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CAPÍTULO 3 – INFILTRAÇÃO POLICIAL

3.6. O agente infiltrado como testemunha

Findo o período de infiltração, existe a possibilidade de que o agente infiltrado seja ouvido durante a fase de instrução probatória. Entendemos que a oitiva do agente é fundamental para que a defesa exerça seu direito ao contraditório – ainda que de maneira diferida – e à ampla defesa, da melhor forma possível. É apenas dessa forma que ela terá a chance de questionar o agente acerca das circunstâncias em que se deu a infiltração e da forma como foram obtidas as provas juntadas aos autos.

Não há, no entanto, na legislação brasileira, qualquer disposição relativa à forma como se dará essa oitiva, ou ao status conferido ao agente no momento de sua oitiva.

Entendemos, a despeito do silêncio da lei, que o agente infiltrado deve ser ouvido como testemunha em Juízo. Testemunha, no processo penal, é toda pessoa que, não figurando no mesmo procedimento como vítima ou como acusado, encontra-se inteirado sobre os fatos investigados e vem a juízo prestar informações sobre eles.488 Ao teor do depoimento da testemunha dá-se o nome de “testemunho”, cujo valor no processo penal reside na presunção de que alguém que

486 Mariângela Lopes Neistein, O agente infiltrado..., ob. cit., p. 78. 487 Mariângela Lopes Neistein, O agente infiltrado..., ob. cit., p. 78.

488 José Carlos G. Xavier de Aquino, A prova testemunhal no processo penal brasileiro. São Paulo: Juarez de

Oliveira, 2002, p. 14. Claudia B. Moscato de Santamaría também oferece sua definição de testeminha:

“individua que se encuentra directamente a la vista de un objecto, y conserva su imagen, por lo tanto es El llamado a declarar secún se experiencia acerca de ela existencia y natulaleza de los hechos investigados cuando su declaración pueda ser útil para descubrir la verdad”. (Claudia B. Moscato de Santamaría, El

tenha presenciado um acontecimento de relevância jurídica possa ter percebido, através de suas percepções sensoriais, a verdade dos fatos, e queira transmiti-la.489 Essa presunção alicerça-se em dois pontos: a capacidade de o homem perceber a ocorrência dos fatos e a de transmiti-los corretamente.490

Ora, o infiltrado encontra-se exatamente na posição descrita: é alguém que, não sendo vítima ou acusado, dispõe de informações sobre os fatos objeto da persecução penal e está apto a prestar informações sobre ele. Pode ser considerado, portanto, como uma testemunha. Marcelo Batlouni Mendroni compartilha desta mesma opinião: “Nada impede, mas ao contrário, tudo sugere, que ele sirva de testemunha – diga-se, importantíssima – a respeito das atividades da organização criminosa dentro da qual terá convivido. Estará em condições de descrever ao Juiz tudo o que tiver presenciado e relatar as atividades criminosas e os respectivos modus operandi”.491 Note-se que o agente infiltrado, ao prestar declarações como testemunha, tem o dever de dizer sempre a verdade, sob pena de incorrer no crime previsto pelo artigo 342 do Código Penal.492

Nesse sentido, as chamadas “Regras de Mallorca”, ou “Regras Mínimas de Processo Penal”, elaboradas pelo Instituto Universitário de Criminologia da Universidade Complutense de Madrid, estabelecem, em seu artigo 29, 2:

“Art. 29. 2. Si la comprobación de un hecho se basa em la percepción de una persona, deverá ser ésta inrrogada en el juicio oral. Este interrogatorio no puede ser reemplazado por la lectura de un documento o de claración anteriormente escrita. La leyes nacionales establecerán las excepciones a este principio por razón de imposibilidad o grave dificultad de la reproducción de esta prueba. Em estos casos, se prodrán utilizar en el juicio oral las declaraciones practicadas con

489Karl Joseph Anton Mittermayer, Tratado da prova em matéria criminal. Rio de Janeiro: Jacinto, 1917, p.

284.

