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A Covid-19, o Sistema Único de Saúde e o difícil enfrentamento

No documento Interrogações às políticas públicas (páginas 178-181)

da doença no Brasil

Camilo Darsie Gabriel Felipe Tosta Patrick Luiz Martini Vera Elenei Costa Somavilla Veridiana Limberger

P

olíticas públicas são programas, ações e decisões manejadas por governos, em diferentes níveis, que afetam as populações de modo abrangente. Diante dessa lógica, entende-se que, ao serem planejadas, organizadas e aplicadas, buscam contemplar todos os cidadãos sem que ocorram distinções relativas à raça, religião, gênero e classe social. Assim, são pensadas no sentido de corrigirem as desigualdades existentes em diferentes contextos sociais.

Elas se pautam em “uma concepção de justiça cujo princípio se re-fere ao acesso aos ‘mínimos sociais’, a fim de garantir a sobrevivência e a reprodução da força de trabalho nas novas condições de flexibilização, precarização e desregulamentação” dos modos de vida neoliberais (Rizotto

& Bortoloto, 2011, p. 794). Não se desvinculam, portanto, do ideal de desenvolvimento econômico e da atenção à força de trabalho, tão caros nos tempos atuais; contudo, por meio delas, as populações são governadas a partir de princípios mais humanitários. Assim, ao mesmo tempo em que promovem condições de vida adequadas ao ethos neoliberal, suas diretrizes se sustentam em valores coletivos, mesmo sendo lógicas contraditórias.

No que se refere à Saúde, no Brasil, tais movimentos são feitos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme apontam as diretri-zes e leis nacionais, ele se constitui como um sistema público de saúde

universal, integral e gratuito1 que garante o direito à vida e à saúde para seus usuários, ou seja, para toda a população localizada em território nacional. O SUS interfere na saúde da população brasileira, desde as ações mais óbvias, como o atendimento emergencial e o tratamento de doenças, até as práticas de controle sanitário, de educação e de formação em saúde. Não é exagero, portanto, destacar que quaisquer pessoas que estejam no Brasil, autóctones ou estrangeiras, são usuárias do Sistema Único de Saúde a partir do momento em que bebem água - da torneira ou engarrafada -, por exemplo.

Porém, a sociedade brasileira, em grande parte, adere a valores relacionados à diferenciação, ao individualismo e à distinção - típicos do neoliberalismo - e, assim, as noções de solidariedade, de coletividade e de igualdade são deixadas de lado, fazendo com que o SUS seja com-preendido enquanto um problema em lugar de uma solução. Talvez seja essa uma das principais consequências negativas da aproximação de lógicas consideradas contraditórias, pois diante da onda econômica que envolve a atualidade, a vida torna-se um produto a ser merecido por meio do esforço individual e a saúde pública passa a ser entendida como um gasto a ser evitado. Diante disso, o sistema de saúde brasileiro tem sofrido resistências de profissionais da saúde e de usuários, é criticado sistematicamente pela mídia, enfrenta grandes interesses financeiros ligados a operadoras de planos de saúde, a indústrias farmacêuticas e de equipamentos médico-hospitalares e, ainda, sofre com a restrição de recursos que garantiriam o seu melhor funcionamento (Paim, 2018).

Consolidou-se um entendimento equivocado acerca de quem seriam os reais usuários do SUS, bem como sobre os serviços oferecidos pelo Sistema e recursos que devem ser direcionados a ele. Parte da população leiga, de profissionais e de gestores passou a acreditar que a atuação do sistema público de saúde brasileiro é balizada pelo tratamento de doenças e, portanto, ao optarem pelo setor privado, os sujeitos não

es-1 Partindo de Matta (2007), é relevante destacar que tal noção de gratuidade diz respeito à não necessidade de reembolso por atendimentos e serviços usufruídos, já que o pagamento se manifesta por meio de financiamento público, promovido por impostos.

tariam mais vinculados ao SUS. Assim, reforça-se uma fragmentação da opinião pública em relação às políticas públicas de saúde. Por um lado, estariam as “pessoas que precisam do SUS” e, por isso, “comprometem os impostos pagos pelas demais” e, por outro, as “pessoas que pagam por melhores atendimentos, por meio de seus próprios esforços” e, assim,

“preferem investir em planos privados”. Na lógica econômica contem-porânea, portanto, o SUS seria descartável em prol do “bem daqueles que precisam mantê-lo”.

São reforçadas, portanto, polêmicas que atrapalham as ações de saúde e, mesmo que pareçam críticas à falta de recursos enfrentada pelos gestores do SUS, reafirmam o enxugamento de gastos em saúde pública. Ainda, moldam uma ideia que desloca a noção de direito à saúde para outra posição que entende o Sistema enquanto uma atividade assistencialista, baseada em “privilégios para as minorias”.

Contudo, com o surgimento da crise global disparada pela Co-vid-19, o SUS passou a ser reconhecido como protagonista no enfren-tamento da pandemia no Brasil, especialmente no que diz respeito às medidas de controle de alastramento da doença e vacinação. Isso, talvez, possa servir para corrigir alguns equívocos sobre o Sistema, mesmo que lentamente e diante de seu colapso causado pelas demandas da doença.

Certamente, esse movimento não tem sido fácil e pacífico, pois existem muitas formas de resistência - tanto as que se originam por ideologias políticas quanto aquelas relacionadas à movimentação econômica -, contudo, tornou-se um ponto de pauta relevante que atravessa parte da população e possibilita novos olhares e posicionamentos acerca do tema, em especial no que se refere à noção de que a relação entre usuários e o SUS é muito importante para o funcionamento adequado das políticas públicas de saúde.

Partindo dessa ideia, neste texto, são apresentadas e discutidas ques-tões que podem ser consideradas básicas e, até mesmo, antigas, mas que ainda carecem de atenção, especialmente no contexto do enfrentamento da pandemia de Covid-19 pelo Sistema Único de Saúde. O argumento está organizado de modo a descrever aspectos gerais sobre os princípios

do SUS e sobre a evolução da pandemia de Covid-19 internacionalmente.

Sequencialmente, são discutidos alguns dos desafios - e ataques - vivenciados no Brasil durante o primeiro ano da pandemia.

Sistema Único de Saúde: comentários acerca de seus

No documento Interrogações às políticas públicas (páginas 178-181)

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