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Instrumentos aplicáveis à regularização fundiária de interesse social em áreas de

2 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL

2.2 NORMAS E CONCEPÇÕES APLICÁVEIS À REGULARIZAÇÃO

2.2.1 Instrumentos aplicáveis à regularização fundiária de interesse social em áreas de

A possibilidade legal de regularização integrada e de interesse social de loteamentos irregulares e informais com incidências ambientais caracterizadas pelas ocupações de faixas de áreas de preservação permanente era, até o ano 2009, praticamente inexistente, havendo também uma intensa discussão acerca de sua legitimidade, promovida por urbanistas e ambientalistas.

Inobstante o desacordo, o respeito ao direito à moradia das populações vivendo nestas áreas foi inserido na Medida Provisória nº 2.220/2001, neste sentido facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia se o imóvel cuja concessão requerida for área de preservação ambiental e proteção de ecossistemas naturais.

Em 2006 foi publicada a Resolução CONAMA nº 369, produzida a partir de um acordo entre ambientalistas e urbanistas. É importante ater-se ao que dispõe a Resolução. A CONAMA nº 369 dispõe sobre a regularização fundiária de interesse social, em seção denominada “Da regularização fundiária sustentável em área urbana”, que estabelece o conceito de ocupação consolidada.

Mas a Lei federal nº 11.977/2009 também trouxe disposições para a interação entre a legislação urbanística e ambiental e a solução para os assentamentos consolidados em áreas de proteção permanente. Inicialmente, ao dispor sobre o procedimento de regularização fundiária, a referida lei atribui dimensão da proteção ambiental às medidas de regularização, e vincula ao plano de regularização fundiária as medidas necessárias de promoção e de sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei.

A inovação legal em termos de conciliação entre meio ambiente e moradia urbana é que se o assentamento estiver em área de preservação permanente, a regularização fundiária de interesse social é possível desde que estudo técnico comprove que a regularização implica em melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior. Esta medida é aplicável somente nos casos de regularização de assentamentos de interesse social de áreas ocupadas até 31 de dezembro de 2007, e não se aplica à Regularização

Fundiária específica, cuja regularização, caso a área interfira em APP, depende de licença ambiental e fica sujeita a compensações ambientais e urbanísticas.

Neste sentido, a regularização fundiária sustentável de área urbana, estabelecido pela Resolução CONAMA nº 369, aplicável em ZEIS102, em relação às disposições da Lei federal nº 11.977/2009 trazem diferenças de procedimento: a) marco temporal diverso, eis que a Lei federal admite a regularização fundiária de interesse social em APP ocupadas até 31 de dezembro de 2007, enquanto a Resolução nº 369 autoriza a intervenção ou supressão de vegetação em APP para regularização fundiária sustentável de área urbana de ocupações de baixa renda, predominantemente residenciais consolidadas até 10 de julho de 2001; b) o entendimento de ocupação consolidada. Neste sentido, enquanto a CONAMA nº 369 estabelece que a área possua três itens dispostos em seu artigo 9º, inciso III, que se referem à implantação de infraestrutura, a Lei federal nº 11.977/2009 exige a existência de ao menos dois equipamentos de infraestrutura implantados. Estes equipamentos de infraestrutura, a saber, são malha viária, drenagem de águas pluviais urbanas, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, limpeza urbana e distribuição de energia.

A noção de ocupação consolidada também tem destaque na Lei federal nº 11.977/2009, onde a noção de área consolidada é critério para priorização de atendimento, implantação de empreendimentos vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida (artigo 3º, §1º, I), na requalificação de imóveis (artigo 30, II) e conceitual para os efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, neste sentido para área urbana

consolidada.

Quanto à observância de faixa mínima de preservação, a Lei federal nº 11.977/2009 não estabelece faixa mínima de preservação, tratando da ocupação da APP de forma genérica. Por sua vez a CONAMA nº 369 estabelece faixas mínimas nas margens de cursos de água, entorno de lagos, lagoas e reservatórios artificiais, conforme incisos I e III, alínea “a”, do artigo 3º, da Resolução CONAMA nº 303 (que tratam de cursos de água, lagos e lagoas naturais em área urbana para os quais são estabelecidos 30 metros de APP) e inciso I, do artigo 3º, da Resolução CONAMA nº 302 (que estabelece faixa de 30 metros da APP reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais), devendo, a partir da Resolução nº 369, ser respeitadas faixas mínimas de 15 metros

102Inobstante o inciso I do artigo 9º, que prevê as hipóteses de intervenção em áreas ocupadas por população de baixa renda e em ZEIS, adota-se o § 3º do mesmo artigo, que dispõe que as áreas objeto do Plano de Regularização Fundiária Sustentável devem estar previstas na legislação municipal que disciplina o uso e a ocupação do solo como Zonas Especiais de Interesse Social, tendo regime urbanístico específico para habitação popular, nos termos do disposto na Lei federal nº 10.257/2001.

para cursos de água de até 50 metros de largura e faixas mínimas de 50 metros para os demais. A redação do § 1º deste mesmo artigo 9º da Resolução nº 369 supõe que as restrições impostas poderão ser reduzidas por decisão motivada pelo órgão ambiental competente que ainda poderá estabelecer critérios ante a necessidade de melhorias ambientais locais.

