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CAPÍTULO 4 OS CAMINHOS DA PESQUISA: PERCURSO METODOLÓGICO

4.4 Elegendo as turmas no campo de investigação

5.1.2 Arte é fazer peças de barro

Uma primeira observação mostra que os sentidos atribuídos à arte adquirem suas características em função da vivência cotidiana delas no Alto do Moura. Uma parte significativa das crianças refere-se à arte como sendo uma atividade comum entre seus familiares e amigos. Ela não aparece definida pelo raciocínio, nem por uma dimensão conceitual, mas pela própria experiência. Vejamos o quadro abaixo.

Quadro 6 - Arte é fazer peças de barro

Milena - Eu faço arte na minha casa, aqui na escola, na casa da minha avó e na casa da minha tia. Primeiro na casa da minha mãe, eu pego o barro, eu vou faço algumas coisas de barro, eu peço a minha irmã para me ensinar uns desenhos que ela já me ensinou. Eu trabalho também com o barro, eu faço cestinha de fruta, pezinho de cocô, umas prainhas

Arte

Fazer peças de barro Artes é uma coisa bonita Fonte de renda

bem bonitinhas, boto os coquinhos, boto umas cadeirinhas que o povo fica sentado (2º ano).

Lucas - Eu faço arte aqui na escola e na minha casa. Na minha casa eu faço telha, tem vez que eu faço uma girafinha de barro. Meu pai tem o forno, aí ele queima as peças deles, aí eu pinto pra ele queimar também (2º ano).

Felipe – Eu faço arte em casa porque faço peças de barro vez em quando, faço galinha, faço girafa. Artes é diferente porque mexe com barro, com água, com tinta e é importante porque faz barro, mexe com água, com pincel, com cola. (2º ano).

Júnior – Faço arte na casa da minha avó e lá em casa, faço peça de barro (5º ano).

Léo – Eu faço arte lá na casa da minha tia, fazendo peças de barro, eu faço cavalo, boi, boneco, boneca, de barro. Eu faço também casa, carro, moto (2º ano).

Pedro –Eu faço namoradeira, é uma boneca. Vou mandar meu pai fazer um pra senhora. Ela é namoradeira porque ela é bonita, ela fica com os braços cruzados esperando o namorado (todos riem). (2º ano).

Mariana -Engraçado que quando eu falo de artes eu até me lembro quando eu comecei a pegar no barro e minha mãe mandou eu não mexer nisso, mas eu peguei, insisti, e eu consegui fazer meu primeiro boneco que foi um cavalinho (2º ano).

Ana – Arte é fazer peças de barro. Eu faço arte perto da minha casa e também na casa da minha amiga que também se chama Ana, a gente pega um pouco do barro que a mãe dela usa que não vai precisar mais e faz várias coisas, tipo a gente faz peças de barro, bolo de barro e taças. Nós fazemos um monte de coisas de arte com barro(2ºano).

Katia - Eu também trabalho com arte fora da escola fazendo peças de barro, por que minha mãe ela trabalha com artes pintando e fazendo boneco de barro, aí o barro que ela não usa mais eu peço a ela pra pegar, ela deixa aí eu vou fazendo umas panelinhas, uns pratinhos e vou aprendendo a fazer as coisas. (2º ano).

Gabriela – Eu faço artes aqui na escola e faço peças de barro na casa da minha tia, aí na casa da minha tia lá também tem barro, aí eu faço uns cavalinhos, aí na casa da minha mãe eu faço uns bonequinhos assim bem pequenininho. (2º ano).

Pedro - Minha avó ela mexia com peça de barro, minha mãe desde pequena ela fazia bonequinho, aí meu pai conheceu ela e teve a gente, aí ele disse que ele gostou de ter a gente e eu aprendi com família também fazer peça de barro (2º ano).

Como é possível perceber nestas falas, raramente as crianças fazem referência às aulas, suas falas dão ênfase à arte ligada ao confeccionar peças de barro, ressaltando os tipos de peças que elas gostam de fabricar. Outro sentido que emergiu das falas das crianças é que arte faz parte do cotidiano das famílias das crianças. Nesse sentido, a arte aparece como uma vivência primeira que extrapola o espaço da sala de aula.

Lucas - Eu faço arte aqui na escola e na minha casa. Na minha casa

eu faço telha, tem vez que eu faço uma girafinha de barro. Meu pai tem o forno, aí ele queima as peças deles, aí eu pinto pra ele queimar.

