• Nenhum resultado encontrado

C APÍTULO II E NQUADRAMENTO TEÓRICO

2.5 A disciplina de Educação Visual e Tecnológica

2.5.2 Orientação metodológica da disciplina de EVT

O programa da disciplina de EVT estabelece uma orientação metodológica clara, afirmando- se que é na “prospeção do meio” que reside o cerne da formação de cidadãos atuantes no envolvimento e a base de trabalho mais adequada à disciplina, em que se defende uma pedagogia centrada nas atitudes (DGEBS, 1999a). Ainda nesta perspetiva, salienta-se que essa mesma “prospeção no meio” adequa-se a um desenvolvimento de unidades de trabalho centradas em problemas bem definidos considerados determinantes para a motivação dos alunos por lhes advir de um campo de interesses muito próprio. Assim, e de acordo com o programa da disciplina, “estas unidades de trabalho devem-se centrar em situações ou problemas detetados pelos alunos, ou por eles sentidos como relevantes” (DGEBS, 1999a, p.203).

Esta metodologia de trabalho específica da disciplina centra-se então na resolução de problemas. A partir dessas situações/problema identificadas pelos alunos, ou por eles sentida como relevante, desenvolvem-se um conjunto de atividades conducentes à resolução desses problemas enunciados a um nível que os alunos possam tratá-los, através de um processo solicitador da aquisição dos conteúdos a dominar. A situação inicial dará a estes conteúdos e atividades um sentido real, integrador das novas aquisições, num saber coletivamente construído e individualmente integrado (DGEBS, 1999a).

O fator determinante que norteou o desenvolvimento do nosso estudo e que nos levou a integrar as ferramentas digitais nas atividades letivas da disciplina de EVT residiu na premissa de que um mesmo problema pode ser tratado de diversos modos pelos vários grupos de uma turma, ou pelas várias turmas de um mesmo professor, sendo que para que essas múltiplas abordagens proporcionem uma visão mais ampla e profunda da situação, uma solução mais rica do problema, crucial no trabalho que desenvolvemos seria importante termos um conjunto abrangente de

aplicações que auxiliassem na aprendizagem dos alunos e lhes permitisse a realização de trabalhos de expressão gráfica em diversos suportes.

Conclui-se, portanto, que da natureza da disciplina de EVT e do percurso das aprendizagens propostos, há uma organização não sequencial dos conteúdos. Estabelecem-se, para além dos conteúdos, as áreas de exploração, e da articulação entre ambos gerem-se “os caminhos pelos quais se fazem as aprendizagens” (DGEBS, 1991b, p.15), permitindo esta flexibilidade um reforço da possibilidade do trabalho interdisciplinar. A articulação dessas diversas aprendizagens são concebidas como um todo, em que se fomenta a dicotomia entre o raciocinar sobre os fenómenos observados ou as operações executadas como fator indissociável dessa observação e dessa ação a realizar. É precisamente a observação e a ação que no programa da disciplina é tomado como referencial o «repertório» do aluno como um conjunto de conhecimentos, atitudes e valores, cuja estrutura deverá integrar as novas aprendizagens, enriquecendo-se com elas, ou ser posta em causa por elas, num processo de construção de novos níveis de equilíbrio cognitivo, afetivo ou psicomotor (DGEBS, 1991b).

Esta conceção de programa aberto e flexível, baseado na metodologia de resolução de problemas é defendida por Porfírio (2005) quando considera que o conceito de programa aberto é entendido como forma de possibilitar a diferenciação pedagógica, isto é, a gestão do programa com aplicações diferenciadas dos contextos particulares da ação pedagógica, nomeadamente contextos específicos, percursos e ritmos de aprendizagem e sequencialização das abordagens e experiências. Ainda segundo este autor, o programa de EVT deve apresentar um conjunto de características formais que decorrem da situação da disciplina naquilo que é o estádio de desenvolvimento de sistema educativo e fundamentalmente, na clarificação dos elementos necessários para a sua gestão a nível da escola/aula num quadro de diferenciação pedagógica.

Num contexto já mais específico relativo à operacionalização da disciplina, para a organização e planificação das atividades de ensino/aprendizagem, consideram-se na disciplina de EVT três campos de intervenção: “ambiente”, “comunidade” e “equipamento”. Articulados com estes três campos, e de primordial importância no âmbito deste estudo, existem onze conteúdos (comunicação, energia, espaço, estrutura, forma, geometria, luz/cor, material, medida, movimento e trabalho) e treze áreas de exploração (alimentação, animação, construções, desenho, fotografia,

horto-floricultura, impressão, mecanismos, modelação/moldagem, pintura,

recuperação/manutenção de equipamentos, tecelagens/tapeçarias e vestuário) possíveis de ser trabalhadas em contexto educativo de EVT. Estas últimas devem ser entendidas apenas como propostas de trabalho possíveis, sem função normativa, mas que esclarecem o professor sobre a articulação das várias componentes curriculares (Rosmaninho, 2001). Para o desenvolvimento deste estudo foram absolutamente fundamentais esses conteúdos e áreas de exploração para a definição e seleção de quais as ferramentas digitais a escolher para cada.

