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FASE 1 – O início das experiências práticas de Economia Solidária e do seu campo

CAPÍTULO 1 – O PANO DE FUNDO DA TESE: A ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA

1.1. FASE 1 – O início das experiências práticas de Economia Solidária e do seu campo

Segundo Lechat (2004, p.27), para se tornar uma problemática relevante no país, a Economia Solidária teve que aparecer como um setor próprio e “digno de interesse específico”, bem como precisou ser nomeada e construída como um objeto de pesquisa.

Os estudos da autora (ibid.) apontam que as iniciativas da Economia Solidária ficaram conhecidas no Brasil antes que suas categorias fossem estudadas na Europa. Ao buscar as primeiras referências nas publicações brasileiras e latino-americanas, a autora encontrou a Revista “Estudos Avançados”, que publicou o Programa Nacional de Solidariedade no México no ano de 1992. Também encontrou o livro organizado por Moacir Gadotti com o texto do sociólogo chileno Luís

Razetto sobre o tema, no ano de 1993. Com essa mesma data, localizou ainda textos que faziam referencias às Cooperativas Agrícolas Brasileiras organizadas em parceria com a Confederação latino-americana de cooperativas e mutuais de trabalhadores – COLACOR, com sede em Bogotá – Colômbia. Lechat (2004) também identificou o termo Economia Solidária como título do projeto de uma cooperativa do Rio Grande do Sul, datando de 1993.

Contudo, as primeiras referências da ES resultam de movimentos de trabalhadores e trabalhadoras, junto a Sindicatos e apoiadores, que começaram a reagir ao desemprego em massa diante do fechamento de muitas empresas, bem como diante de uma série de mudanças na organização do trabalho no início dos anos de 1990.

As alterações no mundo do trabalho em nível mundial advêm de uma série de mudanças na organização do trabalho iniciadas já no fordismo-taylorismo 12, mas que atingiram sua amplitude a partir da reestruturação produtiva, impulsionada pelas políticas neoliberais e pelos processos de globalização que se seguiram à crise do pacto fordista 13. Também são reflexos do desenvolvimento

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O Fordismo foi idealizado nos Estados Unidos, no pós-Segunda Guerra Mundial. Pautado nas técnicas e nos processos de padronização da produção de Frederick Taylor, Ford aperfeiçoou a sua linha de montagem por meio de máquinas e grandes instalações que pouco exigia em qualificação dos trabalhadores, obtendo automóveis mais simples e acessíveis. A ideia principal era maior produção em menor tempo, por meio da racionalização da divisão do trabalho e das novas tecnologias. Para Harvey (1999), a produção de massa do fordismo também significava consumo de massa, por isso deve ser visto como um modo de vida total e não apenas como um sistema de produção.

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da microeletrônica e das tecnologias da informação que se expandiram na década de 1980.

Em meados da década de 1970 houve uma saturação do mercado interno dos países centrais, com baixa na produtividade e lucratividade, aceleração da inflação e competição internacional. Em consequência, este foi o período de enfraquecimento e crise do fordismo. A partir disto revela-se uma fase denominada de fim do “pleno emprego” em que grande quantidade de pessoas ficou sem trabalho. Paralelamente iniciou-se um processo de diminuição e/ou perda dos direitos trabalhistas por parte dos trabalhadores assalariados com contrato de trabalho.

Assim, estavam dados os elementos para a reestruturação produtiva e acumulação flexível 14 do capital, marcando o novo cenário do mercado de trabalho. Trata-se de um processo de reorganização do capital e de seu sistema político e ideológico de dominação, os quais implementaram novos mecanismos, tais como, a exigência de um trabalhador polivalente, participativo, qualificado e flexível; um trabalhador moderno e diferente do trabalhador assalariado do fordismo (CASTEL, 2005; HIRATA, 2001-2002; LEITE, 2009-b).

Cabe destacar a situação do trabalho de alguns grupos específicos nesse contexto, em especial o das mulheres, visto que o cenário de precariedade trouxe uma situação contraditória para o trabalho delas. Segundo Hirata (2001-2002), de um lado, a intensificação da concorrência internacional teve por consequência um aumento do emprego e do trabalho remunerado das mulheres ao nível mundial, com a exceção apenas da África subsaariana. Por outro lado, essa participação se traduz principalmente em empregos precários, mal remunerados e destituídos, em sua maioria, de direitos trabalhistas, como tem sido o caso da Ásia, Europa e América Latina.