490 José Carlos G. Xavier de Aquino, A prova testemunhal..., ob. cit., p. 15. 491 Marcelo Batlouni Mendroni, Crime organizado..., ob. cit., p. 59.

492 “Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 (um) a e (três) anos, e multa”.

anterioridad, siempre que hubiesen tenido lugar con intervención del defensor y se garantice a las otras partes la oportunidad de oponerse a la prueba aportada (principio de contradicción)”.493

De se ressaltar, porém, que o agente infiltrado, quando testemunha em Juízo, deve ter sua identidade mantida em sigilo, a fim de proteger a si próprio e à sua família de possíveis vinganças dos integrantes da organização criminosa na qual estava infiltrado494, conforme observa Marta Gómez de Liaño Fonseca-Herrero: “resulta evidente que cuando el policía abandona el entorno delictivo, la salvaguarda de su integridad física debe proseguir, incluso con mayor intensidad, pues los presuntos culpables intentarán impedir cualquier tipo de declaración incriminatoria concluyente”.495 Além disso, se for identificado, o agente não mais poderá trabalhar como infiltrado em futuras operações, o que representa grande perda para os quadros da polícia, haja visto o alto grau de treinamento e especialização necessários496 a um agente infiltrado.497 Por isso, Marcelo Batlouni Mendroni defende o uso, no que couber, dos dispositivos da Lei n. 9.807/99 (Lei de Proteção a Testemunhas) para a proteção dos agentes infiltrados que vierem a ser ouvidos como testemunhas.498

493 Claudia B. Moscato de Santamaría, El agente encubierto..., ob. cit., pp. 68-69 (destaque acrescentado). 494 Marcelo Batlouni Mendroni, Crime organizado..., ob. cit., p. 59.

495 Marta Gómez de Liaño Fonseca-Herrero, Criminalidad organizada..., ob. cit., p. 233. 496

Os agentes infiltrados passam por um rigoroso processo de seleção, formação, treinamento e supervisão, representando tal processo uma primeira garantia contra o eventual fracasso de suas operações. No Federal

Bureau of Investigation (FBI) e nas polícias locais norte-americanas, por exemplo, existem dois níveis de seleção e treinamento. No primeiro, de caráter mais genérico, exige-se que o agente seja voluntário, que preste juramento, que tenha resistência física e psicológica frente a situações de tensão, espontaneidade, capacidade de improviso face a situações inesperadas, capacidade de manipulação e de representação, estabilidade familiar e motivação para o exercício daquela função. Já o segundo nível de seleção procura encontrar agentes com características específicas apropriadas para determinada operação em concreto, tais como a natureza do disfarce, o tempo da operação e o meio criminoso em que o agente terá de infiltrar-se. É ministrado aos agentes, então, um curso, o qual compreende uma parte teórica, que envolve o estudo de direito penal, direito processual penal e criminalística, e uma parte prática, mais intensa, que prepara o agente para se adaptar ao seu “disfarce” e aos riscos e exigências do trabalho, e engloba ainda preparação física e mental, curso de defesa pessoal, curso de tiro, lições sobre técnicas eletrônicas de vigilâncias, sobre problemas a enfrentar no trabalho infiltrado e sobre atuação. Os candidatos também são treinados para integrar-se em diversos meios sociais, ao nível de hábitos, linguagem e esquemas de transação de produtos de venda ilícita, entre outros aspectos da comunidade em que se infiltrarão. (Isabel Oneto, O agente infiltrado...,

ob. cit., pp. 84-85).

497

Marcelo Batlouni Mendroni, Crime organizado..., ob. cit., p. 59.

498 Marcelo Batlouni Mendroni, Crime organizado..., ob. cit., p. 59. O Projeto de Lei n. 3.731/1997 tem

disposição justamente nesse sentido, de fornecer ao agente infiltrado a proteção prevista na Lei n. 9.807/99 (art. 13, II, do referido Projeto).

3.7. Possibilidade de utilização da prova obtida por meio da infiltração policial