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CAPÍTULO 4 OS CAMINHOS DA PESQUISA: PERCURSO METODOLÓGICO

4.4 Elegendo as turmas no campo de investigação

5.2.3 Arte como expressão dos sentimentos

A arte como expressão, também ressaltada nas falas das crianças, provocou outros diálogos, que por sua vez fazem emergir outros sentidos, não sendo possível contemplá-los nesse estudo. Dentro dessa perspectiva ampla dos sentidos de arte dados pelas crianças, vejamos o que elas nos dizem no quadro abaixo em relação à arte como expressão:

Quadro 14 - Arte é expressão dos sentimentos

Vivi - Ontem na aula de arte, eu fiz uma carta especial pra tia quando ela terminou de ler ela estava chorando de emoção e isso é por causa da arte, a gente não só desenha, aprende a escrever, aprende a se expressar, eu aprendi muitas coisas com a arte (2º ano).

Zeus - Arte é a expressão dos sentimentos (5º ano).

Clarita - Eu acho que a arte mudou a minha vida, porque a arte é muito importante pra gente, que a gente fala sobre a vida da gente na aula, faz um desenho da gente. A arte mudou minha vida porque eu aprendi a se expressar, a gente aprende muita coisa com artes (2º ano).

Em suas falas destacadas no quadro acima, Vivi e Clarita do 2º ano enfatizam que elas aprenderam muitas coisas com arte. Novamente aqui as crianças não deixam claro de qual ângulo elas se referem à arte. Podem estar relacionando arte à comunidade, às aulas de arte, ou elas podem estar se referindo a outras questões que vão além do âmbito da arte.

É perceptível durante essa análise que é uma constante a partir das aulas de arte ser dada ênfase às outras disciplinas, como percebemos também através do discurso de Mariana, destacado do quadro 14, que a arte possibilita o diálogo entre disciplinas para abordar questões que se relacionam com a nossa forma de viver e estar no mundo, a exemplo do meio ambiente.

Nos sentidos apresentados nas falas de Vivi e de Clarita, elas evidenciam que a arte contribuiu para que elas se expressassem melhor; mas será que somente a arte possibilita às crianças se expressarem? Certamente que não, expressar emoções não é algo permitido somente em arte, qualquer área do conhecimento pode possibilitar isso, desde que as crianças tenham a oportunidade de através de suas vozes compartilhar suas experiências, seus dizeres, seus pensares e isso só será possível através de um processo de ensino e aprendizagem que não esteja pautado numa transmissão de conhecimentos fragmentados, que não tenham sentido para elas. Para isso, não podemos deixar de considerar o ponto de vista das crianças.

Quando essa perspectiva se consolida nas aulas de arte, a arte poderá provocar o interesse da criança a partir do mundo vivido, fazendo-a ir em direção da arte e de suas diversas expressões, propiciando um diálogo mais sensível e mais reflexivo sobre arte e sobre o mundo. É nesse âmbito que se insere a educação estética. Vejamos abaixo um fragmento de um dos discursos das crianças:

Clarita - Eu acho que a arte mudou a minha vida, porque a arte é

muito importante pra gente, que a gente fala sobre a vida da gente na aula...

Tal como demonstrado no fragmento do discurso acima, a arte para essa criança assume um contexto da arte vivida nas aulas de arte, que segundo a mesma mudou sua vida,

por que nessas aulas ela e as outras crianças podem falar sobre suas vidas. Ter a oportunidade de falar sobre questões da vida vivida a partir do cotidiano parece ganhar uma dimensão significativa para essa criança, pois as referidas aulas passam a assumir um espaço de conversas, trocas e de partilhas entre as crianças.

De acordo com Buoro (2009), a escola tal qual conhecemos e vivenciamos não privilegia um processo de aprendizagem que tenha uma relação direta com a realidade e o conhecimento do mundo, que deve ser feito pela mediação da escola, ficando em segundo plano, quando a mesma prioriza a ferramenta verbal dando preferência à forma escrita.

Essa postura da escola colocada por Buoro (2009) ganha a oportunidade de ser rompida na aula de arte citada por Clarita, quando na sua fala ela demonstra que na referida aula as crianças conquistam um espaço para falarem de coisas que lhes dizem respeito. Entra em voga a arte como forma de expressão emocional, defendida tanto por Vivi quanto por Ana, quando elas sublinham que com a arte elas aprenderam a se expressar.