Este cenário, por sua vez, vem reforçando a divisão sexual do trabalho, por meio de múltiplas formas de exclusão. Seja a exclusão de trabalhadoras do setor formal, seja pela desigualdade entre homens e mulheres nos locais de trabalho e em termos de salários, condições de trabalhadores organizados representados pelos sindicatos - responsável pela formação de uma “consciência operária” na luta por direitos advindos do trabalho; 2) Estado de bem-estar-social – que garantiu uma “rede mínima de seguridades ligadas ao trabalho”, tais como aposentadoria, saúde, educação, habitação, etc.; 3) empresas e seus empregadores – que aumentaram os salários visando o consumo da população. Nesse contexto, o assalariamento passou a construir a identidade social dos trabalhadores e trabalhadoras, já que tornar-se assalariado assegurava direitos, além de permitir uma condição de participação ampliada da vida social: consumo, habitação, instrução e até mesmo lazer. O fim do pacto fordista, portanto, representou o fim dessa estabilidade. Todavia, há que se atentar para o fato de que tais condições não atingiram todos os trabalhadores. As mulheres e os negros ao lado de grupos como os de imigrantes europeus ficaram de fora do pacto fordista; também nos países da periferia do sistema capitalista, como no Brasil, esta configuração do trabalho que se tornou hegemônica na Europa, nunca teve a mesma magnitude.

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Ao analisar este processo, Harvey (1999) denomina-o de “acumulação flexível”. Isso porque apresenta traços essenciais da acumulação capitalista descrita por Marx e mantém o caráter de transformação de valores culturais e sociais, principalmente no que tange ao individualismo construído numa cultura empreendedora que penetrou em muitos aspectos da vida, ao mesmo tempo em que prega a ideia de inovação e ampliação de mercados por meio do termo flexível. Destacam-se três características fundamentais deste processo: a) flexibilização; b) precarização e precariedade; c) informalidade (para aprofundar nesses conceitos ver LEITE, 2009-ab).

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trabalho, acesso a profissionalização e promoções, etc., seja reproduzindo desigualdades entre as próprias mulheres (ARAÚJO, 2004). Nas palavras de Hirata (2007, p. 93), “em todos os casos, a divisão sexual do trabalho é precondição para a realização da flexibilidade do trabalho”, ou seja, “a flexibilidade é sexuada” (HIRATA, 2007, p. 104).

No que tange à exclusão de trabalhadoras do setor formal, nota-se aqui um indicativo de um dos principais motivos que atraiu uma grande quantidade de mulheres para as iniciativas de trabalho coletivo/associativo pesquisadas nesta tese. Em alguns setores, como os de costura e da reciclagem, por exemplo, esta realidade poderá ser observada de modo mais evidente, visto que se trata de setores precários que acabam atraindo mulheres de baixa renda e de baixa escolaridade, acima de 40 anos e que passaram a enfrentar uma realidade complexa de desemprego.

Outro grupo a ser destacado é o da população negra. Devido aos processos históricos desde a escravidão até a construção da economia moderna industrial, os negros tiveram uma inserção tardia à educação, às possibilidades de qualificação e consequentemente ao mercado de trabalho. Além disso, durante o fordismo a estrutura hierárquica do trabalho privilegiou o homem branco, contribuindo para legitimar a discriminação sexual e racial no mercado de trabalho (CASTRO e GUIMARÃES, 1993; CARNEIRO, 2003).

De acordo com Harvey (1999, p.8) formou-se uma nítida linha divisória entre uma força de trabalho predominantemente branca, masculina e fortemente sindicalizada e o “resto”. Com a transição do fordismo para o regime de acumulação flexível a situação torna-se ainda mais grave. Assim, os trabalhos flexíveis, ou seja, àqueles não relacionados à estabilidade do branco, poderiam ser delegados às mulheres e à população negra. Portanto, não apenas a concorrência pelos postos de trabalho de melhor qualidade se tornou mais intensa, mas também houve uma acentuação do individualismo e da divisão racial e sexual do trabalho na esfera social, o que vai influenciar o mercado de trabalho e a inserção desse grupo de trabalhadores na Economia Solidária.