Com relação à competência para autorizar a intervenção em APP e instrumentos, a Lei federal nº 11.977/2009 confere ao Município, prioritariamente, ou ao Estado (caso o Município não apresente condições para promoção do licenciamento ambiental), competência para admitir a regularização fundiária de interesse social – não necessariamente em áreas demarcadas como ZEIS – de assentamentos inseridos em Áreas de Preservação situadas em perímetro urbano, ocupadas até 31 de dezembro de 2007, desde que o estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.

O Estudo Técnico deverá minimamente conter a caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada; a especificação dos sistemas de saneamento básico; a proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações; a recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando foi o caso; a comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e a garantia de acesso público às praias e aos corpos d‟água, quando for o caso.

A Resolução nº 369 CONAMA, por sua vez, estabelece o Plano de Regularização Fundiária Sustentável, que minimamente deve conter: o levantamento da sub-bacia em que estiver inserida a APP, identificando passivos e fragilidades ambientais, restrições e potencialidades, unidades de conservação, áreas de proteção de mananciais, sejam águas superficiais ou subterrâneas; caracterização físico-ambiental, social, cultural, econômica e avaliação dos recursos e riscos ambientais, bem como da ocupação, consolidada existente na área; especificação dos sistemas de infraestrutura urbana, saneamento básico, coleta e destinação de resíduos, outros serviços e equipamentos públicos, áreas verdes com espaços livres e vegetados com espécies nativas que favoreçam a infiltração de águas de chuva e contribuam com a recarga de aquíferos; indicação das faixas ou áreas que, em função dos condicionantes físicos ambientais, devam resguardar as características típicas da APP, respeitadas as faixas mínimas definidas na resolução; identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco; medidas necessárias

para a preservação, a conservação e a recuperação da APP não passível de regularização nos termos da resolução; comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano- ambiental e de habitabilidade dos moradores; garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos de água; e realização de audiência pública.

Neste ponto verifica-se que, no tocante ao estabelecimento de plano ambiental em regularização fundiária, a Resolução CONAMA nº 369 e a Lei federal nº 11.977/2009 têm o mesmo entendimento, ou seja, de que os aspectos da área e as medidas ambientais devem compor o Plano de Regularização fundiária. Isso pode ser considerado um avanço, porque, até a publicação da CONAMA, a possibilidade de dispor medidas ambientais e urbanísticas num mesmo plano era inédita.

Contudo, a Resolução CONAMA nº 369 não acumula experiências de aplicação, neste sentido, é difícil fazer uma comparação entre a resolução e a lei federal. A urbanista Rosana Denaldi fez uma avaliação sobre a aplicação da resolução em 2008, segundo a urbanista:

[...] a Resolução não é aplicada porque existe muita resistência à sua aplicação. O Governo do Estado de São Paulo não estava aplicando, ou seja, não estava analisando e aprovando o “Plano de Regularização Fundiária Sustentável”. O setor de Meio Ambiente do Estado de São Paulo autoriza a execução de obras viárias e de saneamento em APPs, mas entende que não deveria aprovar o “Plano de Regularização Fundiária Sustentável”. Conclui-se que a maioria dos Municípios não tem ainda esta atribuição, competência, e que o Governo do Estado não deseja tê-la. O Governo do Estado de São Paulo tem estimulado a municipalização do licenciamento e tem respondido da seguinte forma: “Quem tem de tratar de regularização é o Município. Os Municípios que se apressem e que firmem convênio com o Estado para promover o licenciamento ambiental e aplicar a Resolução CONAMA”.103

Quando então a Lei federal nº 11.977/2009 promove a simplificação do processo de aprovação da regularização fundiária de interesse social ao reunir no mesmo procedimento o licenciamento urbanístico e ambiental, no âmbito municipal, porém estabelecendo que o Município tenha Conselho de Meio Ambiente e Órgão Ambiental capacitado, em consonância à Política Nacional de Meio Ambiente, verifica-se que ela supre uma carência imposta pela CONAMA que advém da indefinição sobre a competência para autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP.

Logo, a análise da urbanista sobre o problema de aplicação da CONAMA nº 369 no Estado de São Paulo faz todo sentido quando se verifica que somente em 2009 foi autorizado

103O tratamento da regularização fundiária na revisão da lei de parcelamento do solo urbano - aspectos urbanísticos. In: SAULE JÚNIOR, Nelson. (Org.). A perspectiva do direito à cidade e a reforma urbana na

pelo CONSEMA a descentralização do licenciamento ambiental104, incluídas as intervenções em APP.

Neste sentido, e em virtude da publicação da Lei federal nº 11.977/2009, verifica-se que na regularização fundiária de interesse social é a norma geral estabelecida pelo seu artigo 54 da lei que deve ser aplicada. E nem há que se falar sobre conflito de disposições. E mesmo que fosse, como critérios de solução aplicáveis para as questões de antinomia levantadas em virtude da possibilidade de intervenção nas APP com finalidade de promover a regularização fundiária de interesse social, é importante verificar que: enquanto i) critério hierárquico, a Lei federal nº 11.977/2009 está no mesmo grau de hierarquia do Código Florestal e em hierarquia superior às resoluções do CONAMA; ii) aplicado critério cronológico, a Lei federal nº 11.977/2009 é cronologicamente mais recente que a Lei federal nº 6.766/1979 e a derroga no tocante à regularização fundiária de assentamentos em áreas urbanas; e, finalmente, iii) quanto ao critério da especialidade, a Lei federal nº 11.977/2009 trata com especialidade a