A postura assumida por essas crianças, quando definem a arte como sendo expressão, pode estar se referindo à abertura propiciada pela aula de arte para que elas possam falar, expressar suas opiniões sobre assuntos que envolvem a vivência delas. Ambas as questões apontam para arte como uma possibilidade da criança ter uma ‘voz’ (FERREIRA, Manuela, 2010), já que muitas vezes as crianças, sobretudo as tímidas e mesmos as mais extrovertidas são silenciadas diante do nosso posicionamento adultocêntrico, que desconsidera a criança a partir dela mesma. Sendo assim, a arte aqui pode ser pensada numa dimensão mais sensível que oportuniza às crianças se expressarem em seus dizeres e pensares tendo como impulso inicial o que elas trazem do mundo vivido. Isso parece ser elucidado na fala abaixo:

Vivi - Ontem na aula de arte, eu fiz uma carta especial pra tia quando

ela terminou de ler ela estava chorando de emoção e isso é por causa da arte, a gente não só desenha, aprende a escrever, aprende a se expressar, eu aprendi muitas coisas com a arte (2º ano).

Diante do exposto, a criança afirma que a professora ficou emocionada e chegou ao ponto de chorar, através da carta que ela lhe escreveu. Segundo ela, essa emoção despertada na professora se deu por conta da arte. Constata-se assim uma possível demonstração da arte como forma de expressar nossos sentimentos, seja contextualizando questões sociais e culturais a partir de discussões em torno da mesma, seja manifestando nossos sentimentos diante de uma obra de arte, seja despertando nossos sentimentos a partir de histórias de vida que dialogam com assuntos interligados à arte.

É importante deixar claro que a educação estética pensada aqui que pode e que tem condições de ser aprofundada no ensino de arte, não tem a intenção de se utilizar da arte meramente para liberar as emoções, nem está relacionando a sensibilidade apenas no sentido da capacidade do indivíduo de se emocionar e de se comover.

Essa reflexão vai ao encontro ao pensamento de Barbosa (1998) quando a autora defende que educação deve contribuir para que o emocional progrida, mas não ao acaso. Por isso a arte precisa ser tratada como conhecimento, senão a mesma corre o risco de ser compreendida apenas como “‘um grito da alma’, não estamos oferendo nem educação cognitiva, nem educação emocional” (BARBOSA, 1998, p. 20).

Esse argumento da autora deixa claro que não existe dicotomia entre razão/emoção. Esse argumento ancora a educação estética aqui defendida, que parte do vivido para dialogar com arte trabalhada na sala de aula.

Assim, diante do que foi colocado, considero importante trazer o relato da professora no sentido de estabelecer aqui uma compreensão mais alargada do que foi exposto pela criança. Segue abaixo o que a professora revelou sobre o que foi relatado por Vivi:

Vivi sempre teve muita dificuldade de se expressar em especial na produção verbal. Eu a incentivei a escrever coisas do dia a dia num caderno como se fosse um diário, tudo que fosse importante pra ela. Ela gostou da ideia e colocou em prática, começou a escrever e não parou mais. Ela sempre escreve cartas pra mim, para compartilhar essa experiência e eu sempre me emociono. Ela tem também utilizado os desenhos pra se expressar, faz isso nas aulas e em especial nas aulas de arte. Hoje ela trouxe o caderno para eu ler, fiquei muito emocionada com tudo que ela escreveu. Nada tem mais importância pra uma professora do que isso, ver o crescimento dessa menina, pra mim é muito importante. Ela escreve como se tivesse contando histórias, escreve a partir de coisas sobre sua vida, sobre a escola, sobre as aulas e sobre as de arte. Ela faz questão de destacar que as aulas de arte são as suas preferidas. (Diário de bordo - Setembro de 2013).

A fala de Vivi se reflete no relato da professora, pois é possível perceber diante deste relato que mesmo a aula de arte instigando a forma de se expressar da menina e a importância dada por ela a essas aulas, é importante reconhecer a dimensão sensível da proposta feita pela professora que foi prontamente aceita pela criança, que passou a registrar tudo que era vivido por ela em um caderno, transformando-o em um diário, perspectivado como uma espécie de arquivo (o diário) que lhe permite guardar as experiências das crianças – seus interesses, seus gostos e saberes -e construir significados a partir dessa experiência vivenciada:

A educação estética oportuniza uma experiência que não é uma simples manifestação de sensibilidade desconectada da sociedade, mas que sintetiza um conjunto de relações significativas e universais: propicia a oportunidade de interpretar os elementos das linguagens artísticas e preparar a criança para romper as fronteiras da sua vida cotidiana (FERNANDES; CASTILHO, 2007, p. 11).