No caso do Brasil, esse histórico do início da reestruturação produtiva no país foi um pouco diferente, visto que o período ditatorial atrasou tal mudança na organização do trabalho. Entre 1965 e 67 os militares implementaram um conjunto de reformas conservadoras que culminou no caracterizado “milagre brasileiro”, período que se iniciou em 1968 e perdurou até meados da década de 1970 (QUADROS, 2001). Nesse período, o país intensificou a configuração social marcada pela ampliação de desigualdades que vinha se construindo. Este cenário somente se modificou com a abertura política que se deu no ano de 1974, no governo de Geisel, iniciando um período de democratização. Porém, esse grande movimento foi surpreendido com uma forte crise econômica a

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partir do ano de 1979, tendo como consequência uma fase de desemprego até então desconhecida (DEDECCA, 2005).

Apesar da situação de instabilidade, a década de 1980 foi marcada por períodos de recuperação. O país conseguiu recompor o nível de emprego industrial e havia uma esperança do mercado interno se fortalecer. Contudo, essa esperança durou pouco tempo, pois os anos 90 solaparam os sonhos anunciados. No ano de 1989, com a eleição do Presidente Collor, o país conheceu os discursos da globalização e do neoliberalismo. Esse discurso associava a crise vivenciada pelo Brasil ao seu “atraso” econômico. Nessa direção, a promessa para resolver os problemas do país era a reestruturação produtiva e a introdução do modelo de flexibilidade.

Era preciso, portanto, flexibilizar o trabalho aumentando as possibilidades para um número maior de trabalhadores, o que foi intensificado pelo “novo” plano de Fernando Henrique Cardoso, ligado ao estímulo à exportação e à utilização dos recursos externos. Nesse período, que data do fim de 1995, observa-se no país uma contínua deterioração do emprego, acompanhada por uma grande taxa de desemprego, além do esfacelamento do setor público e grande quantidade de privatizações.

Em números, na década de 1990, o Brasil passou a pertencer ao grupo com maior quantidade de desempregados do mundo. Durante as décadas de 1940 e 1970, a cada 10 postos de trabalho gerados, oito eram empregos assalariados, sendo sete com carteira assinada. Entretanto, nos anos 1990, a cada dez empregos criados, somente quatro foram assalariados (DEDECCA, 2005). Os demais foram marcados pelas formas de trabalho sem registro15.

Diante deste cenário, os movimentos sindicais, mais precisamente a CUT, começaram a apoiar a formação de cooperativas de produção com os operários das empresas falidas, buscando salvar o posto de trabalho antes do fechamento das empresas, na tentativa de evitar uma série de

desempregos em massa. Como consequência desse processo, no ano de 1994, foi criada a ANTEAG – Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária, responsável por apoiar e fortalecer a formação de empresas autogeridas pelos/as trabalhadores/as. Neste momento, contudo, ainda não havia uma organização ampliada em termos de Economia

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Cabe ressaltar que o novo momento político, especialmente a partir de 2004, inaugurou um processo de reestruturação do mercado de trabalho, causando uma reversão de algumas dessas tendências, com a diminuição do desemprego e aumento da formalização do trabalho. Observa-se no país um aumento de trabalhadores/as com carteira assinada, bem como o aumento dos rendimentos que apontam para uma diminuição da precariedade do trabalho (LEITE, 2009-ab). Por outro lado, o enorme passivo trabalhista deste país criou uma grande quantidade de inativos que vão tentando se inserir no mercado de trabalho na medida em que a economia vai crescendo. Este inativo impede que as taxas de desemprego e de trabalho informal decresçam mais rapidamente. Por outro lado, dados do IBGE (2012) apontam que a taxa de informalidade continua atingindo 44,2 milhões de pessoas. As Regiões Norte e Nordeste apresentaram as menores taxas de formalidade (37,0% e 38,0%, respectivamente) e as taxas de informalidade das mulheres nessas regiões foram as mais elevadas do País.

20 Solidária.

A experiência da Fábrica Recuperada Catende-Harmonia, uma das iniciativas pesquisadas nesta tese, revelou que a organização inicial de seus trabalhadores foi fruto da busca de tentativa de manter os empregos diante da falência da Usina, o que indica que essas experiências influenciaram a composição do que se tornou a Economia Solidária no país, e não o contrário, tal como revela a fala de um dos entrevistados:

Na década de 90 a Usina demitiu 2.300 trabalhadores. Ao demitir já havia um caldo na região: uma articulação dos sindicatos com oposições sindicais, e isso permitiu uma união dos cinco municípios que compreendem Catende, com o apoio da FETAP 16 e com a CUT17.