Assim, os três campos de intervenção referidos, tal como as áreas de exploração e os conteúdos, servem não só como enquadramento para uma planificação que pretende ser o mais aberta possível, mas também para “promover a diversificação da experiência do mundo vivido pelos alunos” (DGEBS, 1991b, p.17). Para se garantir um leque de experiências suficientemente aberto e enriquecedor do repertório pessoal dos alunos, a planificação dessas unidades de trabalho não deve constituir um quadro rígido, definido à partida para toda a ação a desenvolver, devendo antes estabelecer-se uma estrutura a revestir gradualmente, à medida que o trabalho se vai desenrolando (DGEBS, 1991a). Para organizar essa estrutura, o professor deverá ter em conta os quatro fatores e que são (1) o nível etário dos alunos, quer quanto aos conhecimentos prévios que podem mobilizar, quer quanto à sua capacidade de sustentar o interesse por um mesmo assunto; (2) os objetivos gerais relativamente a atitudes, valores, aptidões e conhecimentos; (3) as áreas de exploração; (4) as circunstâncias e recursos existentes na escola, ou fora dela, e que possam ser utilizados (DGEBS, 1991a).

Sendo a disciplina de EVT organizada em unidades de trabalho (ou unidades didáticas), deverá considerar-se um número reduzido de objetivos e conteúdos, suscetível de enriquecimento por um leque de outras contribuições que o próprio desenrolar da ação eventualmente suscitará (DGEBS, 1991a), como no caso da integração de áreas de exploração na abordagem das mesmas. Trata-se, portanto, de uma planificação cujo rigor de organização permite a flexibilidade necessária à correta inserção de conteúdos em função dos problemas a resolver. Esta disciplina permite assim, mais do que um simples acumular de conhecimentos, que o aluno compreenda a forma de chegar a esses conhecimentos e mais do que conhecer soluções para vários problemas, interessa que o aluno interiorize processos que lhe permitam resolver problemas em situações futuras (DGEBS, 1991a).

Neste contexto, podemos considerar que é a própria natureza da disciplina que acaba por definir a sua metodologia, centrada no processo de resolução de problemas, em que a autoformação futura do aluno e a sua independência na resolução de novos problemas são preponderantes (DGEBS, 1991a). A perspetiva que se tem hoje da resolução de problemas possibilita uma dimensão muito mais abrangente do que a simples meta/finalidade (Fonseca, 2001). Nesta linha, passa a ser entendida como um processo global de ensino/aprendizagem, como afirma Butler, citado por Fonseca (2001, p.58), "I am now convinced that the two processes, problem solving and learning are essentially one and the same", fazendo um paralelismo entre o processo seguido nos modelos de ensino/aprendizagem com o processo dos modelos de resolução de problemas.

Apesar das fontes curriculares da disciplina de EVT darem enfoque ao italiano Bruno Munari e aos trabalhos que desenvolveu na área das artes e do ensino do design na década de 70 do século passado, o método de resolução de problemas aparece em pedagogia pela mão de Dewey, cuja conceção filosófica é definida por Rocha (1999) como o valor do conhecimento medido pelos

efeitos que daí podem decorrer, desenvolvendo-se esta conceção pondo em relevo o valor instrumental do conhecimento para a solução dos problemas humanos.

As orientações metodológicas da disciplina destacam o processo de desenvolvimento das unidades de trabalho onde se começa por tentar definir melhor o problema, investigando as limitações e os recursos para a sua solução, imaginando-se soluções diferenciadas entre as quais se selecionam os instrumentos, avaliando-se alternativas e tendo como referência para essa avaliação os dados recolhidos. Seleciona-se a solução escolhida e é planeada a forma de a realizar para, finalmente, a executar e testar os resultados (que, por sua vez, poderão levantar novos problemas) (DGEBS, 1991a).

A perspetiva do professor é de, neste percurso, acompanhar esta evolução para ajudar os alunos na ascensão a sucessivos níveis de desenvolvimento, sem forçar nunca uma análise antes que esse nível de desenvolvimento o permita. As etapas do processo são encaradas, porém, a qualquer nível de desenvolvimento, como referências de um percurso útil e nunca como passos obrigatórios. O problema a resolver deve ter um significado para os alunos, situando-se na sua própria experiência, embora não fique encerrado nela. O que está em causa é um saber construído de dentro, a partir daquilo que cada um é (Fonseca, 2001). Nesta perspetiva, devem ser os próprios alunos a identificar o problema, o que não significa que o professor não tome parte ativa nessa identificação, muito pelo contrário. Deve proporcionar situações (de observação, de análise, de discussão), dar sugestões, estudar com os alunos as possibilidades de exploração, mas sem se esquecer que um problema interessante para ele pode não o ser para os alunos. Ora, neste campo específico, o professor pode muito bem guiar e orientar os seus alunos na escolha de ferramentas digitais que sejam as mais adequadas para que, em alguma fase do processo os possam ajudar a concretizar um projeto.

