• Nenhum resultado encontrado

C APÍTULO II E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2.4 As comunidades de prática

2.4.1 A contextualização das CoP no estudo desenvolvido

Na revisão de literatura efetuada, existem evidências que as CoP parecem constituir contextos propícios ao desenvolvimento de conhecimento, que no quadro do DPP, são o contexto adequado ao DPC. Ora, o desenvolvimento profissional em geral e o de professores em particular, também passa por contextos abertos de aprendizagem e por estratégias formadoras e formativas inovadoras que proporcionem o desenvolvimento de competências. É nesta intersecção que se alicerçam as opções tomadas para o presente estudo: a abordagem da importância das CoP de professores para o seu desenvolvimento profissional, contínuo e que implicações poderão ter na sua prática docente futura e gestão curricular da disciplina de EVT integrando as TIC nas suas

práticas letivas. Para esta opção foi também fundamental a perceção que tivemos, enquanto docentes, das inúmeras potencialidades que esta abordagem poderia ter para nós, enquanto professores e investigadores.

A primeira abordagem ao conceito de CoP realizada em 1998 por Etienne Wenger, autor considerado por vários autores (Figueiredo, 2002; Santos, 2002) como uma referência na área. Essa abordagem surgiu na sua publicação intitulada Communities of practice: learning, meaning, and identity, sendo uma das premissas assumidas a assunção da natureza social do ser humano. Defendia nessa obra que o Homem, enquanto ser social, tenderá a associar-se em grupos, podendo constituir comunidades. No entanto, o termo comunidade pode ser empregue com diferentes significações, pelo que evoluiu ao longo do tempo e importa clarificar o conceito, realçando que a sua definição permanece ainda problemática (Wright, 2004).

Segundo Wenger, McDermott & Snyder (2002), as CoP estão por todo o lado e nós próprios pertencemos a algumas delas: no trabalho, na escola, em casa, nos nossos hobbies, etc. Reconhecemos algumas mas outras são de alguma forma invisíveis, enquanto existem outras às quais pertencemos e somos o seu núcleo central. Noutras ainda somos participantes periféricos (ibid). As CoP não são um conceito recente, podendo mesmo considerar-se que são as “primeiras formas de conhecimento baseadas em estruturas sociais” (ibid, p. 5), dado que já os primeiros seres humanos partilhavam conhecimentos e discutiam estratégias em grupo.

Apesar das CoP não serem uma ideia nova, a sua conceptualização é recente e resulta do trabalho de Lave & Wenger (1991) que marcam o desenvolvimento do conceito e simultaneamente o aumento da sua visibilidade (Santos, 2002). Para melhor se perceber o trabalho desenvolvido por estes autores, importa referir o trabalho desenvolvido por Bandura, que durante a década de 1970 se debruçou sobre a teoria da aprendizagem social (Couros, 2003). Segundo Couros (2003), Bandura defende que a observação dos outros permite a um indivíduo criar uma ideia de como agir no futuro, sendo que muitos dos comportamentos humanos resultam desse processo de modelização ou criação de modelos que servem de orientação nas suas ações futuras.

De acordo com Wenger (1998) e Costa (2007), as Comunidades de Prática caracterizam-se por ser constituídas por indivíduos que, para além de se associarem de forma espontânea, têm como objetivo partilhar interesses comuns e de se empenhar colaborativamente em práticas que potencializem e beneficiem, não só a aprendizagem, mas, também, o desempenho profissional. Já anteriormente Lave & Wenger (1991) propunham a participação em CoP como forma de potenciar a aprendizagem, vendo a aquisição de conhecimento como um processo social. Pela participação em CoP, as pessoas podiam aprender em conjunto, envolvendo-se e assumindo diferentes graus de comprometimento na comunidade (Hildreth & Kimble, 2004; Lave & Wenger, 1991; Wenger, 1998).

