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CAPÍTULO 4 – DIREITO COMPARADO

4.6. Portugal

Embora também não exista, em Portugal definição jurídica de crime organizado, é possível afirmar que a legislação do país em matéria de meios de investigação de prova específicos para este tipo de criminalidade é bastante avançada e equilibrada, buscando a eficácia sem restrição exagerada e sem descuidar da observância às normas de garantia.649

Nesse sentido, a infiltração de agentes encontra-se prevista na Lei portuguesa n. 101/2001, de 25 de agosto. Conforme dispõe o artigo 1º, n. 1, deste diploma legal, a infiltração de agentes tem fins não apenas de investigação, mas também de prevenção criminal650, ou seja, serve tanto para averiguar a existência de um crime, de seus autores e recolher provas pertinentes651, quanto para evitar crimes futuros652. O artigo 2º do mesmo diploma legal653 apresenta um rol de crimes em que o

648

“Art. 706-84. L'identité réelle des officiers ou agents de police judiciaire ayant effectué l'infiltration sous

une identité d'emprunt ne doit apparaître à aucun stade de la procédure.

La révélation de l'identité de ces officiers ou agents de police judiciaire est punie de cinq ans d'emprisonnement et de 75 000 euros d'amende.

Lorsque cette révélation a causé des violences, coups et blessures à l'encontre de ces personnes ou de leurs conjoints, enfants et ascendants directs, les peines sont portées à sept ans d'emprisonnement et à 100 000 euros d'amende.

Lorsque cette révélation a causé la mort de ces personnes ou de leurs conjoints, enfants et ascendants directs, les peines sont portées à dix ans d'emprisonnement et à 150 000 euros d'amende, sans préjudice, le cas échéant, de l'application des dispositions du chapitre Ier du titre II du livre II du code pénal”.

649 Silvio César Arouck Gemaque e Luciana Russo, Crime organizado em Portugal. In: Crime organizado – aspectos processuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 280-281.

650 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 27.

651 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 29.

652 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 28.

653 “Artigo 2º. Âmbito de aplicação.

recurso ao agente infiltrado, enquanto meio de investigação de prova, é admissível, sendo tal enumeração legal taxativa.654

Não há, à semelhança do que ocorre na Espanha e nos EUA, necessidade de que o agente infiltrado seja policial, devendo apenas atuar sob o controle da Policia Judiciária do país655, conforme dispõe o artigo 1º, n. 2, de sua Lei n. 101/2001.656 Contudo, quando realizada no decorrer do Inquérito Policial, a medida deve ser sempre precedida por autorização do representante do Ministério Público, o

a) Homicídio voluntário, desde que o agente não seja conhecido;

b) Contra a liberdade e contra a autodeterminação sexual a que corresponda, em abstracto, pena superior a 5 anos de prisão, desde que o agente não seja conhecido, ou sempre que seja expressamente referidos ofendidos menores de 16 anos ou outros incapazes;

c) Relativos ao tráfico e viciação de veículos furtados ou roubados; d) Escravidão, seqüestro e rapto ou tomada de reféns;

e) Organizações terroristas e terrorismo;

f) Captura ou atentado à segurança de transporte por ar, água, caminho-de-ferro ou rodovia a que corresponda, em abstracto, pena igual ou superior a 8 anos de prisão;

g) Executados com bombas, granadas, matérias ou engenhos explosivos, armas de fogo e objectos armadilhados, armas nucleares, químicas ou radioactivas;

h) Roubo em instituições de crédito, repartições da Fazenda Pública e correios; i) Associações criminosas;

j) Relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas; l) Branqueamento de capitais, outros bens ou produtos;

m) Corrupção, peculato e participação econômica em negócio e tráfico de infuências; n) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção;

o) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada ou com recurso à tecnologia informática;

p) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional;

q) Contrafação de moeda, títulos de créditos, valores selados, selos e outros valores equiparados ou a respectiva passagem;

r) Relativos ao mercado de valores mobiliários”.

654 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 43.

655 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 27.

656 “Artigo 1º. 2- Consideram-se acções encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou por terceiro actuando sob o controlo da Política Judiciária para prevenção ou repressão dos crimes indicados nesta lei, com ocultação da sua qualidade e identidade”.

qual deve, então, comunicar obrigatoriamente o Juiz de Instrução, de acordo com o artigo 3º, n. 3, do mesmo diploma legal657.

