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7. A REPRESENTAÇÃO DO CORPO COMO PRÁTICA ARTÍSTICA E DISCURSIVA

7.4. Categorias utilizadas na análise discursiva

Tendo em vista as características do modelo, que já foram completamente referidas, e o objecto da interpretação que cruza as três perspectivas (corpo, identidades e representação), as categorias para a análise discursiva foram as seguintes (quadro 7.4.1):

i) “Corporalidade” para além de designar implicitamente as formas de construção sociais sobre o corpo situadas num espaço e tempo determinados, implica também a materialidade do corpo-

objecto, ou “corpo vivo” i.e., a existência física do corpo (para incluir na análise textual as

experiência do corpo-sujeito, o “corpo vivido” afectado, duplamente, pelo corpo produtor e que é produzido pela vida do sujeito, enquanto sujeito da prática da representação (na análise textual abrange referências às experiências de representar o corpo no sentido da vivência da representação);

ii) “Identidade”: desdobra-se, por sua vez, em “Identidade da obra”, “Identidade do sujeito na obra” e “Identidade do sujeito da obra”, permitindo abranger nesta investigação, simultaneamente, dimensões da vida e da obra dos sujeitos.

iii) “Espaços de (i)mediação”: esta categoria percorre a condição permanentemente incorporada e culturalmente mediada, das disposições acções e práticas, com participação dos artistas. Pressupõe o uso de múltiplas linguagens no desenvolvimento de tais relações, sempre pela (i)mediação da corporalidade. Na análise discursiva desdobram-se em “condições originais” (aspectos da produção/criação, processos), “condições de interacção” (referências a relações profissionais e institucionais no âmbito da actividade); “condições de divulgação” (formas de exposição e difusão de informação sobre a obra) e “condições de aceitação” das obras (locais de exposição, suportes, acesso, modos de ver).

iv) “Tecnologia e estética”: categoria que se refere a definições estéticas e técnicas assim como ao seu enquadramento estético e conceptual. As subcategorias “Discurso estético” e “Discurso tecnológico” são também parcialmente atribuídas, constituindo aspectos decisivos no delinear da estrutura formal e semântica dos discursos textuais. As definições estéticas são regularmente suportadas por discursos dominantes, por vezes, ideológicos, com significados múltiplos e fluídos. Para além de pertencerem às especificidades composicional e/ou formal das obras, implicam uma concepção estética mais ampla.134

134 A Estética é considerada como o ramo da ciência filosófica que teve como objecto o estudo da natureza dos

fundamentos da beleza e da arte. Mas a estética tem outras conotações (por exemplo, o sublime, o belo). Relaciona-se com ideias, conceitos e influências filosóficas para o trabalho artístico, o julgamento dos artistas e de outros agentes. Também a produção de emoções sobre o fenómeno específico da representação do corpo. E, ainda sobre diferentes formas de produção de arte (por exemplo, os meios utilizados, as técnicas e referências). Nesta categoria estão incluídos trechos do discurso ou aspectos visuais relacionados com a ideia de uma obra de arte e a sua criação, composição, estilos, géneros, suportes utilizados, técnicas, a relação entre materiais e formas na arte e enfim, entre o processo de criatividade, e o resultado. O “discurso estético e tecnológico” representa, assim, aspectos atribuídos e intrínsecos das obras. Quando assim acontece usa-se a classificação geral de “discurso estético”.

v) “Expressão”: a expressão visual constitui uma configuração discursiva ou de linguagem que espelha as perspectivas pessoais sobre o tema. A forma como o artista se exprime é inerente ao discurso visual propriamente dito, é a sua linguagem. Por outro lado, a expressão (visual e artística) é muitas vezes referida e/ou interpretada nos discursos sobre a obra, sobretudo, pela carga simbólica na definição dos casos. Esta categoria compreende as subcategorias “Auto- representação/Auto-retrato”, “Ficção” (relação da obra com outras ficções ou influências literárias), “Narrativa” (a obra conta uma história?) e, por fim, a subcategoria “Discurso do Corpo” (abrange expressões e referências mais genéricas de classificação da representação e experiência do corpo na obra).

CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS DE ANÁLISE

Identidade Corporalidade Expressão Tecnologia e estética Espaços de

imediação Identidade da obra Subjectividade (Experiência do corpo no mundo) Narrativa

Discurso estético (Ideias, Conceitos, Fundações, Influencias

Filosóficas e Narrativas) Condições de origem Identidade do Sujeito da obra Materialidade (Existência do corpo no mundo) Auto-representação/ Auto-retrato

Discurso técnico (Materiais Utilizados, Suportes, Tecnologias,

Considerações técnicas) Condições de interacção Identidade do Sujeito na obra Ficção Condições de divulgação

Discurso do corpo Condições de

aceitação

Quadro 7.4.1. Resumo das Categorias da Análise Discursiva

A definição prévia das cinco categorias de classificação genérica dos casos revelou-se útil na compreensão da problemática e leitura e interpretação discursivas da obra. A decomposição posterior dos textos com base nestas categorias serviu para apreender a significação central do conceito (representação figurativa do corpo) no âmbito da problemática em análise. 135 Foi acompanhada de outros indicadores (as subcategorias) que descrevem o seu campo semântico. A interpretação dos resultados, através da análise de conteúdo dos textos por categorias, tem como objectivo reconhecer as características do

135 A categorização, não menos que a identificação, é um processo genérico de interacção que envolve definições

colectivas externas. A identificação dos outros i.e., a sua definição de acordo com os nossos critérios de escolha (os quais eles podem não aceitar, nem reconhecer) é frequentemente parte do nosso processo de auto- identificação. Mais genericamente, a categorização é uma contribuição necessária e rotineira do modo como imputamos sentido e previsibilidade ao mundo social complexo, do qual o nosso conhecimento é sempre limitado, assim como do, igualmente, limitado conhecimento que temos sobre os outros. A nossa capacidade para identificar indivíduos [ou, neste caso, fenómenos/expressões] não familiares, como membros de categorias conhecidas permite-nos, a ilusão de que podemos saber o que esperar deles (Jenkins, 2008:105).

objecto de investigação, ao identificar as suas principais evidências (e.g. o uso do corpo na obra), regularidades (e.g., número de segmentos dos textos codificados em cada categoria) revelando a sua pertinência e, emergência (e.g., agência da imagem/efeitos), bem como articulações com as diversas estruturas e condições externas (e.g., conjuntura e contingência).

Por sua vez, nesta análise fala-se não apenas de análise de conteúdo, mas de análise do discurso, por se trabalhar com o sentido e não unicamente com temas. Um sentido que não é simplesmente traduzido, mas suscitado, de forma a decompor o sistema de ideias que integra a representação do corpo nestes casos. Na análise do discurso a linguagem vai para além do texto/imagem, ao trazer antes sentidos múltiplos (explícitos, implícitos e construídos) (Caregnato & Mutti, 2006).

A análise textual por categorias constitui uma parte da análise discursiva, que é mais do que uma mera análise linguística de textos (artigos, entrevistas e conversas publicadas, ensaios, etc.), implica significações e a relação de fenómenos/categorias com a respectiva problematização teórica. Por outro lado o termo texto também parece redutor para conter todos os elementos que integraram a análise. Por exemplo, as imagens/obras e outros como programas de televisão, vídeos, páginas Web, ou filmes documentários, também descodificados por referência àquelas categorias. Por isso, usa-se o termo

discurso para significar essas formas de enunciação e comunicação não limitadas a textos escritos (cf.

Chouliaraki & Fairclough, 2005).

Nos capítulos seguintes acoplam-se discursos de dois tipos, os dos artistas (visuais e pessoais) e os produzidos sobre eles, tal como sobre o seu trabalho. Regressa-se às categorias e respectiva decomposição textual no capítulo 9, depois da primeira aproximação ao discurso visual de JM e HA no capítulo 8.

8. INTERPRETAÇÃO DO DISCURSO VISUAL EM HELENA ALMEIDA E JORGE