Numa fase inicial, os membros assumem uma posição mais periférica, podendo verificar-se um gradual aumento do seu envolvimento. O indivíduo, enquanto aprendente, acaba por se

transformar num membro efetivo de uma comunidade através de um processo de socialização. Para Wenger (1998), a aprendizagem continua assente no pressuposto de que, na sua essência, ela resulta fundamentalmente do processo de interacão social. A forma mais natural de aprender é através da participação social que, como refere, aprender e interagir fazem parte da natureza humana (ibid), premissa que no nosso estudo pretendemos incutir, envolvendo os docentes e fazendo-os parte integrante de uma comunidade, interagindo e participando. Aliás, as nossas orientações para a criação das comunidades de prática no âmbito deste estudo enquadraram-se precisamente no conceito formulado por McDermott & Snyder (2002) e Wenger (1998) que apresentam a seguinte formulação: “Communities of Practice are groups of people who share a concern, a set of problems, or a passion about a topic, and who deepen their knowledge and expertise in this area by interacting on an ongoing basis” (Wenger, McDermott, & Snyder, 2002, p. 4).

É precisamente no reconhecimento do valor das interações ocorridas no âmbito de uma CoP que leva as pessoas a encontrarem-se para partilhar informação, pontos de vista e conselhos, tão fundamental no trabalho que desenvolvemos: ajudando-se mutuamente a resolver problemas, discutindo-os, explorando ideias e soluções. Para o efeito, criaram também artefactos (ferramentas, documentos, manuais...). Para além da questão subjacente ao trabalho desenvolvido, acreditamos que a vertente social, aspeto basilar do conceito segundo alguns autores, são fundamentais e devem ser bem cimentadas pois as CoP não podem ser vistas apenas como um instrumento para desenvolver trabalho. Sustenta esta ideia o facto de que com o passar do tempo, os membros vão estabelecendo relações e desenvolvendo um sentido de identidade comum, construindo-se um corpo comum de conhecimento, de práticas e abordagens, tão importantes para o trabalho prolongado no tempo como no presente estudo. Estas CoP, ao permitirem a interação com pessoas que partilham problemas ou perspetivas semelhantes, fazem sentir nos seus membros, para além da satisfação de resolverem algumas questões de índole mais pragmática, a obtenção de uma satisfação pessoal, pelo gosto ou paixão que têm pelas temáticas em que se centra a CoP (ibid) que no nosso caso se centrava na integração das TIC e a utilização de ferramentas digitais em contexto da disciplina de EVT.

Atualmente, as CoP são vistas como uma forma eficaz de gestão do conhecimento, que pela forma como funcionam, propiciam a criação de um ambiente rico em conhecimento e inovação (Hildreth & Kimble, 2004). Contudo, importa salientar que as CoP não são meros repositórios de informação, são organismos vivos de partilha e criação de conhecimento.

No âmbito deste estudo, questiona-se também o contributo das CoP para a gestão do currículo. Na realidade, como aponta Costa (2007), o currículo é entendido por alguns autores como uma construção social e cultural na medida em que se constitui como estratégia para organizar um conjunto de práticas e saberes resultantes de uma dada cultura, sociedade ou mesmo um contexto histórico e social. Nesta perspetiva, e ainda segundo esta mesma autora,

pensar o currículo é pensar em pessoas que se relacionam em torno de interesses comuns no sentido da emancipação, assentes em práticas comunitárias. Assumido o currículo de EVT e a integração das TIC nas atividades letivas da disciplina, este fator pode também considerar-se uma prática social que ocorre em contextos reais, onde o conhecimento é interpretado como uma construção social, pois são as pessoas, enquanto tais, e inseridas nas comunidades, que participam e se empenham em reflexões e partilha de saberes sobre uma dada área, tornando-se, assim, construtores ativos do seu próprio conhecimento (ibid).

É na essência destas questões que o presente estudo pretende dar corpo às CoP e foi motor para a sua criação, sobretudo para envolver todos os docentes colaboradores e participantes, desenvolvendo-se de forma ativa os conceitos de desenvolvimento profissional, conhecimento profissional e desenvolvimento profissional contínuo dos professores, apresentando-se práticas inovadoras nesta área e às quais os docentes se poderiam sentir verdadeiros membros de uma comunidade.