O interesse pelas atividades é o real motor da aprendizagem, constituindo-se como a motivação real dos alunos, ávidos de saber, prontos a levantar questões e a procurar respostas. Resolver problemas poderá levar, ainda, à descoberta de novos interesses. Um problema tratado em grupo poderá levar à formação de valores sociais e pessoais, nomeadamente ao respeito pelas diferenças e à autoestima, pela importância da contribuição individual para um fim comum (Silva, San Payo & Gomes, 1992, p.50). Eisner & Ecker (1981, p.24) defendem que "o professor deve incrementar a independência dos alunos, de modo que possam vir a ser os arquitetos da sua própria Educação".

A resolução de problemas, como método, deverá tornar-se um hábito. Sendo um processo de criação, é flexível, podendo ser adaptado pelo aluno à sua maneira de ser e ao tipo de problema a resolver, escolhendo os instrumentos e ferramentas mais adequadas a esse fim. O processo interiorizado torna-se uma capacidade, a capacidade de encontrar por si próprio os conhecimentos de que necessita e de resolver com autonomia qualquer tipo de problema (Fonseca, 2001).

Segundo Silva, San Payo & Gomes (1992), resolver problemas, sentidos como seus, é para os alunos um desafio, logo uma motivação para se envolverem numa atividade. Na discussão e reflexão sobre necessidades do Homem, faz-se a ligação da escola à realidade e nas investigações, para especificar o problema e desenvolver a solução, formam novos conhecimentos e alargam os que já possuem, (1) desenvolvendo formas de expressão, representando as suas ideias; (2) exercitando a sua imaginação, na procura e proposta de alternativas; (3) desenvolvendo o espírito crítico, fundamentando-se na escolha entre várias alternativas de solução; (4) criando hábitos de organização do trabalho; (5) adquirindo destrezas e conhecimentos técnicos, na execução de projetos ou objetos.

A metodologia centrada na resolução de problemas, na especificidade da disciplina de EVT, assenta em seis fases fundamentais: situação/problema, enunciado, investigação, projeto, realização e avaliação/testagem. Na “situação/problema” é feita a análise de uma situação considerada para estudo e que pode partir da prospeção do meio; no “enunciado”, os alunos devem claramente enunciar o problema identificado e as diversas componentes desse problema; a “investigação” deve ser orientada para o desenvolvimento da autonomia dos alunos e para a criação de hábitos de pesquisa e organização de informação em ordem a resolver um dado problema; na fase de “projeto” é feito o desenvolvimento das ideias com vista à solução escolhida; a “realização” é a fase de execução/construção daquilo que foi projetado tendo em vista a solução final; finalmente, a “avaliação/testagem” é a fase onde professores e alunos criticam a avaliam os produtos finais, procurando verificar em que medida esses produtos resolvem o problema enunciado (DGEBS, 1991b).

A preocupação do professor deverá centrar-se, não no percorrer obrigatório das fases deste processo, mas antes na criação de condições que permitam que o aluno construa e se consciencialize progressivamente do seu método de trabalho pessoal. Isto não obsta a que o professor, numa perspetiva metodológica, forneça aos alunos as etapas a que a resolução de problemas obedece. Como nos refere Gomes (2005, pp.55-56), “como método de ensino a resolução de problemas pretende atingir uma finalidade. Esta finalidade é o desenvolvimento do pensamento reflexivo. Não tem por objetivo só a solução do problema, mas sim levar o aluno a passar por um caminho do pensamento científico utilizando o raciocínio indutivo e dedutivo que leva à descoberta”.

Voltando à organização das unidades de trabalho em EVT, estas centram-se numa determinada situação que se pode encarar globalmente como problema, contendo, este mesmo, problemas de âmbito mais restrito. Organizam-se segundo as fases do método de resolução de problemas, englobam as áreas de exploração e implicam o tratamento de conteúdos que vão sendo necessários, mas não se centram neles. As estratégias de ensino assumem uma grande importância didática, porque a sua estrutura condiciona a relação dos alunos com a tarefa, dos alunos entre si e do modelo de comunicação professor/aluno. Os métodos que dão importância à

individualidade do processo de aprendizagem do aluno derivam do funcionalismo de Dewey, ao considerar que a reflexão durante a ação é indispensável à aprendizagem, sendo esta, em sentido lato, a origem do método de resolução de problemas (Gomes, 2005).

“Com base nesta ideia surge o método de projeto que consiste numa proposição metodológica que visa a solução de um problema, que lida com factos, situações e coisas e não somente com ideias, que tem que se basear em algo material, que realiza algo concreto” (Gomes, 2005, p.56). Todo o projeto deve nascer de um problema que desperte o interesse do aluno, a ponto de desejar resolvê-lo. Neste sentido, o método torna-se um processo de criação. O processo interiorizado torna-se numa capacidade, autonomia para resolver qualquer tipo de problema.

Finalizando, devemos considerar que a EVT nos conduz à prática de explorações plásticas que utilizem, intencionalmente, os elementos visuais, em articulação com os instrumentos específicos de compreensão e reflexão do mundo técnico e da ação sobre ele, enquanto que a sua metodologia nos leva a pôr em prática atividades conducentes à resolução de problemas, centradas nos alunos, centradas no ensino pelo processo e na integração da forma expressiva e produtiva da ação.