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A motivação da decisão que autoriza a infiltração

CAPÍTULO 3 – INFILTRAÇÃO POLICIAL

3.5. A compatibilidade constitucional da infiltração de agentes

3.5.3. A motivação da decisão que autoriza a infiltração

Também como expressão do devido processo legal, garantidor dos direitos e liberdades do indivíduo, encontra-se o dever de motivar do magistrado que autoriza a infiltração policial, previsto em nossa Constituição da

407 Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência..., ob. cit., p. 137. 408 Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência..., ob. cit., p. 138. 409 Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência..., ob. cit., pp. 138-139. 410 Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência..., ob. cit., p. 139.

República no artigo 93, IX412. O dever de motivar, nas palavras de Piero Calamandrei, constitui o caráter mais importante e típico da racionalização da função jurisdicional.413 A motivação das decisões judiciais configura-se na demonstração, por parte do magistrado que pronuncia o ato decisório, de como apreendeu os fatos e interpretou a lei penal que sobre eles incide, propiciando, com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da abordagem de todos os pontos questionados e, conseqüente e precipuamente, a conclusão atingida.414

Ela apresenta dupla função:415 primeiramente, serve como garantia política, propiciando a comunicação entre a atividade judiciária e a opinião pública, ensejando a apreciação crítica da sociedade acerca da forma como é aplicado concretamente o direito.416 De outra sorte, serve também como garantia processual, constituindo um dos requisitos formais das decisões417, funcionando como garantia de que todas as questões de fato e de direito suscitadas pelas partes foram apreciadas pelo magistrado em seu processo decisório418, de maneira imparcial419, e possibilitando às partes, ainda, o conhecimento dos argumentos da decisão para adequadamente impugná-la420.

Assim, por meio da motivação, o agente do Poder Judiciário deve demonstrar a forma com que interpretou a lei e se apreendeu os fatos da

412 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

413 Piero Calamandrei, Proceso y democracia. Buenos Aires: EJEA, 1960, p. 115. 414 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 227.

415 Rogério Lauria Tucci acrescenta, ainda, uma terceira função à motivação da sentença, a qual seria a de “servir, quando correta e justamente proferido o ato decisório, para o aprimoramento da aplicação do direito, e, reflexivamente, para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e da orientação jurisprudencial”. (Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 228).

416 Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., ob. cit., p. 81. 417 Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., ob. cit., p. 95. 418 Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., ob. cit., pp. 96-97. 419 Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação..., ob. cit., p. 98. 420 Ada Pellegrini Grinover, O conteúdo..., ob. cit., p. 21.

causa, “de sorte a que sua exposição, dotada de clareza, lógica e precisão, propicie perfeita compreensão de todos os pontos controvertidos, bem como da conclusão atingida, consubstanciada no julgamento da causa.”421 Só a motivação permite que se avalie se a racionalidade da decisão do magistrado predominou sobre o poder arbitrário – premissa fundante de um processo penal democrático.422

Nesse contexto, nos dizeres de Aury Lopes Jr., é possível afirmar que “a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial”.423 Importante ressaltar que “não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição judiciária (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que levou a tal conclusão”.424

Desse modo, o juiz que autoriza a infiltração policial deve, em seu despacho, expressar quais são as circunstâncias - levadas a seu conhecimento pelos órgãos policiais – que justificam a utilização desta medida excepcional, no lugar de outras medidas investigativas menos gravosas.425 Deve, ainda, explicitar o motivo da inaplicabilidade, no caso concreto, de tais medidas menos gravosas426, uma vez que a infiltração policial apenas deve ser levada a cabo em critério de absoluta excepcionalidade e subsidiariedade.

Em tempo, é importante destacar que não são apenas as sentenças definitivas em processos de caráter condenatório que merecem ser motivadas. No âmbito da jurisdição penal, todos os atos decisórios (à exceção dos meros despachos de expediente, desprovidos de carga decisória), para que sejam válidos, necessitam de motivação427, incluindo-se aqui as decisões interlocutórias428 – categoria

421 Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de 1988 e processo. São Paulo: Saraiva,

1989, p. 74.

422

Aury Lopes Jr., Introdução crítica..., ob. cit., p. 263. No mesmo sentido, Perfecto Andrés Ibáñez: “o

simples fato de ampliar o campo do observável da decisão, não só para os destinatários diretos da mesma, mas, também, ao mesmo tempo e inevitavelmente, para terceiros, comporta para o autor da mesma a exigência de um princípio ou um adicional de justificação do ato; e uma maior exposição deste à opinião”.

(Perfecto Andrés Ibáñez, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal. In: Valoração da prova e sentença

penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 62-63.

423 Aury Lopes Jr., Introdução crítica..., ob. cit., p. 264. 424 Aury Lopes Jr., Introdução crítica..., ob. cit., p. 264.

425 Claudia B. Moscato de Santamaría, El agente encubierto..., ob. cit., p. 59. 426 Claudia B. Moscato de Santamaría, El agente encubierto..., ob. cit., p. 61. 427 Rogério Lauria Tucci, Direitos e garantias..., ob. cit., p. 240.

na qual se incluem as decisões autorizadoras da infiltração de agentes. Assim, da mesma forma do que ocorre com as sentenças terminativas, não podem as sentenças interlocutórias deixarem de ser motivadas, ou seja, devem conter fundamentação jurídica suficiente à evidenciação, tanto fática, como jurídica, do teor da resolução do órgão jurisdicional pronunciante.429

Deve-se ressaltar que não é suficiente a exposição, pelo juiz, de fórmulas genéricas, ou a mera enunciação da norma jurídica: é necessário que o magistrado proceda à valoração dos fatos conhecidos no processo, demonstrando, in casu, a ocorrência de fatos concretos que justifiquem a adoção da referida técnica investigativa, sob pena de esvaziar todo o significado de garantia do cidadão inerente à motivação.430 Nesse sentido, “o juiz tem a obrigação de dar conta de seus atos e não pode pura e simplesmente adaptar, num procedimento manipulatório, o fato à norma”431.

Com a motivação da decisão que determina a infiltração policial, busca-se o controle da lógica e da razoabilidade da aplicação desta medida, a qual mostra-se sobremaneira gravosa às liberdades individuais.432