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3 A PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

3.3 O RESERVATÓRIO BILLINGS

A Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings é uma sub-bacia da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. Criado artificialmente, o reservatório contém área de 58.280,32 hectares em 582,8 km² e encontra-se localizada na porção sudeste da região metropolitana de São Paulo, fazendo limite, a oeste, com a Bacia Hidrográfica da Guarapiranga e, ao sul, com a Serra do Mar. Sua área de drenagem abrange parcialmente os Municípios de Diadema, Ribeirão Pires, Santo André, São Bernardo do Campo e São Paulo; e integralmente o Município de Rio Grande da Serra.

O espelho d‟água do reservatório contém 10.814 hectares e ocupa cerca de 18% da área total da bacia hidrográfica, por isso é considerado o maior reservatório da região metropolitana de São Paulo, mesmo que seus níveis sejam bastante variáveis. As nascentes estão localizadas na porção sul a leste da Bacia, próximo à Serra do Mar, inserindo-se no domínio da Mata Atlântica.

A Represa Billings é dividida em unidades, denominadas braços, constituindo-se em oito sub-regiões: Rio Grande ou Jurubatuba, separado do corpo central pela barragem da Rodovia Anchieta; Rio Pequeno; Rio Capivari; Rio Pedra Branca; Taquacetuba; Bororé; Cocaia e Alvarenga.

A origem do reservatório remete à década de 1920. A área da represa foi inundada em 1927, com a construção da Barragem da Pedreira. O projeto foi implantado pela empresa Light131 (The São Paulo Tramway, Light and Power Company, Limited), hoje incorporada à Eletropaulo, com o objetivo de aproveitar as águas da Bacia do Alto Tietê, assim como a proximidade e o desnível da Serra do Mar, para geração de energia elétrica na Usina Hidrelétrica de Henry Borden, no Município de Cubatão.

Um dos motivos que justificam a implantação da represa foi o desenvolvimento industrial que marcou esta época, retirando o País da condição de monocultor. Este movimento instalou-se na região sudeste em especial em São Paulo e, aproveitando-se deste momento, a empresa multinacional Light implantou este sistema hidroenergético e termoelétrico132 a partir da Bacia do Alto Tietê. O sistema forneceu energia suficiente que sustentou o desenvolvimento da Região Metropolitana do Estado, que se encontrava em franca expansão.

131A Light marca a presença inglesa neste período, investindo no setor de energia e transporte urbano e ferroviário, favorecida pelas concessões vantajosas oferecidas pelo Estado de São Paulo.

Nos anos 1940, a partir da construção das usinas elevatórias de Pedreira e Traição – também obras da Light – ganha impulso o movimento de desvio das águas dos Rios Tietê e Pinheiros com o intuito de aumentar a vazão da Represa e consequentemente ampliar a capacidade de produção de energia na Usina Henry Borden. Portanto, a represa foi integrada ao complexo sistema de bombeamento das águas do Rio Tietê por meio de um canal do Rio Pinheiros até a represa, daí sendo conduzidas por gravidade à barragem do Rio das Pedras, de onde precipitavam Serra do Mar abaixo em queda de aproximadamente 740 metros para produzir energia elétrica na Usina Henry Borden, situada no Município de Cubatão.133

Esta operação, além de propiciar o aumento de energia elétrica, tornou-se útil na ação de controle de enchentes e de afastamento e efluentes industriais e de esgoto gerado pela cidade de São Paulo, então em acelerado crescimento, mas, por outro lado, gerou graves consequências ambientais no reservatório, acelerando seu processo de degradação, pois a falta de coleta e tratamento de esgotos levou à intensificação da poluição do Rio Tietê e seus efluentes, passando a comprometer as águas da Billings.

A partir de então, nos primeiros anos da década de 1970, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB inicia as operações de remoção da mancha anaeróbica presente na Represa. Mas, fatalmente, a Gestão Pública, responsável pelo encaminhamento da lei de proteção dos mananciais, revela uma contradição, pois ao mesmo tempo em que edita a legislação para preservar os mananciais de grande porte na Região Metropolitana encaminha também decisões cujo escopo compromete o corpo central da Represa, transformando-a em receptora dos esgotos da Região Metropolitana.

Mas o bombeamento continua e em 1982, devido à contaminação de algas potencialmente tóxicas, surge a intercepção do Braço Rio Grande, através da construção da Barragem Anchieta, para garantia de abastecimento de água para a Região do ABC, que se iniciara em 1958.

