pessoal e o mundo público. Ao projectarem a identidade pessoal na identidade cultural, ao mesmo tempo que os significados e valores são interiorizados, os artistas alinham sentimentos subjectivos com significados objectivos que têm no mundo social e cultural. Deste modo, a identidade prende-os à cultura, normaliza tanto os mundos culturais quanto a eles próprios. E, sempre a partir dos seus corpos, experimentam o mundo e as interacções quotidianas.

Na concepção de Jenkins (2008:38-39) a identidade é um processo dialéctico entre identificações individuais e colectivas, estabelecidas, igualmente, ao nível da interacção. A identidade é, como tal, sempre social (e cultural) e compreende sempre processos de categorização, classificação e atribuição de sentidos. Processos interactivos de atribuição de sentido definidos pelo termo “identificação”. A identificação é, pois, consequencial e mais vezes utilizada como categorização dos outros, do que como auto-identificação. Ainda assim, o processo pelo qual são produzidas e reproduzidas as identificações individuais e colectivas são análogos e a teoria da identificação/identidade, reconhece, assim, o individual e o colectivo de igual forma. Ou seja, gerados a partir de um processo de identificação dialéctico entre autodefinições (internas) e as definições (externas) pelas quais o indivíduo é identificado/se identifica com os outros. Neste sentido, a identificação individual enfatiza a singularidade ou diferença, como de género/estilos/expressões pictóricas. Enquanto, a identificação colectiva enfatiza a semelhança, por exemplo, com outros artistas em temos de papéis/posições/técnicas comuns. Contudo, ambas emergem da sua inter-relação.

Em suma, estes processos referem-se às características pelas quais o artista se auto-identifica/é identificado (reconhecido) pelos outros (como a idade, o género, atitudes, comportamentos, traços fisionómicos) que integram o processo de identificação individual e compreende a “consistência” do sujeito pessoal, que o distingue/diferencia dos outros. E, à identificação colectiva, ou à forma como se identifica com os grupos a que pertence, a qual implica a contingência da sociabilidade e a semelhança entre os indivíduos/artistas (o estatuto, a profissão, ou o reconhecimento/aceitação mútuos e por outros artistas).

Uma vez que todas as identificações, individuais ou colectivas, acontecem sempre de determinado ponto de vista e momento, à semelhança de Giddens e Goffman, o espaço e o tempo são factores determinantes da “teoria da identificação” de Jenkins. Para o sujeito esse ponto de vista é o corpo. Logo, a identificação individual é sempre incorporada. A identificação colectiva, por sua vez, é apenas situada, porque parte de um “território” ou “região” específicos (Jenkins, 2008:40). A continuidade do tempo na interacção, e a sequência e a simultaneidade dos acontecimentos/momentos de identificação são factores inerentes ao processo de identificação. Por sua vez, a continuidade é o factor que permite atribuir um certo sentido ao passado e colocar a possibilidade do futuro. Faz parte do sentido da ordem e da predição da qual o mundo depende. Individualmente o passado é memória, colectivamente é história (Jenkins, 2008:48). Logo, todos os processos de identificação/identidade, individual e colectiva, referem-se, simultaneamente, à permanência e às contingências espácio-temporais onde decorrem.

O “self” e a “personalidade” são aspectos da identificação individual. Envolvem, o primeiro, a experiência pessoal do indivíduo, neste caso, dos artistas, em termos de processos cognitivos, a consciência, tomadas de decisão e comunicação, que constituem a mente humana. E, a segunda, a “experiência pública” ou persona, na cultura ocidental, normalmente, referida ao comportamento. Como tal, a personalidade implica directamente o self. São momentos da identificação individual, e implicam a temporalidade, processo e materialidade. Isto é, o indivíduo/artista, uma certa uniformidade ou self-

same; a individualidade, introspecção e reflexividade ou self-conscious; o sentido de independência ou

autonomia para agir ou autonomous agency; e o aperfeiçoamento pessoal ou self improvement; mas não necessariamente uma sequência, pois são simultâneos. O self é “o sentido reflexivo individual da identidade constituído vis-à-vis com os outros em termos de diferença e semelhança, sem o qual o indivíduo não saberia quem é, nem poderia agir”. Ambos os processos de identificação, individual e colectiva, assim como, a construção do self e da personalidade, estão em comunicação. Fazem parte do “processo dialéctico interno-externo” da construção da identidade, só possível mediante a interacção. Logo, a identidade é entendida como modo de “ser” ou “vir a ser”81 e, é multidimensional, singular e plural (Jenkins, 2008:49-53).

Em consequência, denomina-se a identidade do artista como experiência da incorporação e da excorporação; processo relacional construído em interacção, pela via da corporalidade. Esta concepção implica a ideia de corpo como ente físico e carnal, mas também entidade social. Representa o primeiro

símbolo do self e da comunidade e a condição de imediação do artista no mundo. Não só fundamento das identidades dos artistas como processo e projecto reflexivo, mas também da obra como processo e projecto discursivo de afirmação/reconhecimento, sujeito a diversos constrangimentos e alterações:

Numa perspectiva narrativa, o self pode ser localizado como fenómeno psicossocial, e a subjectividades