• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA, ARTE E SEU ENSINO

3.5 A dimensão do sensível na infância dos anos iniciais

A educação na atualidade muitas vezes está pautada por elementos dos projetos pedagógicos que a educação moderna realizou, em não raros momentos, tende a priorizar o “ofício do aluno”, desconsiderando o “ofício da criança” (MARCHI, 2010), que envolve as singularidades das mesmas. Sendo assim, questões importantes como a brincadeira, o lúdico, a fantasia, a imaginação, o sonho, a fantasia, muitas vezes são esquecidas: “E isso também é reforçado pelo ambiente escolar, na medida em que respostas ali já estão prontas, restando ao educando apenas a sua assimilação” (DUARTE JÚNIOR, 2011, p. 67).

É necessário, então, estarmos atentos para que as crianças sejam atendidas em suas necessidades, na sua dimensão cultural, como conhecimento, arte e vida, e não só como algo instrucional que visa a ensinar coisas (KARMER, 2006, p. 20). Nessa direção, é inserida a questão conteudista, ou seja, a criança precisa seguir as regras do jogo escolar calcado nas normas que regem a escolarização, colocando em evidência o “ofício do aluno” (MARCHI, 2010).

Desde uma perspectiva menos racionalista, é possível encontrar nos estudos de Reverbel (1997b), sobre o ensino de arte, uma abertura para o diálogo com a educação estética. A referida autora estudou de forma minuciosa o ensino da arte no âmbito escolar, centralizando seus estudos para o ensino do teatro, trazendo uma significativa produção ligada a esse ensino para as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Um dos pontos dos estudos de Reverbel (1997a) é a ênfase que ela dá ao estímulo do desenvolvimento das capacidades de expressão da criança: relacionamento, espontaneidade, imaginação, observação e percepção. Essas questões estão ligadas ao desenvolvimento dos cinco sentidos pensados numa perspectiva de uma razão mais sensível.

Sendo assim, Reverbel (1997a) destaca a importância dessas expressões para o ensino das diversas abordagens de arte. A criança bem relacionada no meio em que vive torna-se espontânea. Isso possibilita que ela se torne imaginativa, passando a observar melhor as coisas do mundo que a rodeia, ampliando sua percepção sensorial. Assim, a criança começa a perceber mais detalhadamente sua relação com o outro e consigo mesma. Esse olhar mais atento possibilita que ela possa enxergar o mundo de maneira mais reflexiva e sensível.

Partindo dessas preocupações, Kramer (2006) assinala que as práticas realizadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental devem levar em consideração as diferenças étnicas, religiosas, regionais, experiências culturais, tradições e costumes adquiridos pelas crianças, no

seu meio de origem, nas suas relações do cotidiano, além de ressaltar a importância para a criança da experiência cultural, com brinquedos e com as diversas expressões de arte.

Para abordar o ensino das diversas expressões artísticas com as crianças, os estudos de Reverbel (1997b) se constituem como referência, tendo como impulso primeiro o ensino do teatro, onde a referida autora sugere que inicialmente o trabalho seja desenvolvido através dos jogos dramáticos. Reverbel (1997a) indica que o jogo pode ser ampliado para outras linguagens artísticas, como também em outras disciplinas, sendo adaptado de acordo com a área do saber em que o mesmo será trabalhado.

Por outro lado, para tratar da cultura infantil, Kramer (2006), citando os estudos de Benjamin (1994), destaca quatro eixos de discussão em torno da referida questão. Desses eixos, escolhi dois por compreender que os mesmos estabelecem um diálogo com a educação estética: a criança cria cultura, brinca e nisso residem suas singularidades; e a criança é colecionadora, dá sentido ao mundo, produz história. Para essa autora, quando a criança brinca, ela produz cultura, para ela a “brincadeira” é entendida como experiência de cultura, pois quando as crianças brincam:

Elas reconstroem das ruínas; refazem dos pedaços. Interessadas em brinquedos e bonecas, atraídas por contos de fadas, mitos, lendas, querendo aprender e criar, as crianças estão mais próximas do artista, do colecionador e do mágico, do que de pedagogos bem intencionados. A cultura infantil é, pois produção e criação (KRAMER, 2006, p. 16).

Enquanto Reverbel (1997a) nos abre a porta para dialogarmos com o sensível através do ensino da arte, onde estão inseridos os jogos dramáticos ligados à linguagem teatral, que por sua vez está entrelaçada com as artes plásticas e com as outras linguagens de arte, a autora situa, a partir dessas linguagens artísticas, as capacidades das crianças se expressarem, através do relacionamento, da espontaneidade, da imaginação, da observação e da percepção. Essas potencialidades de expressão estão diretamente ligadas aos sentidos, que tendo a oportunidade de serem estimulados podem propiciar um olhar mais sensível e reflexivo sobre o mundo.