Lucas, ao falar sobre arte, faz inicialmente uma referência à escola, mas não menos importante, constata que essa é uma atividade comum na sua vida, acabando por focalizar a arte feita em sua casa. Em sua fala não só dá uma maior visibilidade à experiência vivida em casa como ao falar sobre essa experiência estética deixa evidente sentimentos de prazer, ludicidade e de bem-estar que sente ao realizar tal atividade. A fala de Lucas também sugere que acriança é uma pessoa em seu contexto cultural e social, cada criança encontra-se envolta num ambiente cultural, pelo modo de vida de seus pais, através das relações que estabelecem com outros adultos com quem convive. A este respeito, Machado diz que “O pensamento infantil se revela tanto nas relações que a criança estabelece com a cultura vivida, quanto na sua cotidianidade: vida infantil imersa, mergulhada nas relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo” (2010, p. 83).

Os estudos de Machado (2010) destacam ainda que as crianças falam de um lugar, de um espaço geográfico, onde elas estabelecem uma rede de relações que estão imbricadas com outras relações que por sua vez extrapolam o contexto da família e da escola. Com isso elas estão inseridas num tipo de sociedade onde vivem, e cultuam suas relações e apoderam-se das

formas culturais, estéticas, sociais e históricas adquirindo o status de pertencimento e de apreensão do mundo.

De acordo com Nascimento,

As crianças são concretas e contextualizadas, são membros da sociedade; atuam nas famílias, nas escolas, nas creches e em outros espaços, fazem parte do mundo, o incorporam e, ao mesmo tempo, o influenciam e criam significados a partir dele (2011, p. 41).

Somando a essa perspectiva, a fala abaixo revela que as crianças percebem a arte do barro dentre outras coisas como um processo que permite a elas estabelecer conexões consigo mesmas e com os outros. Ao falar sobre sua relação com a arte, deixa-se fascinar pelas possibilidades de encontro com os amigos por meio dessa atividade que acaba se tornando um processo lúdico, por meio do qual se desenvolve uma compreensão mais sensível de si e dos outros. Do mesmo modo a arte é perspectivada por Ana como sendo algo inerente ao lugar de onde ela e as outras crianças falam e vivem e como algo próprio e compartilhado com suas famílias.

Tal como as falas destacadas no quadro acima, a fala de Ana parte também de uma experiência estética visual, já vivenciada pelas mesmas antes de chegar à escola (LANIER, 2011). Essa experiência estética visual destacada pelo autor nesse caso caminha na direção do fazer arte, quando as crianças fazem as peças de barro, trazendo consigo fortemente o sentido de que “arte é fazer peças de barro”.

Ana - Arte é fazer peças de barro. Eu faço arte perto da minha

casa e também na casa da minha amiga que também se chama Ana, a gente pega um pouco do barro que a mãe dela usa que não vai precisar mais e faz várias coisas, tipo a gente faz peças de barro, bolo de barro e taças. Nós fazemos um monte de coisas de arte com barro (2ºano).

Não menos diferente, a Gabriela e o Júnior revelam que existe uma relação muito forte entre as crianças e o barro como expressão de arte, porque ele revela-se como vivências, experiências e realizações muito significativas. Falando da arte do barro, as crianças dão uma imensa relevância à função criadora e social do mesmo, primeiro pelo fazer artístico experimentado via manipulação e criação com o barro, segundo pela possibilidade de interação de si com os outros – pai, mãe, irmãos, avó, tia, amigos etc.

Gabriela - Eu faço artes aqui na escola e faço peças de barro na casa

da minha tia, aí na casa da minha tia lá também tem barro, aí eu faço uns cavalinhos, aí na casa da minha mãe eu faço uns bonequinhos assim bem pequenininho. (2º ano).

Júnior - Faço arte na casa da minha avó e lá em casa, faço peça de barro (5º ano).

Para Gabriela e Júnior, a arte permite um movimento complexo de identificar-se, relacionar-se e fazer-se. Não por acaso essas afirmações das crianças têm como referência principal o lugar de onde elas estão inseridas, o Alto do Moura. Inclusive, em suas falas as crianças trazem sentidos que foram sendo reproduzidos durante o tempo sobre os estilos de artesanatos produzidos nessa comunidade. Segundo os estudos de Silva, L. (2007) sobre Alto Moura, essa comunidade tem características próprias para trabalhar a arte do barro, três estilos de fazer peças artesanais, que são classificadas em três tipos: Figurativas, Utilitárias e Decorativas. Observando as falas das crianças abaixo, é possível perceber a relação que existe entre as crianças e a arte de barro, relação que se afirma, por exemplo, nos estilos de fazer arte, como colocado abaixo:

Milena - Eu faço arte na minha casa, aqui na escola, na casa da

minha avó e na casa da minha tia. Primeiro na casa da minha mãe, eu pego o barro, eu vou faço algumas coisas de barro, eu peço a minha irmã para me ensinar uns desenhos que ela já me ensinou. Eu trabalho também com o barro, eu faço cestinha de fruta, pezinho de cocô, umas prainhas bem bonitinhas, boto os coquinhos, boto umas cadeirinhas que o povo fica sentado (2º ano).