No primeiro momento, não havia na nossa compreensão ainda a questão da autogestão e da Economia Solidária, não dá pra dizer que tinha porque isso não tinha. Mas tinha a busca de manter o patrimônio como garantia dos direitos trabalhistas, porque a gente ganhou na justiça. Só depois que a gente conhece a ANTEAG e aí descobre que tinha mais gente tentando fazer o que a gente fazia (Artur/liderança no projeto Catende/Harmonia).

Nessa mesma direção, uma das entrevistadas da Casa da Mulher do Nordeste, que acompanha a Rede de Mulheres Produtoras do Recife, investigada nesta tese, explicou que já era uma proposta do movimento feminista estimular a organização coletiva de mulheres em busca de autonomia financeira e econômica, sobretudo das mulheres de baixa renda, o que inclusive motivou a construção da própria Casa. De acordo com o relato da entrevistada, o “Coletivo Ação Mulher”, ainda na década de 80, na convivência com partidos políticos, sindicatos e universidades, discutia, nos chamados “Grupo de Reflexão”, sobre o lugar das mulheres na sociedade e a opressão a que estavam submetidas, tendo como uma de suas propostas a organização produtiva de mulheres.

Já os escritos teóricos da Economia Solidária surgiram efetivamente no ano de 1998, a partir das publicações de Paul Singer ao descrever as iniciativas dessas empresas autogeridas, sobretudo das empresas organizadas pela Anteag.

Contudo, Singer (2000-a) fundamentou teoricamente a Economia Solidária considerando o processo histórico presente no cooperativismo operário surgido das lutas de resistência contra a Revolução Industrial, bem como nas experiências britânicas do início do século XIX, inspiradas por Robert Owen e pelo seu projeto de aldeias cooperativas18. O autor também buscou inspiração na experiência de Rochdale, uma sociedade coletiva que se tornou a matriz das cooperativas

16Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Pernambuco.

17 Central Única dos Trabalhadores.

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Nas propostas de Owen, o governo britânico deveria investir um dinheiro no chamado “fundo dos pobres”, o qual seria aplicado na compra de terras para a construção das aldeias cooperativas. Nessas, por sua vez, as pessoas produziriam para sua própria subsistência, além de organizarem a produção e o consumo integralmente (SINGER, 2002, p. 25). Porém, na segunda metade do século XIX, o governo britânico se recusou a colocar em prática o plano de Owen, pois representava uma mudança completa no sistema social que poderia abolir a empresa capitalista futuramente.

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modernas19; bem como no Grameen Bank, (Banco da Aldeia), inspirado por Muhammad Yunus20 (SINGER, 2002).

Numa história mais recente, Singer busca inspiração nas experiências dos Kibutzim israelenses que têm como objetivo a tentativa de construção de uma sociedade livre; no complexo espanhol de Mondragón, que, com apoio do governo construíram cerca de 200 cooperativas que comercializam entre si; e as Horas de Íthaca - experiência canadense baseada na criação de moedas locais que circulam entre prestadores de serviços e produtores cooperados.

Mas, embora retome suas raízes históricas para definir os princípios da ES, Singer (2003) compreende que o cooperativismo no Brasil ressurgiu nesse novo contexto acima descrito, ou seja, a partir do desemprego e imensa desigualdade social que assolou o país principalmente na década de 1990. O autor apresentou a ES, pautada inicialmente no cooperativismo, como uma possível saída para a população excluída do emprego assalariado regular há mais de duas décadas. Para o autor, não era mais possível numa “restauração do pleno emprego e dos direitos sociais”, o que o impulsionou a pensar em novas formas de organização, as quais já vinham, de algum modo, acontecendo no país (SINGER, 2003, p. 123). Dessa forma, o autor compreende que a Economia Solidária seria uma saída importante para a população já excluída do mercado de trabalho e para

aqueles/as que ficariam sem emprego. Porém, esta saída estaria pautada em valores históricos de democracia, solidariedade, cooperação e autogestão, os quais podiam ser resgatados pela história de luta dos trabalhadores em diferentes momentos e partes do mundo.

