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3 A PROTEÇÃO AOS MANANCIAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO

3.2 COMPETÊNCIAS PARA PROTEÇÃO DOS MANANCIAIS

Um acórdão do Supremo Tribunal Federal dispondo sobre as Leis de Proteção dos Mananciais foi publicado em agosto de 1979.126 Uma representação do Procurador da República arguiu a inconstitucionalidade do parágrafo único, do artigo 5º e item IV, do artigo 11, da Lei estadual nº 898/1975 e item I, do artigo 2º, artigo 8º e seus parágrafos e itens I, III e V, do artigo 9º, da Lei estadual nº 1.172/1976, entendendo que os artigos invadem a competência privativa da União, segundo o artigo 8º, inciso XV, letra b, e inciso XVII, letra I, da Constituição de 1967, eis que tais artigos disciplinavam o uso e qualidade da água. Resumidamente, insurgiu-se a União uma vez que o Estado, ao colocar em virtude da legislação, em posição secundária a geração de energia destinando prioritariamente às águas dos mananciais, cursos e reservatórios de água ao abastecimento público, feriu claramente o disposto constitucional, bem como preceito do parágrafo 1º, do artigo 29, do Código de Águas, e o Decreto federal nº 24.643/1934. O voto do relator, Ministro Cordeiro Guerra, assevera:

Assim sendo, forçoso será admitir que as normas da legislação paulista, objeto da presente representação, ao disciplinarem a utilização aos mananciais, cursos, reservatórios e demais recursos hídricos existentes no Estado, invadiram o campo de competência legislativa da União, violando, consequentemente, a Constituição, bem como o estabelecerem prioridades diversas das finalidades reconhecidas pela Constituição Federal, com elas conflitam, e não podem subsistir.

A citação do acórdão é válida para o entendimento sobre a competência estadual relativa à matéria, conforme exposto. A competência legislativa sobre as águas é privativa da União. A Constituição Federal de 1988 reserva à União competência para instituir o Sistema Nacional de gerenciamento de Recursos Hídricos e definir critérios de outorga de Direitos de seu uso, bem como instituir diretrizes para o Saneamento Básico, e promover a defesa permanente contra calamidades públicas, como as secas e inundações, artigo 21, incisos VIII,

125O Plano Municipal de Habitação de Interesse Social Município de São Paulo - PMH 2009-2024, versão para debate, disponível em <http://www.habisp.inf.br>, acessado em 01 de fevereiro de 2012, estabelece em linhas gerais, p. 07, que sua metodologia: “Propõe ações que visam equacionar as questões habitacionais em São Paulo entre 2009 e 2004. As propostas apresentam as sub-bacias hidrográficas da cidade como unidade de planejamento para articular os programas habitacionais com as ações públicas de outros setores. Essa articulação se dá em perímetros de ação integrada.

126A Representação 1.007 perante o Supremo Tribunal Federal, com acórdão publicado em 20 de agosto de 1979, cujo representante foi o Procurador-Geral da República e a Representada Assembleia Legislativa do Estado.

XIX e XX. É reservada à União a competência privativa para legislar sobre águas e energia, artigo 22, IV, assegurando aos Estados e Municípios a participação nos resultados da exploração, artigo 20, § 1º.

José Afonso da Silva127 expõe que as Constituições do Estado não se omitiram na consideração da matéria envolvendo competência legislativa da União. Segundo o autor, fundados na competência comum dos Estados para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, artigo 23, VI, e na competência para legislar concorrentemente sobre a proteção do meio ambiente e controle da poluição, artigo 24, VI, também quanto à responsabilidade por dano ao meio ambiente, artigo 24, VIII, os constituintes estaduais inseriram nas suas respectivas constituições capítulos desenvolvidos sobre a matéria. É o caso da Constituição do Estado de São Paulo, que preceitua que o Estado instituirá, por lei, o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos 128 ,

congregando órgãos estaduais e municipais e a sociedade civil propondo assegurar meios financeiros e institucionais para a utilização das águas superficiais e subterrâneas e sua prioridade para ao abastecimento às populações protegendo e conservando as águas e prevenindo efeitos adversos, como exposto.

Neste sentido, o autor conclui que a normatividade dos Estados sobre as águas depende, porém, do que dispuser a lei federal, a quem cabe definir os padrões de qualidade e critérios de classificação das águas dos rios, lagos, lagoas etc., não podendo os Estados estabelecer condições diferentes para cada classe de água, nem inovar no que concerne ao sistema de classificação, nem sobre critérios de uso.

A água é um recurso ambiental e bem jurídico fundamental para a integridade do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Legislar, portanto, sobre a proteção do meio ambiente, incluindo a proteção dos recursos hídricos, compete concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, cabendo aos Municípios suplementar a legislação, conforme disposto nos artigos 24, IV e 30, II, da Constituição Federal. Mas à União recai a competência para legislar normas gerais acerca dos recursos hídricos. No tocante à competência material, segundo o

127Direito Ambiental Constitucional. São Paulo, Malheiros, 2011. p. 129.