Léo - Eu faço arte lá na casa da minha tia, fazendo peças de barro, eu

faço boi, boneco, boneca, de barro. Eu faço casa, carro, moto (2º ano).

Nos discursos dessas crianças, é possível identificar que elas adotam um estilo de confeccionar peças de barros; esse estilo está inserido no formato artesanal das artes figurativas. De acordo com Silva (2007), as peças figurativas representam diferentes épocas; são representações de uma realidade vivida ou imaginada pelo seu criador, geralmente são figuras que retratam a cultura e os costumes do povo nordestino: êxodo rural, retirantes vaqueiros etc.

Fotografia 7 - Peças Figurativas

Fonte: A autora

As falas de Milena e de Léo explicitam esse estilo de artesanato, fazendo uma conexão com a realidade atual vivida por essas crianças, através das representações sociais expressadas nas peças moldadas por elas. Contudo, como coloca Benjamin (1994), como sujeito de linguagem e da cultura em seus aprendizados, a criança recria e começa tudo de novo.

As artes figurativas tiveram como principal precursor o Mestre Vitalino, artesão conhecido mundialmente pelo seu legado. Vitalino se constitui como sendo a mola propulsora para seus companheiros que também começaram a esculpir bonecos e tornaram-se seus discípulos, perpetuando a arte de barro até os dias atuais. Em relação a essa questão vamos ver o que diz Pedro:

Pedro - Minha avó ela mexia com peça de barro, minha mãe desde

pequena ela fazia bonequinho, aí meu pai conheceu ela e teve a gente, aí ele disse que ele gostou de ter a gente e eu aprendi com minha família também fazer peças de barro.

Pedro traz em sua narrativa que fazer peça de barro tem como base principal a história de sua família, quando relata que a avó sempre mexeu com barro e que isso foi passado para sua mãe que desde pequena fazia bonequinho, retomando uma questão inerente à comunidade: a arte do barro é repassada de geração para geração. Isso se consolida quando Pedro afirma que aprendeu a fazer barro com a própria família e reafirma a versão de que a arte do barro na referida localidade teve como ponto de partida a obra do Mestre Vitalino e foi sendo propagada e transmitida através dos tempos e de várias gerações.

Sendo assim, as culturas vão se acumulando e se diversificando. Para Ostrower, ‘Até poder-se-ia dizer que as culturas não são herdadas, são antes transmitidas” (2013, p. 11). Esse pensamento dessa autora vem reafirmar que os saberes populares circulam e ganham novos

sentidos e que nesse caso passam a ser ressignificados através do que nos disse Pedro. Isso também ganha força nas falas de outras crianças. Vejamos a falade Kátia:

Kátia - Eu também trabalho com arte fora da escola fazendo peças de

barro, por que minha mãe ela trabalha com artes pintando e fazendo boneco de barro, aí o barro que ela não usa mais eu peço a ela pra pegar, ela deixa aí eu vou fazendo umas panelinhas, uns pratinhos e vou aprendendo a fazer as coisas.

Esse discurso reforça o pensamento de Ostrower (2013) de que as culturas são transmitidas, quando Kátia destaca que observa a mãe fazendo bonecos de barro e a partir daí ela pede a autorização dela para pegar as sobras do material e ela vai recriando a partir dessas sobras novas peças de barro. Faz questão de destacar também o tipo de artesanato feito por ela, quando se refere às panelinhas e aos pratinhos. Mais uma vez é possível identificar que essa criança também adota um estilo da arte do barro da comunidade, as peças artesanais utilitárias, conhecidas como as primeiras fabricações do lugar, que de acordo com Silva (2007) são peças utilizadas para uso doméstico, como panelas, jarras, pratos etc.

Fotografia 8 - Peças Utilitárias

Fonte: A autora

Os discursos expostos anteriormente são algumas das respostas das crianças à questão - O que é arte para você? Revelam que existe uma vinculação muito forte entre a criança e a arte de barro; ela espelha as suas vivências, experiências e realizações extremamente significativas na infância, como os momentos de experimentação voltados ao lúdico, ao imaginário e à interação consigo, com o outro e com o mundo.