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1 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, O

1.5 A CONSTRUÇÃO DO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO URBANO

O desenvolvimento é um dos objetivos fundamentais da República, como exposto em nossa Constituição. O seu componente “sustentável” se completa com as disposições do artigo 182 no sentido de que: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”, e do artigo

72COSTA, Heloisa Soares de Moura; COMPANTE, Ana Lúcia Goyatá; ARAUJO, Rogério P. Zschaber de. A dimensão ambiental nos Planos Diretores de municípios brasileiros: um olhar panorâmico sobre a experiência recente. In: SANTOS JUNIOR, Orlando Alvez; MONTANDON, Daniel Todtmann. (Orgs.). Os Planos

Diretores Municipais pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital:

225, em que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

No tocante à sua origem, o conceito “desenvolvimento sustentável”73 foi publicizado

no processo preparatório da Conferência das Nações Unidas – Rio 9274, que, entre outros

temas de interesse ambiental, tratou dos mecanismos de administração do crescimento urbano acelerado sempre no sentido de que é possível desenvolver-se sem destruir o meio ambiente. É nesta Conferência que o conceito “cidades sustentáveis” ganha força e neste evento é aprovada a Agenda 21. Em 1996, com a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, o conceito de “cidades sustentáveis” se consolida conjugando questões de natureza econômica, social, políticas e ambientais. Logo, os efeitos destes debates e conceitos ao longo dos anos tornou fato a necessidade de “ambientalizar” as políticas urbanas, no dizer de Carla Canepa, por isso, para a referida autora:

[...] a alternativa proposta seria, pois, fazer que a sustentabilidade pudesse ser afirmada como um paradigma: é essa característica paradigmática que dá suporte à formulação da possibilidade de sustentabilidade urbana e que permite considerar possível e desejável que o desenvolvimento urbano possa ocorrer em bases sustentáveis.75

Contudo, a construção deste paradigma requer um compromisso do Poder Público e dos diversos setores da sociedade, já que a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos. Argumenta José Eli da Veiga:

[...] já está claro que a hipotética conciliação entre o crescimento econômico moderno e a conservação da natureza não é algo que possa ocorrer no curto prazo, e muito menos de forma isolada, em certas atividades, ou em locais específicos. Por isso, nada pode ser mais bisonho do que chamar de “sustentável” esta ou aquela proeza. Para que a utilização desse adjetivo não seja tão abusiva, é fundamental que seus usuários rompam com a ingenuidade e se informem sobre as respostas disponíveis para a pergunta “o que é sustentabilidade?”.76

73O conceito “desenvolvimento sustentável”, cunhado pela Comissão Brundtland, preparatória à Conferência das Nações Unidas - Rio 92, divulgado no relatório “Nosso Futuro Comum” e confirmado na Agenda 21, ainda é um princípio em desenvolvimento, por isso, objeto de disputa teórico-político por parte de ambientalistas, governos, organizações não governamentais e estudiosos do tema.

74O Relatório Brundtland, encomendado pela ONU em 1983 e concluído em 1987, constitui-se num estudo de alternativas de desenvolvimento e proteção do meio ambiente tendo sido produzido por uma comissão presidida pela norueguesa Gro Harlem Brundtland, o relatório de destaca pelas questões sociais relativas às pessoas humanas e o uso e ocupação da terra, acesso à água e serviços sanitários, sociais e educativos, e o crescimento urbano acelerado.

75Cidades sustentáveis. In: GARCIA, Maria. (Coord.). A cidade e seu Estatuto. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. p. 145.

Não se trata de questão fácil e, principalmente quando aplicada às questões urbanas, não será possível falar em políticas sustentáveis sem considerar a desigualdade social e a falta de cuidado com as situações envolvendo a pobreza e o crescimento urbano sem medida e sem atenção a impactos sociais e ambientais, nem sempre medidos nos instrumentos previstos na legislação ambiental e urbanística, sobretudo quando analisados os estudos prévios de impacto ambiental e impacto de vizinhança, cuja aplicação e mediação de resultados é ainda incipiente.

Portanto, uma forma de entender como funciona este preceito e assim poder aplicá-lo com mais eficácia a partir da construção de indicadores que se destinem a medir o conteúdo de sustentabilidade no tocante a dimensões ecológicas e ambientais, inclusive em âmbito urbano, podendo observar: 1) preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis, que podem, sim, ser medidos em áreas urbanizadas também; 2) limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito e realce para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais; 4) o atendimento aos direitos sociais fundamentais; 5) a sustentabilidade das políticas públicas de saneamento ambiental, no sentido de seu alcance e eficiência de atendimento.

Não há um índice de medição, estabelecido pelo consenso entre os setores públicos e privados, de desenvolvimento sustentável, principalmente no tocante à produção do planejamento nas cidades, e especialmente no que se refere aos Planos Diretores e sua execução. Por outro lado, a falta de índice não afasta a busca pelo estado de sustentabilidade, que se encontra como diretriz no sistema normativo, como veremos a seguir.

O conceito de sustentabilidade já poderia ser extraído da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei federal nº 6.938/1981, que dispõe em seu artigo 2º o objetivo da “preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”.