Também não há, na lei portuguesa, menção explícita ao período de duração da infiltração. Contudo, o artigo 3º, n. 1, da Lei n. 101/2001658 procura orientar o juiz e o representante do Ministério Público na determinação do prazo da infiltração, ao estabelecer critérios de adequação e de proporcionalidade para a medida. É necessário, ainda, que a Polícia Judiciária apresente relatório de suas atividades à autoridade judiciária competente, dentro do prazo máximo de quarenta e oito horas após o término da infiltração, conforme disposto no artigo 3º, n. 6, do mesmo texto legislativo.659

A mesma lei autoriza a prática de delitos por parte do agente no decorrer da infiltração, nos termos de seu artigo 6º.660 Assim, a lei isenta o agente de responsabilidade pela prática de atos preparatórios ou mesmo de execução em co-participação com os demais integrantes da organização criminosa em que ele encontra-se infiltrado, desde que tal atuação não corresponda à instigação criminosa nem à autoria mediata do delito, e desde que guarde uma relação de proporcionalidade com a finalidade da infiltração.661 Ainda, a doutrina ressalta que tal colaboração delituosa – bem como a prática de atos de execução – só pode ser isenta de pena se a atividade criminosa já estiver em curso.662 Conforme afirmam Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, “não é tolerável que o agente

657 “Artigo 3º. 3- A realização de uma acção encoberta no âmbito do inquérito depende de prévia autorização do competente magistrado do Ministério Público, sendo obrigatoriamente comunicada ao juiz de instrução e considerando-se a mesma validada se não for proferido despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes”.

658 “Artigo 3º. 1 – As acções encobertas devem ser adequadas aos fins de prevenção e repressão criminais identificados em concreto, nomeadamente a descoberta de material probatório, e proporcionais quer àquelas finalidades quer à gravidade do crime em investigação”.

659

“Artigo 3º. 6 – A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do agente encoberto à autoridade

judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela”.

660 “Artigo 6º. 1 – Não é punível a conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção e da autoria mediata, sempre que guarde a devia proporcionalidade com a finalidade da mesma.

2 – Se for instaurado procedimento criminal por acto ou actos praticados ao abrigo do disposto na presente lei, a autoridade judiciária competente deve, logo que tenha conhecimento de tal facto, requerer informação à autoridade judiciária que emitiu a autorização a que se refere o n. 3 do artigo 3º”.

661 Texto da lei.

662 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 38.

infiltrado adopte uma conduta de impulso ou instigação dessa atividade, sob pena de se converter num verdadeiro agente provocador. Em suma, não pode o agente infiltrado, ou agente investigador, como também é designado, determinar a prática do crime. A sua atividade não pode ser formativa do crime, mas apenas informativa”.663

Note-se, ainda, que o ordenamento jurídico português diferencia, além do agente infiltrado e do agente provocador, também uma terceira figura – o agente encoberto. Esse tipo de agente corresponde a uma figura da polícia criminal ou particular que, sem revelar sua qualidade ou identidade, freqüenta os lugares relacionados com a criminalidade (bares, cafés, lojas, e outros lugares abertos ao público), com a finalidade de identificar – e eventualmente deter – possíveis suspeitos da prática de crimes.664 Esta figura, no entanto, se distingue das demais por sua absoluta passividade em relação à decisão criminosa665 – o agente encoberto não determina a prática de qualquer crime nem tenta conquistar a confiança dos investigados666. Em outras palavras, sua presença nos lugares relacionados com a prática de crimes é totalmente indiferente para determinar o rumo dos acontecimentos delituosos.667 A doutrina portuguesa considera a sua atuação totalmente lícita e legalmente admissível668, podendo ser a prova assim obtida ser aceita e livremente valorada pelo magistrado669.

Interessante notar, por fim, que o legislador português, em atitude vanguardista, e procurando atender às diferentes necessidades investigativas apresentadas pelo crime organizado - de natureza eminentemente transnacional -, permitiu a atuação, no país, de agentes infiltrados de outros Estados. É o que prevê a Lei n.

663 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 38.

664 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., pp. 40-41.

665 Manuel Augusto Alves Meireis, O regime..., ob. cit., p. 192.

666 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 41.

667 Manuel Augusto Alves Meireis, O regime..., ob. cit., p. 192. 668

Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico...,

ob. cit., p. 41.

669 Manuel Monteiro Guedes Valente, Manuel João Alves e Fernando Gonçalves, O novo regime jurídico..., ob. cit., p. 41.

104/2001, na alteração operada ao artigo 160-B, 1 a 3, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.670

670“Artigo160.º-B.

1 - Os funcionários de investigação criminal de outros Estados podem desenvolver acções encobertas em Portugal, com estatuto idêntico ao dos funcionários de investigação criminal portugueses e nos demais termos da legislação aplicável.

2 - A actuação referida no número anterior depende de pedido baseado em acordo, tratado ou convenção internacional e da observância do princípio da reciprocidade.

3 - A autoridade judicial competente para a autorização é o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, sob proposta do magistrado do Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP)”.