De acordo com o pensamento dessas autoras, posso inferir que essa criança começa a trilhar um caminho em direção da educação estética, quando a mesma registra em detalhes seu cotidiano, quando desenha, quando escreve para a professora compartilhando suas experiências, sempre fazendo relação com as aulas de arte, enfatizando que as aulas vão além do desenhar e que, com as referidas aulas, ela aprendeu muitas coisas e construiu significados a partir dessa experiência entre elas, escrever e se “expressar”. Tendo ainda a expressão como referência, vejamos a fala da próxima criança:

Zeus - Arte é a expressão dos sentimentos (5º ano).

Tal qual foi exposto em sua fala, essa criança também aborda a arte como sendo expressão, só que quando afirma que a mesma é a expressão dos sentimentos, amplia a questão e abre possibilidades para algumas considerações.

Sendo a Arte a expressão dos sentimentos, como argumenta a referida criança, então ela reflete os sentimentos humanos que podem estar ligados nesse caso aos sentimentos das crianças expressados através de suas falas, de seus depoimentos, como também podem estar se referindo às artes produzidas pelos artistas que geralmente estão exprimindo sentimentos. No Alto do Moura essa é uma peculiaridade das artes figurativas.

Porém, é importante lembrar que Zeus pode estar relacionando a expressão com as produções artísticas realizadas espontaneamente pelas crianças. Essa, por sua vez, tem sido debatida por estudiosos do ensino de arte (BARBOSA, 1999; AZEVEDO, 2010; SILVA, 2005) que não deve ser mantida num estado de pretensa pureza, ligada somente a fatores emocionais desvinculada das questões externas ligadas ao meio cultural e social.

É possível constatar nesse argumento que a expressão da criança está relacionada historicamente ao contexto do ensino de arte: “A autoexpressão no ensino da arte era incentivada como cultivo de características associais em crianças, quando, na verdade, ela realmente serviu para ocultar o conteúdo social da expressão” (SOUCY, 2008, p. 43).

De acordo com esse autor, esse pensamento acabou sendo expandido pelas pessoas, que passaram a propagar principalmente em relação às crianças pequenas que a autoexpressão no ensino de arte abrange todo universo da arte. É necessário ressaltar que a expressão artística também implica a expressão do objeto de arte e que somente a partir do romantismo passa a significar a expressão individual do artista.

Considero importante trazer essas reflexões provocadas pela fala de Zeus, quando o mesmo conceituou a arte como “expressão”. Essa é uma questão complexa que tem permeado as discussões atuais em torno da arte e de seu ensino: a arte é expressão ou a arte é uma linguagem? Esclareço que não tenho a intenção de responder à referida pergunta, pois esse é um assunto complexo que requer um debate aprofundado.

Contudo, gostaria de explicitar que a arte como linguagem é um conjunto de signos e de códigos, que determina a transmissão de significados conceituais; por outro lado, mesmo a arte sendo repleta de signos, as formas de arte não são propriamente símbolos convencionais, pois os artistas são livres e não estão presos a códigos. Assim, a arte se mantém livre de amarras, de convenções formuladas, nela as regras são rompidas, não se pode traduzir uma obra de arte em outra, lhe dando sinônimo como se faz na linguagem (DUARTE JÚNIOR, 2011; CARTAXO, 2012).

Nesse sentido, a partir da reflexão feita anteriormente com base em Duarte Júnior (2011) e Cartaxo (2012), a arte é uma expressão, só que é importante lembrar que toda expressão tem forma e tem conteúdo. A forma representa o estilo de cada artista situado numa época histórica. “Para se expressar, você deve expressar alguma coisa” (SOUCY, 2008, p. 41). Esse autor defende que toda expressão tem conteúdo, mesmo que ela pareça referir-se primeiramente à própria arte; esse conteúdo tanto pode ser explícito quanto implícito. Se existe conteúdo, então, existe algo para ser ensinado. Assim, a arte pode também ser considerada como linguagem.

As questões expostas aqui são inquietantes, porém a arte como expressão ou como linguagem são fenômenos entrelaçados, pois como declarou o menino Zeus do 5º, a arte é expressão e envolve os sentimentos. Para Duarte Júnior “(...) “a arte concretiza os sentimentos numa forma, de maneira que possamos percebê-los. As formas da arte que “representam” os sentimentos humanos” (2011, p. 44). Esse argumento do autor, de alguma maneira, se evidencia no sentido dado à arte por essa criança.

Sendo assim, a arte concentra os sentimentos, o conhecimento e eles comungam com a experiência vivida pelo homem comum e pelos artistas e com os estilos artísticos, indo em

direção dos diversos campos do conhecimento, então estamos lidando com a educação estética.