Diante desse novo contexto, Singer reconhece que o cooperativismo teria os seus valores e princípios reinventados, mas, de qualquer forma, não abre mão da ideia de autogestão e democracia ao caracterizar os denominados empreendimentos solidários21.

No início de seus escritos, era possível reconhecer o cooperativismo como a grande

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Rochdale foi a matriz das cooperativas por ter definido oito principais regras: 1) a sociedade seria governada democraticamente, tendo cada sócio direito a um voto, independentemente do capital investido; 2) seria aberta a qualquer pessoa que quisesse se associar desde que integrasse uma quota mínima; 3) haveria divisão do excedente, com a finalidade de evitar sua apropriação pelos investidores; 4) o excedente deveria ser distribuído entre os sócios; 5) a sociedade só venderia à vista; 6) venderia apenas produtos puros e de boa qualidade; 7) haveria o desenvolvimento da educação dos sócios seguindo os princípios do cooperativismo; 8) a sociedade seria neutra, política e religiosamente.

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A experiência de Yunus começou após a identificação de que as pessoas imersas na miséria eram em sua maior parte mulheres, viúvas, abandonadas ou divorciadas e, quase sempre, com filhos. O “Banco da Aldeia” se tornou uma grande cooperativa de crédito que percorreu todo o país de Bangladesh. Em 1997 era uma rede composta por 2 milhões e 100 mil membros, em 36 mil aldeias, sendo 94% mulheres.

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Singer adotou o termo empreendimentos solidários porque, segundo ele, a palavra “cooperativa” estava desgastada no Brasil. São muitas as cooperativas falsas formadas por grandes empresas e que servem para a redução do custo da mão de obra. Dessa forma, segundo Singer, os empreendimentos são aqueles que estão tentando resistir e se manter com orientações para a autogestão. O autor (SINGER, 2000-a, p.116) define a autogestão como “a mais completa igualdade de direitos” nas organizações.

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expressão desta economia e como uma forma de organização que traria um novo modo de produção. Com o passar do tempo, Singer (2003) afirma que, por uma série de fatores, a forma clássica dessa economia, que é o cooperativismo, vem sendo substituída pelas associações e ainda por outras manifestações, tais como as formas de crédito, feiras de trocas, etc. Assim, o importante para o autor são as formas possíveis de trabalho em cooperação, e não o cooperativismo em si.

Eu não acredito que nós vamos ter uma economia toda formada por cooperativas. Não é isso; nem é desejável. Acho que a produção simples de mercadoria é uma coisa que, provavelmente, tem uma longa vida. Existem fortes tendências hoje, por causa da tecnologia, dela se desenvolver em formas semi-combinadas: como clubes de trocas, por exemplo. Quer dizer, a própria economia individual, os pequenos produtores, os micro- produtores ou autônomos, têm novas formas de se organizar que também são solidárias. Não há uma oposição. Eu acredito que numa economia, vamos dizer, dominada por cooperativas, há espaço para a economia capitalista. Tem que haver liberdade para que, se alguém quiser criar empresa capitalista e outro quiser ser assalariado, isso devia ser um direito humano (SINGER, 2000-a, p.163).

Singer (2003) entende, portanto, que é possível a convivência entre ES e capitalismo. Mesmo demarcando que este modelo está longe do ideal, acredita que é o possível para os grupos de ES. O autor reconhece que as experiências de ES correm o risco de virar “simulacros das empresas capitalistas”, não conseguindo se desenvolver no que tange aos processos democráticos, além das dificuldades financeiras, de créditos, financiamentos e sobrevivência econômica na competição com o capitalismo.

Contudo, Singer (ibid.) acredita que essas experiências, significativas não só no Brasil, mas em outras partes do mundo, podem ser fruto do avanço do movimento socialista em diferentes frentes, tais como, na “extensão da democracia”; na participação da população na elaboração de orçamentos públicos; na conquista de governos locais e regionais que possam por em prática “políticas socialistas”, inclusive de apoio a empresas autogestionárias; etc. (SINGER, 2000-b, p.44).

Dessa forma, para o autor, a ES não é o mesmo que uma economia socialista, mas as suas práticas, somadas a outros elementos, podem representar o “embrião da economia socialista