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Pontuações e tensões finais

No documento Interrogações às políticas públicas (páginas 88-94)

A produção de referências técnicas pelo Conselho Federal de Psicologia é fundamental frente às demandas das psicólogas. Sua escrita emerge em um contexto de forças políticas, históricas e sociais que embasam pautas e problematizações do fazer psi, além de promover atualizações das práticas, considerando que as formações universitárias, tanto na graduação e na pós-graduação, podem ser deficitárias quanto à atualidade das expressões da questão social e de debates epistemológicos do contemporâneo.

A interseccionalidade provoca reflexões que podem ser aliadas das políticas públicas, visto que amplia as discussões sobre as formas correntes de dominação e os padrões de desigualdade sociais por combinar diferen-tes variáveis na análise das opressões. Nesse sentido, pode-se entender o contexto social de um modo ampliado, atento aos entrecruzamentos das opressões que se colocam no cotidiano da vida e que se presentifica nos serviços públicos e nas relações ali construídas.

Escrever, para nós, pesquisadoras brancas, tem sido um exercício de encontros tensos com nossa branquitude e com o desejo de compor a luta antirracista, levando as discussões para nossos diferentes locais de práticas psicológicas: a clínica, o hospital, a assistência social, a saúde, a educação, a docência. Ainda assim, escrever a partir da branquitude que nos cons-titui consiste em um desafio que não está somente em perceber-se como alguém beneficiado pelas estruturas de poder, mas também em expor as falhas estruturais que nos compõem e em lutar contra a imobilização que este lugar pode nos provocar. É o desafio de sair da culpa imobilizadora e tentar construir e compor ativamente a luta antirracista.

A escuta - que nos é tão cara enquanto prática psi - necessita se constituir num processo contra-hegemônico de deslocamento da mitologia branca, que, como aponta Marcelo Moraes (2017), se constitui no predomínio do homem branco, racional, hetero e europeu, que promoveu e ainda promove violências contra aqueles que não fazem parte do grupo tido como ideal universal. O epistemicídio é uma destas violências coloniais que busca a destruição de todas as possibilidades de produção de conhecimento dos povos não europeus, seja nas escritas, nas produções culturais, científicas e éticas.

É indispensável, para nós, nas produções de vida e de escrita, pautarmos uma geopolítica da descolonização, buscando novas perguntas, refletindo cotidianamente sobre nossos lugares de fala e escrita, para construir alternativas contra-hegemônicas que possam produzir novas narrativas, outras histórias, sempre localizadas e provisórias. Para isso, torna-se im-perioso o exercício permanente de descolonização do olhar, da escuta, dos pequenos e grandes gestos. O caminho é longo, motivo para que a crítica (a autocrítica) seja permanente.

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Ferramentas filosóficas para

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