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Possibilidade de utilização da prova obtida por meio da infiltração policial como

CAPÍTULO 3 – INFILTRAÇÃO POLICIAL

3.7. Possibilidade de utilização da prova obtida por meio da infiltração policial como

Deve-se analisar, por fim, como serão valoradas as provas colhidas pelo agente infiltrado – tanto as juntadas diretamente aos autos quanto as declarações feitas por ele ao ser ouvido como testemunha.

Como já restou demonstrado, as provas obtidas por meio da infiltração policial são sempre fruto do engodo. O infiltrado angaria provas ao manter o investigado em um estado ilusório, fazendo-o acreditar que é alguém que, na realidade, não é. Assim sendo, podem ser tais provas valoradas por um juiz e, ainda, servir de alicerce a uma sentença condenatória?

Nos Estados Unidos da América, no caso Hoffa v. U.S. (1966), a Suprema Corte descartou qualquer lesão às Emendas Constitucionais do país ao afirmar que, ainda que o agente não tenha revelado sua identidade e função ao investigado, as conversas que este mantinha com ele eram totalmente voluntárias, assim como o fornecimento das informações.499

Na Alemanha, há uma forte discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da validade das provas obtidas por meios enganosos.500 O StrafprozeBbuch (StPO) – o conjunto de leis processuais penais do país -, em seu artigo 136, a, veda expressamente a utilização dos métodos enganosos em interrogatório. Porém, parte da doutrina e da jurisprudência defende a possibilidade da valoração das provas assim obtidas, em caráter excepcional, quando se tratar de crimes graves.501 Nesse sentido, decidiu o Tribunal Supremo Alemão – o BGH GSSt -, em 13 de maio de 1996: “si una persona privada, a instancias de la autoridad instructora, mantiene con el sospechoso del hecho una conversación dirigida a obtener datos sobre el objeto de la investigación, sin revelar el propósito de la misma, el contenido de la conversación puede ser valorado, en todo caso como prueba testifical, siempre que se trate del

499 Claudia B. Moscato de Santamaría, El agente encubierto..., ob. cit., p. 75. 500 Enrique Bacigalupo, El debido..., ob. cit., p. 70.

esclarecimiento de un hecho punible de relevante significación y la investigación de los hechos con otros métodos hubiera tenido pocas perspectivas de êxito o hubiera sido esencialmente dificultada”.502

Claudia B. Moscato de Santamaría, por sua vez, entende que as declarações auto-incriminatórias feitas pelo investigado ao agente infiltrado, na ignorância da condição deste, podem servir para orientar novas medidas investigativas; não podendo jamais, no entanto, servir de base para uma sentença condenatória. Observa a autora: “A mi criterio, la información que recoja el agente encubierto podrá servir de base para la investigación em una etapa inicial del proceso, pero las declaraciones autoincriminatorias recibidas informalmente por dicho agente, e incorporadas al proceso a través de su declaración testimonial no pueden dar base a uma condena”.503

Nesse sentido, aliás, já se manifestou a Corte Européia de Direitos Humanos, ao julgar o caso “Teixeira de Castro v. Portugal”504, no qual a condenação do investigado havia se baseado essencialmente nas declarações de dois policiais infiltrados. Em sua decisão, a referida Corte afirmou a validade das informações prestadas pelos agentes infiltrados como base para outras medidas investigativas em sede de instrução preparatória – e quando a natureza do delito o justifique. Condenou, porém, a sua utilização pelo juiz para justificar uma condenação.505

502 Enrique Bacigalupo, El debido..., ob. cit., p. 70. 503

Claudia B. Moscato de Santamaría, El agente encubierto..., ob. cit., p. 76.

504 Neste caso, dois policiais à paisana entraram em contato com um indivíduo suspeito de tráfico de drogas

(chamado de “V.S.”), buscando, por meio dele, identificar seu fornecedor. Os policiais comentaram estar interessados na compra de heroína. V.S. indicou que poderia conseguí-la de Francisco Teixeira de castro mas que, para entrar em contato com ele, teria que ir até outra pessoa, chamada de “F.O.”. V.S. e F.O. foram, então, na companhia dos policiais, até a residência de Teixeira de Castro, onde se deu a venda da droga. Imediatamente após, os policiais se identificaram e prenderam V.S., F.O. e Teixeira de Castro. Em sua defesa, Teixeira de Castro sustentou que sua prisão foi ilegal por infringir o artigo 6.1 da Convenção Européia de Direitos Humanos – que diz respeito ao direito do acusado a ser ouvido em uma audiência justa e pública, por um tribunal independente e imparcial -, além de ter sido resultado da conduta imoral e ilegal dos dois policiais, uma vez que o delito foi cometido única e exclusivamente devido à sua provocação, sem que houvesse nem mesmo um mandado judicial para tanto. (Belén Cassani, Agente encubiertos e informantes como medios de prueba contra el crimen organizado – Um análises desde la jurisprudencia de derechos humanos. In: El crimen organizado – Desafíos y perspectivas en el marco de la globalización. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005, pp. 241-242).

Além disso, há que se considerar que o agente infiltrado deverá, necessariamente, prestar declarações de forma encoberta, mantendo sua identidade sob sigilo, para segurança sua e de sua família – o que certamente restringe a amplitude do direito de defesa do acusado. Por isso, cremos que esta condição, também, traz restrições às possibilidades de valoração destas declarações pelo Magistrado.

Nesse sentido, as “Regras de Mallorca”, ou “Regras Mínimas de Processo Penal”, elaboradas pelo Instituto Universitário de Criminologia da Universidade Complutense de Madrid, também dispõem, em seu artigo 33, inciso 3:

“Art. 33. 3. En el ejercicio de la liberdad de apreciación de la prueba, los jueces en los supuestos des testigos de referencia, declaración de arrepentidos y situaciones análogas, tendrán em cuenta que solo com otras pruebas corroboradoras de tales testimonios podrá dictarse sentencia condenatória”.506

Assim, tem-se que apenas a prova obtida pelo agente infiltrado, de maneira isolada, não serve para embasar uma sentença condenatória. Para que possa subsidiar uma condenação, deve estar ela acompanhada de outros elementos de prova que a corroborem.507

3.8. A compatibilização da figura do agente infiltrado com as garantias