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Os policiais que podem atuar como agentes infiltrados

CAPÍTULO 3 – INFILTRAÇÃO POLICIAL

3.3. A tipificação legal no direito brasileiro

3.3.1. Os policiais que podem atuar como agentes infiltrados

No Brasil, resta claro, por força do artigo 2º, inciso V, da Lei n. 9.034/95, que apenas policiais podem exercer a função de agentes infiltrados.347 No entanto, é necessário que se atente para o fato de que nem todos os tipos de policiais podem se infiltrar em organizações criminosas.

O inciso V do artigo 2º da Lei n. 9.034/95, como visto, autoriza a infiltração policial nos seguintes termos:

“Artigo 2º. V – infiltração, por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”.

(Destaque acrescentado.)

Assim, o texto legal dá a entender que as atividades de infiltração seriam atribuição tanto dos policiais – sem, no entanto, especificar quais tipos de policiais - quanto dos agentes de inteligência.

345 Antonio Scarance Fernandes, O equilíbrio..., ob. cit., p. 252.

346 José Antônio Pinheiro Aranha Filho, Implicações sobre a figura do agente infiltrado. Artigo disponível no

endereço eletrônico: www.ibccrim.org.br, em 17 de junho de 2003.

347 Note-se que em outros países, tais como Argentina, Portugal e Espanha, pode-se ter como infiltrados

indivíduos alheios aos quadros da polícia, bastando, para que possam assumir tal posição, que se subordinem ao poder do Estado.

No entanto, o artigo 144 de nossa Constituição Federal atribui e delimita expressamente as atribuições das diferentes instituições policiais brasileiras, conferindo inequivocamente às Polícias Civis e à Federal a função de apurar o cometimento de infrações penais, como se vê:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39”.

(Destaques acrescentados).

Dessa forma, de acordo com o dispositivo constitucional supra, é às Polícias Civis e Federal que cabe a função de investigação dos delitos, ficando a seu cargo a busca de provas. Devem ser apenas essas instituições policiais, portanto, que podem ter seus agentes (policiais civis e federais) infiltrados, durante a investigação de um delito ligado ao crime organizado. Vale dizer, apenas os policiais operantes nas polícias de caráter repressivo é que podem atuar como infiltrados, uma

vez que apenas estes têm autorização para investigar o cometimento de delitos. Não podem ser infiltrados os agentes das polícias preventivas, pois sua função não é investigar, mas apenas prevenir a prática de crimes.348

Assim sendo, como reforça Mariângela Lopes Neistein, “não se pode considerar como agente infiltrado todo e qualquer agente de polícia, mas somente aqueles que são membros da polícia repressiva, que seriam os policiais federais e civis – não abrangendo os militares, rodoviários, ferroviários, membros da polícia ostensiva, etc”.349

Por outro lado, os chamados agentes de inteligência – membros da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)350 - não têm por função colher provas para o processo penal, visto que a ABIN não tem função de polícia.351 Seu objetivo é fornecer ao governo informações necessárias para que se mantenham seguras a ação governamental e a segurança da sociedade e do Estado.352 Nesse sentido, assevera Mariângela Lepes Neistein: “os serviços de inteligência não têm como objetivo a busca de provas ou indícios a serem utilizadas em inquéritos policiais ou processos criminais, mas a produção de um conhecimento que permita a tomada de decisões estratégicas para auxílio do governo e segurança do Estado. Os elementos buscados e obtidos pelos agentes da ABIN terão a finalidade de auxiliar no

348 Mariângela Lopes Neistein, O agente infiltrado..., ob. cit., p. 99. 349 Mariângela Lopes Neistein, O agente infiltrado..., ob. cit., p. 101.

350 A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) é um dos braços do Sistema Brasileiro de Inteligência

(SISBIN), o qual é composto, ainda, por membros oriundos de diferentes órgãos governamentais, tais como o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência. (Rafael Pacheco, Crime organizado..., ob. cit., p. 116). A origem da ABIN, originalmente denominada “Atividade de Informações”, remonta ao advento do Conselho de Defesa Nacional (Decreto n. 17.999, de 29 de novembro de 1927), o qual tinha por objetivo a obtenção de informações vinculadas a interesses estratégicos de segurança do Estado. Durante o período da ditadura militar, que perdurou dos anos 1960 até meados dos anos 1980 no Brasil, a atividade de Inteligência brasileira passou a denominar-se Sistema Nacional de Informações (SNI), o qual, por intermédio de seu departamento conhecido como DOI-CODI, foi responsável pela censura, tortura, perseguições e assassinatos contra os membros dos movimentos de resistência que desafiavam o governo. Em 7 de dezembro de 1999, foram criados os órgãos de Inteligência atualmente existentes, a ABIN e o SISBIN, por meio da sanção presidencial da Lei n. 9.883/1999. (Mariângela Lopes Neistein, O agente infiltrado..., ob. cit., pp. 102-103).

351 Mariângela Lopes Neistein, O agente infiltrado..., ob. cit., p. 103.

352 Decreto n. 4.376/2002, artigo 2º: “Para efeitos deste decreto, entende-se como inteligência a atividade e análise de dados e informações e de produção e difusão de conhecimento, dentro e fora do território nacional, relativos a fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”.

planejamento, avaliação e realização de estratégias que almejam a combater ameaças contra o governo”.353

Note-se que tampouco podem os agentes de inteligência realizar colheita de provas, haja visto tal função ser privativa dos Policiais Civis, por força do disposto no artigo 144 da Constituição da República, supra.

Pode-se afirmar, assim, que a disposição do artigo 2º, inciso V, da Lei n. 9.034/95, é de inconstitucional, por atribuir aos agentes de inteligência função colidente com os preceitos constitucionais354, uma vez que a Constituição da República determina expressamente que a atividade investigatória criminal cabe aos membros das polícias repressivas.355 Nesse sentido, sustenta Rafael Pacheco: “parece-nos ser de duvidosa constitucionalidade a permissão contida na Lei 10.217/01, que prevê a atuação de agentes de inteligência como infiltrados, na medida em que, para tais agentes, não são em regra cometidas funções de polícia judiciária e, desse modo, não estão legitimados a coletar provas voltadas às futuras utilizações em processo penal, única causa legítima capaz de fundamentar as violações à intimidade e outros direitos fundamentais que implicam a atividade de infiltração”.356

3.3.2. As recomendações da Convenção de Palermo em relação à infiltração de