128Dispõe a Constituição do Estado, no artigo 205 – “O Estado instituirá, por lei, sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, congregando órgãos estaduais e municipais e a sociedade civil, e assegurará meios financeiros e institucionais para: I - a utilização racional das águas superficiais e subterrâneas e sua prioridade para abastecimento às populações; II - o aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos e o rateio dos custos das respectivas obras, na forma da lei; III - a proteção das águas contra ações que possam comprometer o seu uso atual e futuro; IV - a defesa contra eventos críticos, que ofereçam riscos à saúde e segurança públicas e prejuízos econômicos ou sociais; V - a celebração de convênios com os Municípios, para a gestão, por estes, das águas de interesse exclusivamente local; VI - a gestão descentralizada, participativa e integrada em relação aos demais recursos naturais e às peculiaridades da respectiva bacia hidrográfica; VII - o desenvolvimento do transporte hidroviário e seu aproveitamento econômico”.

autor, o raciocínio deve ser o mesmo, neste sentido “tutela-se o bem ambiental na medida em que se tutelam os recursos ambientais”.

Não parece haver, portanto, divergência entre autores sobre a competência em matéria da proteção dos mananciais, havendo clareza sobre a atribuição exclusiva da União no tocante ao uso do recurso hídrico e aos Estados e Município no tocante ao controle da poluição.

Contudo, e na proteção em âmbito local, há que se considerar que cabe aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano (artigo 30, inciso VIII). A Lei estadual nº 9.866/1997, por seu turno, estabelece que nas APRMs (Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais), as diretrizes e normas ambientais e urbanísticas de interesse regional serão criadas por lei estadual (artigo 18). Ocorre que na maioria dos casos os limites das bacias e de sub-bacias não coincidem com os limites municipais – inclusive porque o eixo de rios é usualmente utilizado como limite municipal. Assim, a compartimentação geográfica e a compartimentação político-administrativa não coincidem, criando alguns impasses de competência e dificultando a ação regulatória e de fiscalização.129

Os Estados, como exposto, detêm competência para legislar sobre Direito Urbanístico, neste sentido, conforme José Afonso da Silva, lhes é dada a possibilidade de estabelecer normas de coordenação dos planos urbanísticos no nível de suas regiões, além de sua expressa competência para estabelecer regiões metropolitanas, reafirmada no artigo 4º I, do Estatuto da Cidade, mas também alerta:

A política urbana de Estados-membros, portanto, deverá desempenhar um papel estratégico na promoção e no desenvolvimento harmônico de todo o território e responder aos estímulos e exigências do desenvolvimento estadual e nacional. Deve, ainda, possibilitar um quadro de vida que permita ao Homem usufruir de todos os benefícios da vida urbana e envolver os cidadãos e instituições no processo de desenvolvimento urbano e regional, uma vez que a condução do trabalho urbano é tarefa comum a todos. Deverá ainda ser um elo entre o máximo de promoção do desenvolvimento econômico e social e urbano nacional e o máximo de planejamento físico-territorial dos Municípios, a fim de, conjugando os dois elementos em seus extremos institucionais, contribuir decisivamente para a realização daquele sentido vertical-horizontal de um planejamento urbanístico estrutural [...].130

A legislação estadual específica de mananciais, portanto, e segundo as notas de José Afonso da Silva, estaria inserida na classe de plano urbanístico especial, uma vez que se traduz na delimitação de uma área supramunicipal, submetida a diretrizes e determinadas

129Neste sentido, MARTINS, Maria Lucia Refinetti. Moradia e mananciais: tensão e diálogo na metrópole. São Paulo: FAUUSP; FAPESP, 2006. p. 26.

limitações visando a tutela do meio ambiente e a proteção dos mananciais assim como de suas margens.

Trata-se portanto de uma questão de acerto os limites, relativamente à competência municipal, quando se trata da ordenação do solo urbano metropolitano, na medida em que maior competência é atribuída ao Município, em virtude, inclusive, dos instrumentos tratados neste trabalho, que são os Estudos Ambientais e os Planos de Intervenção dispostos na Legislação Estadual de intervenção nas áreas de proteção e recuperação dos mananciais. A responsabilidade do Município é maior no estabelecimento de critérios de análise e decisão no tocante aos processos de regularização fundiária de interesse social em áreas protegidas. Por outro lado cabe ao Estado todo apoio necessário na harmonização dos interesse metropolitanos e municipais. Neste sentido cabe total apoio do órgão de gestão metropolitana na forma de subsídios e estudos articulados entre os Municípios para que estes bem desempenhem suas atribuições.

Retomando a Lei Complementar nº 140/2011 e quanto à aplicação desta lei nos licenciamentos envolvendo atividades na sub-bacia da Billings, verifica-se que os Municípios inseridos na sub-bacia não podem mais se furtar de disciplinar dispositivos de sua proteção em suas Políticas Municipais de Meio Ambiente, assim como não podem deixar de emitir informações sobre as condições ambientais da Bacia em seus territórios. Se era este o componente que faltava para que os Municípios assumissem o papel de gestores das políticas locais de proteção ao meio ambiente, a deficiência esta sanada.

Talvez esteja ainda faltando uma linha, ou um sistema de repasse para o recebimento de recursos da União e dos Estados para que os Municípios possam executar políticas de proteção e educação ambiental. Neste sentido, bem poderia a Lei Complementar ter estabelecido algo a respeito. Hoje, todos os recursos relativos à proteção dos mananciais da Billings, sejam estes oriundos de compensação, sejam oriundos de outras rubricas, são canalizados para o FEHIDRO, criado pela Lei estadual nº 9.866/1997. É salutar que tendo os Municípios constituído suas políticas de meio ambiente possam também dispor dos recursos do FEHIDRO para a realização de ações de proteção e regularização nas bacias inseridas em seus territórios.