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C APÍTULO II E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2.4 As comunidades de prática

2.4.5 O conhecimento profissional dos professores

Definir o conceito de Conhecimento Profissional dos Professores (CPP), pela larga abrangência que o define implica, para uma melhor compreensão das dimensões que o envolve, que se faça uma referência, ainda que breve, a alguns pressupostos que lhe estão inerentes. O Conhecimento Profissional está relacionado com a abordagem epistemológica da análise curricular e abrange um conjunto de dimensões que constituem a raiz (episteme) do conhecimento (logos). Nesta linha de pensamento, importa referir algumas orientações a que se tem vindo a assistir ao longo do tempo.

De acordo com Sá-Chaves (2001) desde os finais do século XIX, um paradigma de formação reafirmou continuadamente a importância dos profissionais docentes como profissionais reflexivos, capazes de resolverem diferentes e múltiplos problemas de natureza curricular, capazes de formular soluções para os problemas diagnosticados, de repensar e melhorar as suas práticas, no sentido de estas se revestirem, cada vez de maior qualidade. John Dewey salientou a necessidade de os professores assumirem uma atitude reflexiva na, sobre, e após a ação, no sentido da transformação continuada dos contextos de ação e no desenvolvimento pessoal e profissional do sujeito que reflete, consciencializa e reconstrói novas hipóteses e novas soluções para, também sempre novos, problemas(ibid).

Tendo presente estes pressupostos, procurámos dar um enfoque especial à natureza multidimensional do conhecimento profissional dos professores, tendo por referência as investigações de Lee Shulman nesta área, para que a compreensão das mesmas seja facilitada. Shulman apresenta um conjunto de sete dimensões fundamentais que enformam o conhecimento profissional dos professores, que determinam o seu campo de atuação e a definição das suas práticas (id, 2000). Para Shulman, a diferenciação profissional dos professores passa, sobretudo, pelo conhecimento do conteúdo, o conhecimento do currículo, o conhecimento pedagógico geral, o conhecimento pedagógico do conteúdo, o conhecimento dos contextos, o conhecimento dos aprendentes e das suas características e, finalmente, o conhecimento dos fins, objetivos e valores educacionais.

No que se refere ao conhecimento do conteúdo, este diz respeito “aos conteúdos, estruturas e tópicos das matérias a ensinar” (ibid, p. 66), ou seja, aos conhecimentos das várias disciplinas que se pretende que os alunos aprendam de modo interessante e percetível. Neste âmbito, o docente orienta-se pelo curriculum, que engloba todas as áreas do programa, para saber o que deve lecionar.

O conhecimento do currículo refere-se “ao domínio específico de programas e materiais que servem «como ferramentas de trabalho» aos professores” (ibid, p. 66).No âmbito desta dimensão, importa estabelecer uma distinção entre currículo explícito e currículo oculto. O currículo explícito aparece claramente refletido nas intenções que, de uma maneira direta, indicam quer as normas legais, os conteúdos mínimos obrigatórios ou os programas oficiais, quer nos projetos educativos da escola e o currículo que cada docente desenvolve na aula. O currículo oculto faz referência a todos os conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que se adquirem mediante a participação em processos de ensino/aprendizagem e, em geral, em todas as interações que se dão no dia-a- dia das aulas e escolas. É constituído por todos aqueles aspetos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes(Silva, 1999).

Por sua vez, o conhecimento pedagógico geral traduz o domínio específico dos “princípios genéricos subjacentes à organização e gestão da classe, mas que não são exclusivos de uma disciplina e transcendem a dimensão conteúdo” (Sá-Chaves, 2000, p. 66). O mesmo é dizer que traduz a competência que o docente invoca no desenvolvimento de estratégias de ação com vista a facilitar a aprendizagem por parte dos aprendentes, nelas se incluindo a capacidade de planificar, avaliar, entre outras.

Relacionado também com o conhecimento profissional dos professores, está o conhecimento pedagógico do conteúdo. Este é um conhecimento exclusivo dos professores, que demonstra a capacidade que estes invocam para tornar o conteúdo aprendível pelos seus alunos, para tornar mais simples o conhecimento complexo. Refere-se, pois, a uma “competência reflexiva que, articulando ciência e pedagogia, permite tornar cada conteúdo compreensível, quer através da sua (des)construção, quer através do conhecimento e controlo de todas as outras dimensões enquanto variáveis na relação ensino/aprendizagem” (ibid, p. 66).

Para que o professor consiga invocar a capacidade de desconstrução dos conteúdos complexos, para assim auxiliar a compreensão destes por parte dos aprendentes precisa, para além de assumir uma atitude reflexiva na e sobre a ação, possuir também um adequado conhecimento dos aprendentes e das suas características. Esta dimensão refere-se à consideração dos “fatores ligados à individualidade de cada aprendente nas suas múltiplas dimensões, e também, da instabilidade provinda do seu carácter dinâmico” (ibid, p.66). Neste âmbito, para que o professor possa criar situações de aprendizagem adequadas às características de cada aluno, deverá ajustar as suas práticas à individualidade dos mesmos, percebendo-os nos seus contextos específicos.

Neste processo, mostra-se necessário que o professor tenha sempre presente o facto de os alunos serem seres sociais, que na sua interação com o mundo, desenvolvem formas diferenciadas de se apropriarem da informação e de atribuírem sentido à mesma para a construção das suas aprendizagens. Deste modo, o conhecimento dos contextos, que “remete

para as dimensões que vão da especificidade da sala de aula e da escola à natureza particular das comunidades e das culturas”(ibid, p. 66),assume-se como uma das dimensões que enforma o conhecimento profissional dos professores, tanto os mais próximos das crianças (casa, sala de aula), como os mais abrangentes (sociedade e cultura). Deste modo, importa que o professor conheça o meio que envolve o aluno, para que possa ajudá-lo e prepará-lo para se integrar e envolver ativamente nele e para que possa ajustar a adequação das suas práticas, no sentido de as aprendizagens se poderem afigurar, efetivamente, como relevantes e significativas.