O bombeamento das águas dos Rios Tietê e Pinheiros foi (e ainda é) alvo de disputas entre ambientalistas – estes pela paralisação do bombeamento –, o Município de São Paulo e as empresas do pólo petroquímico de Cubatão, evidentemente, pela continuidade. A demanda foi pauta da 1ª reunião do Conselho do Meio Ambiente – CONSEMA, então criado pelo Governador Franco Montoro no ano de 1983, mas é somente em 1992, após a inclusão do artigo 46 no Ato das Disposições Transitórias da recém-promulgada Constituição do Estado

133REALI, Mário Wilson Pedreira. A Represa Billings, sua inserção na Região Metropolitana de São Paulo e

os conflitos na sua utilização. 2002. Dissertação (Mestrado em Estruturas Ambientais e Urbanas) ‒ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. p. 64.

de São Paulo, em 1989134, que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente aprova Resolução que restringe o bombeamento às situações emergenciais, dentre as quais a ameaça de enchentes e o risco de diminuição súbita na produção de energia elétrica.

3.3.1 Os conflitos e choque de direitos

Além do conflito existente deste a implantação da Billings, que é o bombeamento do esgoto dos Rios Pinheiros e Tietê, a Billings apresenta outros conflitos ambientais caracterizados pelo uso da terra.

Na região metropolitana as áreas de mananciais resistiram à ocupação humana por se encontrarem relativamente afastadas dos limites periféricos das áreas construídas do meio ambiente urbano. O crescimento da população e das desigualdades de acesso à moradia aliado ao descaso do Estado e carência estrutural dos Municípios mudou em parte o quadro original. Terra barata e fora do mercado, as áreas protegidas mais próximas dos perímetros urbanos foram gradualmente ocupadas por loteamentos informais e favelas quando as outras opções de acesso a lotes informais restaram saturadas.

Em 1996 a população residente na Bacia de Billings era de 716 mil habitantes, estando concentrada respectivamente em São Paulo, São Bernardo do Campo e Ribeirão Pires e Diadema. Com este ritmo de ocupação, além dos outros usos, a área da Billings tem aproximadamente 15% de suas áreas de proteção ocupadas por usos urbanos135 caracterizados em parte por loteamentos irregulares. Trata-se de bairros consolidados, mas em situação irregular, comprometendo a qualidade de vida de seus moradores e a qualidade dos mananciais, considerada a forma como estão implantados. Se do ponto de vista jurídico ainda não são totalmente passíveis de regularização, do ponto de vista social, representam a única alternativa desta parcela da população, uma vez que não houve, e não há alternativas habitacionais – em grande escala – para o atendimento ao direito de moradia.

Como já exposto, as áreas de proteção dos mananciais eram adquiridas para garantia de sua proteção. O rápido processo de expansão urbana, a partir do final de década de 1920, mudou esta prática e as áreas contribuintes dos mananciais deixaram de ser adquiridas por quem explorasse os serviços de saneamento e de produção de energia. Outro fator citado por

134O Artigo 46, da Constituição Paulista dispõe: “No prazo de três anos, a contar da promulgação desta Constituição, ficam os Poderes Públicos Estadual e Municipal obrigados a tomar medidas eficazes para impedir o bombeamento de águas servidas, dejetos e de outras substâncias poluentes para a represa Billings”.

135Neste sentido, WHATELY, Marussia; SANTORO, Paula Freire; TAGNIN Renato Araujo. Contribuições

para a elaboração de leis específicas de mananciais: o exemplo da Billings. São Paulo: Instituto

urbanistas foi o excesso de confiança no tratamento da água com a utilização de cloro. No caso da Billings, as áreas de proteção permanente envoltória do reservatório, pelo fato de estarem fora do mercado (dada sua desvalorização) combinado à legislação sem fiscalização culminaram nos principais fatores do adensamento desordenado, somados aí com a consolidação dos polos industriais na zona sul de São Paulo e no ABC, especialmente em São Bernardo do Campo, que por sua vez estimularam o crescimento dos loteamentos no entorno da Billings, a partir da seguinte combinação: proximidade do emprego, terra acessível, autoconstrução.

