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3 A PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

3.1 A LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DOS MANANCIAIS

3.1.1 As leis específicas das APRMs

A legislação específica decorre de mandamento da Lei estadual nº 9.866/1997. As leis específicas visam prioritariamente estabelecer diretrizes e normas para a proteção e recuperação da qualidade ambiental das bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional para o abastecimento das populações atuais e futuras do Estado de São Paulo, assegurados outros múltiplos, desde que compatíveis.

Os objetivos da legislação específica estão norteados pelas diretrizes da Lei estadual nº 9.866/1997, e caracterizam-se: no planejamento e a gestão da sub-bacia, cujo instrumento será o Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental – PDPA; nas áreas de intervenção, diretrizes, parâmetros de planejamento e gestão; normas para implantação de infraestrutura de saneamento ambiental; nas diretrizes de parcelamento, uso e ocupação do solo; no Sistema Gerencial de Informações – SGI; no modelo de correlação do uso do solo e qualidade da água (MQUAL); no licenciamento, regularização, compensação e fiscalização das atividades, caracterizados por empreendimentos, parcelamento, uso e ocupação do solo; as imposições de penalidades decorrentes de infrações às leis; e a articulação das normas aos Planos Diretores dos Municípios envolvidos.

Como exposto, e conforme artigos 12 e seguintes da Lei estadual nº 9.866/1997, foi estabelecida para as APRMs a aplicação de dispositivos normativos de proteção, recuperação e preservação dos mananciais e para a implementação de políticas públicas, criando as seguintes áreas de intervenção: ARO – Área de Restrição à Ocupação; AOD – Área de Ocupação Dirigida e ARA – Área de Recuperação Ambiental aplicáveis às leis específicas.

As ARO são as áreas de preservação permanente, de interesse para a proteção dos mananciais e para preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais. As AOD são áreas de interesse para consolidação ou implantação de usos rurais e urbanos, desde que atendidos os requisitos que garantam a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento das populações atuais e futuras, e, finalmente, as ARA são áreas de recuperação ambiental cujos usos estejam comprometendo a fluidez, potabilidade, quantidade e qualidade dos mananciais de abastecimento público e que necessitem de intervenção de caráter corretivo. Uma particularidade da ARA é que esta área, após comprovada sua recuperação, é reenquadrada em ARO ou AOD. A comprovação da recuperação é dada pelo Relatório da Situação da Qualidade da APRM e o reenquadramento realizado no PDPA da sub-bacia.

Devem as leis específicas organizar instrumentos para regularização fundiária sustentável articulados à legislação municipal. É uma forma saudável de equacionar os problemas do manancial, porque impõem mecanismos de regulação do parcelamento do solo e ao mesmo tempo condições para a recuperação de áreas degradadas visando a preservação e a proteção dos mananciais.

Outro objetivo importante das leis específicas é permitir a repartição de recursos decorrentes da cobrança pelo uso da água entre as bacias para sua conservação, proteção e recuperação. A cobrança pelo uso da água está disposta na Lei estadual nº 12.183/2005, e a URGHI – Alto Tietê, onde se inserem as sub-bacias da Billings e Guarapiranga, encontra-se em processo de implantação do sistema de cobrança.119

Ainda sobre o papel das leis específicas, vale trazer o entendimento das urbanistas Paula Freire Santoro e Marussia Whately:

Dentre as diretrizes e normas ambientais e urbanísticas de interesse regional, a Lei Específica deve tratar das condições para a implantação operação e manutenção dos sistemas de coleta, transporte, tratamento e disposição e efluentes líquidos (esgoto) e resíduos sólidos. Isso é muito importante porque a Lei Estadual 1.172/76 proibia o lançamento de esgotos nas áreas de proteção de mananciais obrigando a sua exportação, fato que não ocorreu até hoje e que contribui para a irregularidade e precariedade das ocupações urbanas. Cabe ressaltar que essas características são comuns à toda a periferia paulistana, e não apenas às áreas de mananciais. A Lei específica deve apontar ainda os instrumentos para garantir a proteção das áreas preservadas e/ou ambientalmente frágeis, como as de preservação permanente (APP), assim como formas de recuperar áreas degradadas visando a produção de água para o abastecimento público.120

A Sub-bacia Guarapiranga ou APRM-G foi pioneira. Recebeu sua lei específica em 2006, Lei estadual nº 12.233/2006 e Decreto nº 51.686/2007, estabelecendo três áreas de intervenção: Área de Restrição à Ocupação (ARO), Área de Restrição Ambiental (ARA) e Área de Ocupação Dirigida (AOD). Nota-se, com as definições das áreas de intervenção estabelecidas, já pela Lei estadual nº 9.866/1997, que as classificações dadas pela legislação de proteção dos mananciais (Leis estaduais nºs 898/1975 e 1.172/1976), como áreas de primeira e segunda categoria deixam de ser utilizadas para planejamento das intervenções.