Finalmente, outra dimensão que enforma o conhecimento profissional dos professores diz respeito ao conhecimento dos fins, objetivos e valores educacionais que traduz os “fundamentos filosóficos e históricos em Educação”(ibid, p. 66). Refere-se à capacidade de ajudar os educandos a desenvolverem o reconhecimento da elevada importância da escola na formação de seres autónomos, livres, justos e bons para a participação na sociedade. Refere-se, de igual modo, à atitude humana, pessoal e responsável que os docentes assumem no exercício das suas práticas, suportando-as pelas ideias de bem, solidariedade, cooperação e justiça.

Não obstante, a diferenciação profissional da profissão docente não se esgota nestas dimensões, pelo que apontamos, também, o contributo da investigação de Elbaz, que apresenta e acrescenta uma outra dimensão às anteriores, o conhecimento de si próprio, que remete para um tipo de reflexão de nível metacognitivo que fundamenta os processos de desenvolvimento pessoal e profissional (id, 2001, p. 79).

No seu conjunto, estas dimensões articulam-se e complementam-se entre si, sendo que o CPP se assume como o tipo de conhecimento que caracteriza o perfil dos professores que reflexivamente tomam decisões na base de sempre re-elaborados padrões de pensamento que são iniciados externamente através de diálogo, quer com outros profissionais, quer com outras fontes de informação tais como livros, ou com a própria experiência (Sá-Chaves, 2000).

Neste contexto, importa que os profissionais desenvolvam as suas estratégias de ação, tendo por base o diálogo constante com a própria situação para nela encontrarem o caminho que fundamente as opções tomadas na ação e as enforme como facilitadoras da aprendizagem, como práticas bem sucedidas. Assim sendo, torna-se inquestionável que o conhecimento é uma condição importante e decisiva para o sucesso de qualquer organização (Wenger, McDermott & Snyder, 2002), nomeadamente no caso particular do CPP e a sua gestão, em que assume uma importância particular. Mesmo pela nossa experiência pessoal enquanto docentes, acreditamos que apesar de um aumento e especialização cada vez maior do conhecimento, também se verifica uma transformação e desatualização do mesmo. Ainda segundo estes autores (ibid), é necessário pensar e desenvolver estratégias de gestão do conhecimento, encarando-se essa gestão da mesma forma como se encara a gestão de outros ativos (de uma empresa, por exemplo) não bastando criar bases de dados ou repositórios tornando-os acessíveis aos professores.

A criação de repositórios de recursos educativos, de bases de dados, de materiais de apoio pedagógico e um quase sem número de outros recursos é o que mais encontramos em websites e “comunidades” portuguesas numa análise que fizemos. Na nossa opinião, corrobora-se então esta ideia: são poucas as efetivas CoP que verdadeiramente estimulam o conhecimento entre os professores, desenvolvendo o seu conhecimento profissional e proporcionando uma melhoria no seu desempenho profissional. Neste contexto, as CoP surgem como estruturas que permitem uma constante atualização e desenvolvimento de conhecimento.

Wenger, McDermott & Snyder (2002) clarificam as questões relativas à natureza do conhecimento e como ele se relaciona com o conceito de CoP enunciando cinco formas de olhar o conhecimento:

(i) “O conhecimento é mais um processo vivo do que um corpo estático de informação; (ii) O conhecimento pode ser tácito ou explícito;

(iii) A experiência é algo individual, mas o conhecimento é simultaneamente individual e social (coletivo);

(iv) O conhecimento está em constante movimento, é dinâmico e não estático;

(v) Por último, os autores referem-se à importância das estruturas sociais como ferramentas de gestão do conhecimento” (p. 8).

Na primeira, os autores referem-se ao conhecimento que vem da acumulação da experiência. Na segunda forma, é enfatizada a questão relativa à maior importância que muitas vezes o conhecimento tácito tem em detrimento do explícito. Salienta-se ainda que o conhecimento tácito consiste na resposta contextualizada e dinâmica em situações complexas e que mesmo o conhecimento explícito depende do conhecimento tácito. Esta forma assume relevância extrema pois no campo educativo, ao se tentar consciencializar os professores para o conhecimento tácito, trabalhando-o, criticando-o, examinando-o e melhorando-o, perspetiva-se sempre a sua partilha com outros professores menos experientes. A partilha do conhecimento tácito é possível através da interação e processos de aprendizagem informal como relatar histórias (storytelling), a conversação, o coaching, ou seja, através de atividades que as CoP suportam (Marques, 2008).

Quanto à terceira e quarta formas, Wenger, McDermott & Snyder (2002) advogam que numa, pela participação em comunidades onde existem “processos de envolvimento comunal” e o confronto de ideias, desenvolve-se o conhecimento coletivo, enquanto que, na outra, salienta-se que não se pode gerir o conhecimento como um objeto que pode ser guardado e gerido mas antes, que, a partir de um corpo comum de conhecimento, os membros de uma comunidade de prática participam em atividades que permitem desenvolver esse conhecimento de forma constante. Finalmente, na última forma, evidencia-se nas CoP a produção de conhecimento necessário para os seus elementos, na mesma medida da necessidade que há de o partilhar.