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CAPÍTULO 3 – INFILTRAÇÃO POLICIAL

3.5. A compatibilidade constitucional da infiltração de agentes

3.5.4. Princípio da publicidade processual

A regra, no sistema constitucional e processual brasileiro, é a publicidade plena, ou seja, em suas duas fases – a investigativa preliminar e a

428 Decisões interlocutórias, segundo Rogério Lauria Tucci, são aquelas que são proferidas no curso do

processo sem afetar o seu prosseguimento em direção à sentença extintiva (Rogério Lauria Tucci, Direitos e

garantias..., ob. cit., p. 242). São exemplos de decisões interlocutórias no processo penal: a decisão que recebe a denúncia, a decisão que determina a prisão preventiva do investigado, e, também, a decisão que autoriza a infiltração de agentes policiais.

429 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 244. 430 Alberto Silva Franco, Crimes hediondos..., ob. cit., p. 195. 431 Alberto Silva Franco, Crimes hediondos..., ob. cit., p. 195.

processual -, a persecução penal deve ser, em regra, atividade pública433. Por meio da publicidade plena, é possível às partes e à sociedade o acompanhamento do desenrolar do processo penal. Assim, esta garantia toma contornos de garantia às partes – que passam a ter a segurança de um iter procedimental isento de vícios – e também à população como um todo - a qual tem a oportunidade de formar sua opinião sobre a retidão dos órgãos judiciais.434

Não por acaso, esta garantia encontra-se prevista constitucionalmente em paralelo com a necessidade de motivação das decisões, no artigo 93, IX,435 de nossa Constituição da República, sendo ambas as garantias orientadas para o controle externo das atividades do Poder Judiciário, ficando sob escrutínio tanto a imparcialidade do juiz quanto os erros do Poder Judiciário.436 Com a publicidade dos atos processuais, são evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça.437 A publicidade processual tem, ainda, a função de legitimar a atuação estatal, uma vez que “somente quando os cidadãos sabem, por meio da publicidade, ‘como’, ‘quando’, ‘porque’ e ‘por quem’ os atos estatais são produzidos, alcançando legitimidade interna e externa, estes passam a ser aceitos e respeitados por todos. Não há quem, na condição de cidadão, aceite atos públicos sendo produzidos de maneira sigilosa”.438

Assim, na lição de Rogério Lauria Tucci, “presenteando- se a publicidade como requisito formal da realização da grande maioria de atos processuais, num procedimento demarcado em lei, a fim de que sejam prévia e amplamente conhecido, propiciando a participação dos interessados; atende, por outro

433 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade e proporcionalidade na persecução penal brasileira. In: Sigilo no processo penal – eficiência e garantismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 41.

434 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 211.

435 A publicidade dos atos processuais foi elevada ao status de garantia constitucional com a atual Carta

Magna de 1988. Anteriormente, o tema era tratado pelo Código de Processo Penal, em seu artigo 792. (Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 247). A inserção dessa garantia da Constituição das República teve o condão de alterar situações em que a regra era o julgamento em sigilo, como os julgamentos militares, os quais depois passaram a ser realizados com maior publicidade, assegurando-se a participação das partes. (Antonio Scarance Fernandes, Processo Penal..., ob. cit., p. 71).

436 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 211. 437 Antonio Scarance Fernandes, Processo Penal..., ob. cit., p. 72. 438 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 41.

lado, ao reclamo de transparência da Justiça (particularmente da Criminal), serviente aos anseios dos integrantes do processo e aos desígnios do bem comum, em que avulta a imprescindibilidade de paz social, mais efetivamente de segurança pública”.439

No entanto, para alcançar seus fins investigativos, é necessário que a determinação da infiltração se mantenha em sigilo.440 Do contrário, corre-se o risco de revelar-se a identidade do infiltrado, frustrando-se assim os fins da medida – e colocando-se em risco a integridade física do agente.