Entretanto, uma crítica à lei específica da APMR-G em 2008 é a dificuldade de sua implementação, seja em virtude da baixa adesão dos Municípios em compatibilizar a

119Segundo informação obtida em: COBRANÇA pelo uso dos recursos hídricos. Secretaria do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.sigrh.sp.gov.br/sigrh/cobranca/panorama.html>. Acesso em: 12 fev. 2012.

120Minuta de lei específica para a Billings: uma lei de expansão urbana ou de proteção ambiental? In: WHATELY, Marussia; SANTORO, Paula Freire; FERRARA, Luciana Nicolau. Mananciais: diagnósticos e políticas habitacionais. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008. p. 163.

legislação municipal à lei específica121, seja pelo atraso na elaboração do Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental (PDPA).

A Sub-bacia Billings APRM-B recebeu a lei específica em 2009122, Lei estadual nº 13.579/2009 e Decreto nº 55.342/2010. Além das áreas de intervenção tal como previstas na APRM-G, ARO, ARA e AOD, a lei específica da Billings incluiu a Área de Estruturação Ambiental do Rodoanel (AER) face à incidência deste viário na APRM-B. As especificidades da lei específica da APRM-B serão tratadas adiante quando forem tratados os aspectos da Represa Billings e os conflitos de sua utilização.

O papel da legislação específica é garantir diretrizes a partir de um macrozoneamento composto por três áreas de intervenção. A compatibilização dos planos diretores e da legislação ambiental municipal às leis específicas é fundamental para aplicação dos instrumentos de regularização fundiária pelo Município.

Alguns exemplos podem ser extraídos dos Planos Diretores vigentes. Municípios como São Bernardo123 e Santo André124, por exemplo, já revisaram seus Planos Diretores adequando-os à lei específica da APRM-Billings. O Município de São Paulo, embora não tenha revisado seu Plano Diretor em consonância às leis específicas, produziu seu Plano

121Como exceção, o Município de São Paulo, ao aprovar seu Plano Diretor (Lei municipal nº 13.430 de 2002) vai dispor como zoneamento compatível às áreas de proteção e recuperação dos mananciais as ZEIS 4 - glebas ou terrenos não edificados e adequados à urbanização, localizados em áreas de proteção aos mananciais, ou de proteção ambiental, localizados na Macroárea de Conservação e Recuperação, definidos no artigo 153 desta lei, destinados a projetos de Habitação de Interesse Social promovidos pelo Poder Público, com controle ambiental, para o atendimento habitacional de famílias removidas de áreas de risco e de preservação permanente, ou ao desadensamento de assentamentos populares definidos como ZEIS 1 por meio desta lei, ou dos planos regionais ou de lei, e situados na mesma sub-bacia hidrográfica objeto de Lei de Proteção e Recuperação dos Mananciais. Na lei de uso e ocupação do solo (Lei nº 13.885 de 2002) dispõe às ZEIS 4, o parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como os planos de urbanização, que deverão observar a legislação estadual pertinente e, quando houver, as Leis Específicas das Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais, aplicando-se no que couber as disposições estabelecidas nesta lei para as ZEIS 2 e vedadas a ultrapassagem do gabarito de 9 (nove) metros e do coeficiente de aproveitamento básico para qualquer edificação.

122Outras leis específicas estão tramitando junto à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Projeto de Lei nº 272/2010, que dispõe sobre os limites da Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais do Alto Juquery - APRM-AJ, e dá providências correlatas. Conforme Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Disponível em:

<http://www.al.sp.gov.br/portal/site/Internet/BuscaSPL/?vgnextoid=edf5230a03a67110VgnVCM100000590014 acRCRD>. Acesso em: 25 fev. 2012.

123O Município de São Bernardo do Campo revisou seu Plano Diretor. A Lei municipal nº 6.184 de 2011, compatibiliza as disposições da Lei Específica da Billings, este ponto será melhor detalhado no estudo de caso inserido nos sub-capítulos seguintes.

124O Plano Diretor de Santo André, Lei municipal nº 9.394 de 2012 dispõe: Art. 35. O art. 32 da Lei nº 8.696, de 17 de dezembro de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 32. A Macrozona de Proteção Ambiental tem como objetivos: I - garantir a produção de água e a proteção dos recursos naturais; II - recuperar as áreas ambientalmente degradadas; III - promover a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos existentes; IV - viabilizar o desenvolvimento econômico sustentável; V - promover infraestrutura ecológica e de alta durabilidade nos bairros e ocupações regulares, transformando-os em bairros ecológicos”.

Municipal de Habitação de Interesse Social nas quais as unidades de planejamento das ações habitacionais coincidem com as sub-bacias hidrográficas do Município.125