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CAPÍTULO 1 – CRIME ORGANIZADO

1.6. Tipificação dada pela lei brasileira

1.6.4. A Convenção de Palermo

No plano externo, inserido no esforço de cooperação internacional, o Brasil também tem aderido a tratados e convenções internacionais celebrados com o escopo de combater o crime organizado em termos globais.189 Tais tratados e convenções se constituem em mecanismos institucionais, concebidos no plano do Direito Internacional, com vistas ao enfrentamento da criminalidade organizada, sendo importantes fontes dos regramentos legais adotados em todos os países que a eles aderem – inclusive no Brasil.190

Dentre tais mecanismos de Direito Internacional, se destaca a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – conhecida como Convenção de Palermo -, documento de amplo espectro e estrutura complexa, que busca combinar respostas ao problema criminal global que seja apropriadas a todos os

186 Art. 1º do Projeto de Lei n. 3.725/2000 (Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, Organização criminosa..., ob. cit., p. 97).

187 Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, Organização criminosa..., ob. cit., p. 157. 188 Rafael Pacheco, Crime organizado..., ob. cit., p. 50.

189 Rodrigo Carneiro Gomes, O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. Belo Horizonte: Del

Rey, 2009, p. 23.

Estados-membros, tendo em conta a diversidade de seus sistemas jurídicos.191 A Convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio, com força de lei ordinária, pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004.

As recomendações da referida Convenção se voltam especificamente ao combate do crime organizado192, sendo este documento, assim, “o documento normativo básico que, no plano internacional, rege as ações legais e as políticas institucionais de combate ao crime organizado praticadas na maioria dos países celebrantes desse Tratado Internacional. Com efeito, é a Convenção de Palermo que contém os postulados básicos, as diretrizes fundamentais que inspiram e orientam a elaboração de leis e a formulação das políticas de prevenção e repressão ao crime organizado, adotados pelos 147 países que a subscreveram, sob a égide das Nações Unidas”.193

A Convenção de Palermo toca num ponto importante – e especialmente sensível no ordenamento jurídico brasileiro – ao oferecer uma definição jurídica para o fenômeno do crime organizado, em seu artigo 2º, a:

“Art. 2º. (a). ‘Organized criminal group’ shall mean a structured group of three or more persons, existing for a period of time and acting in concert with the aim of committing one or more serious crimes or offences established in accordance with this Convention, in order to obtain, directly or indirectly, a financial or other material benefict”.194

191

Jean-Paul Laborde, État de droit et crime organisé. Paris: Dalloz, 2005, p. 147.

192 Rodrigo Carneiro Gomes, O crime organizado..., ob. cit., p. 23. 193 Rodrigo Carneiro Gomes, O crime organizado..., ob. cit., p. 25. 194

Neste trabalho, utilizaremos os conceitos oferecidos pela Convenção de Palermo em seu original em inglês, uma vez que a tradução para o português apresenta diversas imprecisões, as quais acabam por comprometer seu significado final. O dispositivo em questão, por exemplo, foi traduzido da seguinte maneira:

“Art. 2º. a) ‘Grupo criminoso organizado’ – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

Nota-se, dessa forma, que, enquanto a redação original determina que apenas será considerado crime organizado a ação do grupo de indivíduos que se dedicar a cometer crimes graves constantes na Convenção – (“with the aim of committing one or more serious crimes or offences established in accordance with this

Convention”), a tradução para o português erroneamente introduziu uma relação de alternatividade inexistente no dispositivo paradigma (“com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves OU

Assim, pode-se afirmar serem elementos essenciais do conceito de crime organizado oferecido pela Convenção de Palermo: i) o número mínimo de integrantes (três ou mais pessoas); ii) a permanência no tempo; iii) a atuação de forma combinada; iv) o cometimento de infrações graves195 previstas especificamente na própria Convenção196; v) atuação com objetivo de obtenção, de maneira direta ou indireta, de vantagem financeira ou material.197

É importante notar, porém, que, apesar de a Convenção de Palermo ter sido incorporada ao ordenamento jurídico nacional, ela não traz tipos legais já pré-definidos, e sim inaugura a obrigação jurídica internacional por parte do legislador pátrio de criar proposições legislativas que atendam e observem as diretrizes propostas pelo referido documento. É certo dizer, dessa forma, que a incorporação da Convenção de Palermo ao ordenamento jurídico pátrio aponta os elementos essenciais da definição de crime organizado – vale dizer, traz recomendações198 -, mas não supre a necessidade da

enunciadas na presente Convenção”). Como resultado, a “versão brasileira” da Convenção de Palermo abrange na categoria “criminalidade organizada”, além dos crimes previstos na Convenção, também os crimes graves não previstos no documento – uma ampliação de espectro que não encontra correspondência na versão original.