A nossa Constituição da República prevê a restrição da publicidade dos atos processuais em seu artigo 5º, inciso LX, “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.441 Vê-se, portanto, que, apesar de a

publicidade dos atos processuais ser a regra, permite-se seu excepcionamento quando o exigirem o interesse público, o interesse social ou a defesa da intimidade.442 Nas palavras de Maurício Zanóide de Moraes: “Toda e qualquer persecução penal é atividade pública, com inevitáveis instantes de excepcionalidade constitucional de sigilo para alguns atos e em certas circunstâncias. Essa excepcionalidade é que deve, em cada caso concreto, passar pelo crivo da proporcionalidade, com o objetivo de atingir a legitimidade constitucional indispensável a todo ato estatal”.443

É necessário, porém, neste momento, fazer uma distinção ao quanto ao tipo da publicidade que será restringida. A publicidade externa de um procedimento é a que se garante aos terceiros estranhos à persecução penal444, e pode

439 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 212.

440 Claudia B. Moscato de Santamaría, El agente encubierto..., ob. cit., p. 63.

441“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

442 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 217. Tucci lembra ainda que as situações

especiais nas quais se permite a publicidade restrita do processo penal encontram-se previstas, também , em pactos supranacionais, como a Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (em seu artigo 6º), e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 14, 1); bem como em ordenamentos estrangeiros, como o italiano e o americano. (Rogério Lauria Tucci, Direitos

e garantias..., ob. cit., p. 218).

443 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 42. 444 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 43.

sempre ser restrita quando o objetivo é a proteção da intimidade das pessoas envolvidas na persecução penal – investigado, vítima, testemunhas, parentes e seus representantes, por exemplo – ou a proficuidade dessa atividade estatal; não resultado, dessa restrição, qualquer prejuízo para aqueles juridicamente interessados na causa.445

Por outro lado, a publicidade interna refere-se àquela garantida às partes, seus defensores e demais operadores do direito que atuam na persecução penal – policiais, servidores judiciais, peritos, entre outros -; e sua limitação, ainda que por um curto período de tempo, “tem o efeito imediato de criar uma desigualdade na persecução, pois somente ocorre para uma parte da persecução, qual seja o sujeito investigado/acusado, remanescendo irrestrita a publicidade interna para os demais sujeitos atuantes (Polícia Judiciária e Ministério Público)”.446 Além desse efeito imediato, a limitação da publicidade interna implica ainda limitações ao exercício de outros direitos fundamentais do cidadão, tais como a defesa técnica e a autodefesa, o exercício do contraditório pleno e eficaz, a interposição de recurso contra eventual medida restritiva de direitos, e o exercício efetivo do habeas corpus, entre outros.447

No caso da infiltração de agentes, para o sucesso da medida e a segurança física do agente e de seus familiares, é necessário que se imponha restrições à publicidade interna dos autos da infiltração, aos quais apenas poderão ter acesso os Magistrados atuantes no caso, seus órgãos auxiliares e os membros do Ministério Público, acarretando nas restrições de direitos supra citadas. No entanto, conforme assevera Maurício Zanóide de Moraes, “não se deve defender, com isso, que a publicidade interna nunca deva ser restringida, e é exatamente neste ponto que se insere a importância do princípio da proporcionalidade. É por esse crivo que devem passar os atos limitadores de direitos ou garantias do cidadão para que sejam constitucionalmente legítimos e dessa maneira se exerçam”.448 Assim, serve a proporcionalidade para avaliar o cabimento excepcional da restrição da publicidade interna.

445 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 43. 446

Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 43.

447 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 43. 448 Maurício Zanóide de Moraes, Publicidade..., ob. cit., p. 43.

De se notar, por outro lado, que, após levada a cabo medida violadora da intimidade – tal como a infiltração de agentes – a publicidade externa dos autos deve permanecer restrita, mesmo após cessar a restrição à publicidade interna e a defesa tomar conhecimento da medida, pois, de outra sorte, o investigado teria sua intimidade exposta indiscriminadamente a terceiros. Acerca dessa questão, observa Maurício Zanóide de Moraes: “Não há como se tolerar, porém, que o cidadão, após violada a sua intimidade de modo justificável, possa ter o resultado dessa violação exposto a terceiros estranhos à persecução ou ao público em geral. Nesse caso, é perfeitamente proporcional e deve ser determinada pelo juiz a limitação da publicidade externa, com restrição de acesso aos autos, ou a parte deles, para aqueles terceiros”.449

3.5.5. Presunção de inocência. Vedação da produção de prova contra si mesmo