Nos estudos de Kramer (2006), encontro elementos que me ajudam a pensar sobre a dimensão do sensível, quando, por exemplo ela explica que as culturas infantis têm como principal destaque as brincadeiras consolidadas no ato de “brincar” que, segundo ela, “significa Spillen, to play, joner, que possui o sentido de dançar, praticar esporte, representar em uma peça teatral, tocar um instrumento musical, brincar” (p. 16).

O entendimento aqui é de que quando a criança brinca e joga ela produz sentidos, pois passa a interagir consigo mesma e com os outros e com o mundo circundante. Das

experiências vividas as crianças vão criando e recriando significados, a partir de coisas que elas vão juntando e arquivando. Nesse contexto, se insere o sentido em que Kramer (2006) destaca a criança como sendo um colecionador, que dá sentido ao mundo e produz história:

Como um colecionador, a criança busca, perde e encontra, separa os objetos de seus contextos, vai juntando figurinhas, chapinhas, ponteiras, pedaços de lápis, borrachas antigas, pedaços de brinquedos, lembranças, presentes, fotografias (KRAMER, 2006, p. 16).

Quando a criança seleciona e coleciona coisas, ela observa e é movida pela imaginação tornando-se inventiva, criando narrativas e histórias em torno do material por ela coletado. Nesse contexto, a criança busca novos sentidos que são naturalmente ressignificados a cada brincadeira. Na brincadeira se estabelece também a relação com o jogo do faz de conta, em que a criança interage e faz relação com as situações reais. Nesse sentido, Borba (2006, p. 36) traz uma importante contribuição:

Quando as crianças pequenas brincam de ser “outros” (pai, mãe, médico, monstro, fada, bruxa, ladrão, bêbado, polícia etc.), refletem sobre suas relações com esses outros e tomam consciência de si e do mundo, estabelecendo outras lógicas e fronteiras de significação da vida. O brincar envolve, portanto, complexos processos de articulação entre o já dado e o novo, entre a experiência, a memória e a imaginação, entre a realidade e a fantasia.

Nesse cenário, há jogos de imaginação também conhecidos como jogos de faz de conta, em que as crianças criam sentidos mudando a postura, a entonação da fala e fingem para convencer seus companheiros. “Parece que estamos diante de atores de teatro, compromissados com a verdade daquelas ações representadas” (BORBA, 2006, p. 38).

Compreendemos que muitos conhecimentos podem estar envolvidos nessas ações, entre eles o ensino de arte. Esse ensino possibilitará a junção entre uma esfera subjetiva (sensível) e a esfera objetiva (inteligível). É nessa etapa que poderá ser inserida a arte em suas diversas linguagens:

Deixemos a imaginação, a fruição, a sensibilidade, a cognição, a memória transitarem livremente pelas ações das crianças com o lápis, com a tinta e o papel, com as palavras escritas e orais, com argila e materiais residuais, com os sons com os ritmos musicais, os gestos e movimentos do corpo, com imagens de filmes, fotografias, pinturas, esculturas...! Permitamos que o olhar, a escuta, o toque, o gosto, o cheiro, o movimento constituam formas sensíveis de se apropriar do conhecimento sobre o mundo e sobre nós mesmos nos espaços escolares! (BORBA, 2006, p. 38).

Nessa perspectiva, pensamos ser possível, na infância dos anos iniciais do Ensino Fundamental, se estabelecer um diálogo com a dimensão do sensível, tendo como impulso as culturas infantis (KRAMER, 2006; BORBA, 2006) e os jogos e as capacidades de expressão (REVERBEL, 1997a). Para esse diálogo, Ferraz e Fusari (2009) trazem uma excelente contribuição:

Todas as vivências com jogos e brincadeiras, quando estruturadas adequadamente, podem originar processos de apreciação estéticas e construções expressivas nas várias linguagens artísticas, assim como outros saberes (p. 129).

Sendo assim, a vivência com os jogos e as brincadeiras possibilitam as crianças desenvolverem suas formas de expressão. Essas questões estabelecem relações com a cultura infantil, que segundo Delalande (2011), é um elemento importante pois diz respeito às práticas culturais, que por sua vez estão ligadas à cultura lúdica. Nessa expectativa, se inserem os jogos, as brincadeiras e outras práticas, que são transmitidas e transformadas, tendo como foco para sua construção elementos retirados do mundo da infância e do mundo do adulto.