Além disso, conforme lembra Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, a referida tradução para o português peca, ainda, pelo desconhecimento da técnica do direito penal, existindo, no texto em português do documento, deslizes como a conduta chamada de “participar ativamente”, expressão que se encontra em dissonância com o artigo 29 do Código Penal, uma vez que não corresponde à dicotomia autoria/participação (Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, Organização criminosa..., ob. cit., p. 108).

195 A própria Convenção de Palermo define, em seu artigo 2º, b, o que seriam infrações graves, como se lê: “Art. 2º. (b). ‘Serious crime’ shall mean conduct constituting na offence punishable by a maximum deprivation of liberty of at least four years or a more serious penalty”.

196 Os crimes previstos na Convenção de Palermo são: participação em grupo criminoso organizado (art. 5º),

lavagem de dinheiro (art. 6º), corrupção (art. 8º) e obstrução da Justiça (art. 23) – neste último, compreende- se o uso da violência, ameaças, intimidação ou promessas, oferecimento ou concessão de valores para induzir falso testemunho ou para interferir em declarações testemunhais ou na produção de provas no curso de processos relacionados ao cometimento de delitos previstos pela Convenção; e também o uso da violência, ameaças ou outras formas de intimidação contra juízes ou agentes do judiciário. (Piero L. Vigna, La cooperación judicial frente al crimen organizado. In: El crimen organizado – Desafíos y perspectivas en el

marco de la globalización. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005, p. 235).

197 Rodrigo Carneiro Gomes aponta, ainda, como característica essencial do conceito de crime organizado

apresentado pela Convenção de Palermo, a transnacionalidade do delito, no que é acompanhado por Luís Flávio Gomes, o qual considera ser “da essência dessa definição a natureza transnacional do delito (logo,

delito interno, ainda que organizado, não se encaixa nessa definição)”. (Luis Flávio Gomes, Definição de

crime organizado e a Convenção de Palermo. Artigo disponível no endereço eletrônico http://www.lfg.com.br em 06 de maio de 2009). Contudo, e com todo o respeito às opiniões divergentes, cremos que tal entendimento não procede, uma vez que a própria Convenção, em seu artigo 34, 2, estabelece que os delitos nela previstos – inclusive o de participação em organização criminosa – podem ser estabelecidos nas leis internas dos Estados-membros independentemente de sua natureza transnacional.

198 Para Rodrigo Carneiro Gomes, algumas das principais recomendações trazidas pela Convenção de

criação de lei penal em sentido estrito.199

Nesse sentido, o artigo 5º da Convenção determina que seus Estados-membros devem adotar medidas – legislativas ou extra-legislativas – para criminalizar a conduta de participação em organização criminosa, como se vê:

“Art. 5. 1. Each State Party shall adopt such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences, when commited intentionally:

(a) Either or both of the following as criminal offences distinct from those involving the attempt or completion of the criminal activity:

(i) Agreeing with one or more other persons to commit a serious crime for a purpose relating directly or indirectly to the obtaining of a financial or other material banafit and, where required by domestic law, involving an act undertaken by one of the participants in furtherance of the agreement or involving an organized criminal group;

(ii) Conduct by a person who, with knowledge of either the aim and general criminal activity of an organized criminal group or its intention to commit the crimes in question, takes the active part in:

a. Criminal activities of the organized criminal group;

b. Other activities of the organized criminal group in the knowledge that his or her participation will contribute to achievement of the above-described criminal aim;

(b) Organizing, directing, aiding, abetting, facilitating or counseling the commission of serious crime involving an organized criminal group.

mesmo a responsabilização penal da pessoa jurídica – e da adoção de medidas para a utilização de técnicas especiais de investigação, tais como a ação controlada, a vigilância eletrônica e a infiltração de agentes. (Rodrigo Carneiro Gomes, O crime organizado..., ob. cit., pp. 35-36).

2. The knowledge, intent, aim, purpose or agreement referred to in paragraph 1 of this article may be inferred from objective factual circumstances.

3. State Parties whose domestic law requires involvement of an organized criminal group for purposes of the offences established in accordance with paragraph 1 (a) (i) of this article shall ensure that their domestic law covers all serious crimes involving organized criminal groups. Such State Parties, as well as State Parties whose domestic law requires an act in furtherance of the agreement for purposes of the offences established in accordance with paragraph 1 (a) (i) of this article, shall so inform tha Secretary- General of the United Nations at the time of their signature or of deposit of their instrument of ratification, acceptance or approval of or accession to this Convention”.

Como se percebe, a Convenção não traz pronto o tipo penal de participação em organização criminosa, mas, sim, apresenta uma série de recomendações ao Estado-parte para que este possa criar, em seu próprio ordenamento jurídico, um tipo penal que esteja de acordo com tais diretrizes.

1.6.5. A imprescindibilidade da definição jurídico-penal da criminalidade