Os Municípios não dispunham de meios para complementar a fiscalização sob responsabilidade do Estado e as restrições da legislação de mananciais à ocupação do solo não eram lucrativas aos proprietários dos imóveis. Não aceitando as perdas decorrentes das limitações à propriedade, alguns proprietários passaram a promover parcelamentos ilegais do solo.136

Sobre o descortinamento do problema da ocupação por moradias das áreas de proteção dos mananciais, relata Ana Lúcia Ancona137 que o clima de abertura política incentivou questionamentos em relação à legislação de proteção dos mananciais provenientes de setores externos à comunidade dos sanitaristas, segundo a urbanista, no início da década de 1980, a Prefeitura de São Paulo recomendou uma pesquisa138 sobre a ocupação dos mananciais na Zonal Sul. Para órgãos e pessoas ligadas ao Governo do Estado de São Paulo, a pesquisa teria contribuído para expor conflitos sociais relacionados à legislação de proteção dos mananciais e a demanda habitacional daquele Município. Fato é que estes conflitos estavam presentes desde a publicação da legislação, mas velados – ou desprezados como menos importantes, à espera do desfazimento – nos debates específicos das engenharias energética e sanitária.

As histórias são semelhantes sobre a ocupação e formação dos assentamentos na APRM-B: a gleba ocupada era adquirida por Associação de Moradores e cada adquirente- associado assinava um contrato precário definindo seu lote ou sua fração, que era edificada conforme o tempo, os recursos e a colaboração de amigos. Em outras situações, loteamentos

136BERE, Maria Cláudia. Legislação urbanística: a norma e o fato nas áreas de proteção aos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo. 2005. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) ‒ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade São Paulo, São Paulo, 2005. p. 151.

137Direito Ambiental, direito de quem? Políticas públicas do meio ambiente na metrópole paulista. 2002. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) ‒ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade São Paulo, São Paulo, 2002, pág. 289.

138A pesquisa A cidade invade as águas: qual a questão dos mananciais? Organizada por GROSTEIN, Marta Dora; SÓCRATES, Jodete Rios; TANAKA, Marta Maria Soban, foi publicada em 1985, como edição especial da Revista Sinopses, Universidade de São Paulo.

aprovados nos termos da legislação vigente foram posteriormente desmembrados e ocupados além da densidade e permeabilidade permitidas.

Segundo Cláudia Maria Beré139, diversas ocupações ilegais em mananciais são objeto de investigação em inquéritos civis instaurados pelas Promotorias de Justiça da Habitação e Urbanismo ou de Meio Ambiente. A rigor, estes casos deveriam acarretar o ajuizamento de ações civis públicas contendo pedidos de desocupação das áreas, uma vez que não era permitido o parcelamento do solo nas áreas de 1ª categoria e, nas áreas de 2ª categoria, as ocupações não atendiam aos critérios da lei, seja porque o tamanho dos lotes é inferior a 500 m², seja porque o adensamento é superior ao permitido, seja porque a impermeabilização do solo superou os limites legais. Segundo a autora, a estratégia empregada pelo Ministério Público para promover a desocupação das áreas chegou a ser tentada, mas houve uma resistência do judiciário em determinar as desocupações, visto que estas decisões acarretariam um grande problema social a partir do desalojamento da população culminando na improcedência das ações.

Contudo, a privação de infraestrutura e serviços básicos nos assentamentos era latente e, como exposto, até a autorização concedida pelos planos emergenciais, conforme a Lei estadual nº 9.866/1997, estes assentamentos careciam de luz elétrica, coleta de esgoto, abastecimento de água potável e outros serviços. As medidas emergenciais foram buscadas para promover a proteção dos mananciais, e além destas, outras exigências foram colocadas em prática, como o congelamento das ocupações, a permeabilização do solo, a aquisição de áreas de compensação e o tratamento de esgotos, medidas estas que inicialmente foram combatidas por contrariarem dispositivos das leis estaduais de proteção dos mananciais, mas que tiveram que ser colocadas em prática em vista da proteção dos mananciais e também – o que não foi dito, mas é patente – como forma de proteger a vida e a dignidade dos moradores daqueles assentamentos.

Atualmente vivem na Bacia da Represa Billings cerca de 1.600.000 pessoas vivendo em áreas mais adensadas, estimadas em 7,5% da ocupação, e menos adensadas, estimadas em 4,5% da ocupação.140

139Legislação urbanística: a norma e o fato nas áreas de proteção aos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo. 2005. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) ‒ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade São Paulo, São Paulo, 2005, pág. 46

140SÃO PAULO. Elaboração do Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental da Bacia Hidrográfica da APRM DO Reservatório Billings. Relatório Final, ago. 2011. Disponível em:

<http://www.ambiente.sp.gov.br/wp/pactodasaguas/files/2011/10/Apresentacao-PDPA-B-MarciaNascimento- 081211.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2012.

3.4 A LEI ESPECÍFICA DA BILLINGS: aspectos, as questões envolvendo sua aplicação e