Pós Constituição Federal de 1988 destaca-se: a Política Nacional de Recursos Hídricos, disposta na Lei federal nº 9.433/1997, que impõe a utilização da água, segundo seu artigo 2º, de forma “racional e integrada, incluindo o transporte aquaviário com vistas ao desenvolvimento sustentável”.

Também o Estatuto da Cidade, Lei federal nº 10.257/2001, impõe dentre suas diretrizes de política urbana “a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e as serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações”.

A Lei federal nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico – importante componente básico da função social das cidades – além de outros artigos importantes, prioriza a proteção do ambiente mediante a disponibilidade, nas áreas urbanas, dos serviços de drenagem e manejo de águas pluviais e a articulação com as políticas de desenvolvimento urbano, dispondo em seu artigo 48 a diretriz de “aplicação dos recursos financeiros, de modo a promover o desenvolvimento sustentável, a eficiência e a eficácia.”

Também é importante citar a Lei federal nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança Climática e assume o desenvolvimento sustentável como princípio ao lado dos princípios da precaução, prevenção e da participação.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, disposta na Lei federal nº 12.305/2010, determina o conceito de gestão integrada de resíduos sólidos, como um “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”.

E mais recentemente se destaca o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, criado recentemente pela Lei federal nº 12.587/2012, que estabelece como princípio da Política Nacional de Mobilidade Urbana o “desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais”.

É evidente que esta nova legislação se constitui como uma resposta à degradação ambiental, caracterizada pelo crescimento desordenado nas cidades, mas não é só, pois o crescimento, no contexto urbano, sem planejamento, e sem o apoio sustentável à fixação da população no campo, acompanha o uso irracional de recursos naturais, a degradação ambiental, a poluição e o consumo exagerado, que por sua vez gera o descarte inadequado de resíduos.

É necessário responder a estas questões e estabelecer políticas compatíveis e conciliadoras de uso do solo urbano sem o comprometimento de recursos naturais, neste sentido, as políticas públicas cuja diretriz da “sustentabilidade” está presente se inserem no contexto urbano, desta vez, estabelecendo, com suas diretrizes, deveres a todos.

Mas o conceito de sustentabilidade não está restrito às ações de preservação de recursos e bens ambientais. O conceito também vem sendo utilizado em políticas públicas no sentido de garantir seu sucesso por meio do cumprimento dos objetivos, princípios e diretrizes planejados para estas políticas, bem como sua capacidade de atendimento e adesão pelos beneficiários. O conceito de sustentabilidade recebe, então, outros adjetivos, como econômico, financeiro, social, entre outros, sem, contudo, desprender-se do compromisso

ambiental. É neste paradigma que as políticas habitacionais também inserem o conceito de sustentabilidade. A Lei federal nº 11.124/2005, que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS, objetiva “viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e sustentável” e dispõe como diretriz do Sistema a “sustentabilidade econômica, financeira e social dos programas e projetos”.

As ações de regularização fundiária, por sua vez, têm seus os objetivos elencados na Lei estadual nº 11.977/2009. As medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais promotoras da regularização fundiária devem visar o direito social à moradia adequada, o pleno desenvolvimento das funções da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado em âmbito urbano, consequentemente, as ações de planejamento, intervenção nas cidades e as ações de regularização de assentamentos habitacionais têm diretrizes de sustentabilidade para atender.

Também devem ser incluídos nesta seleção outros dispositivos que reconhecem o desenvolvimento urbano sustentável. A Resolução CONAMA nº 369/2006 considera as áreas de preservação permanente e outros espaços territoriais especialmente protegidos, como instrumentos de relevante interesse ambiental e que integram o desenvolvimento sustentável, objetivo de presentes e futuras gerações. É na Resolução nº 369/2006 que o instrumento da Regularização Fundiária de área urbana ganhou o adjetivo “sustentável”, eis que considerada atividade de interesse social.

Portanto, essencial para o Direito Ambiental, como também essencial para o Direito Urbanístico, o princípio do desenvolvimento sustentável deverá estar comprometido com o desenvolvimento urbano includente. O desenvolvimento da cidade somente poderá ser considerado sustentável se estiver voltado à eliminação da pobreza e à redução das desigualdades sociais com atenção ao meio ambiente equilibrado. Pensar na melhora do meio ambiente significa buscar o pleno atendimento do objetivo constitucional de enfrentar as causas da pobreza, que afeta a maioria da população que vive nas cidades.77 Destaca-se

novamente a importância de indicadores de desenvolvimento sustentável nas cidades, não apenas como medida de garantia da sustentabilidade em si, mas também como meios prioritários de informação, formação ambiental e de gestão democrática.

No caso em estudo, em que se trata da regularização fundiária em áreas de preservação permanente e em mananciais, estes indicadores devem ser pensados, construídos e

77SAULE JÚNIOR , Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 224.

amplamente publicizados nos âmbitos local, quando os impactos se verificam localmente, e regional, quando extrapolam os limites do Município. Neste sentido devem ser objeto de atenção das Regiões Metropolitanas.