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CAPÍTULO 3 INFÂNCIA, EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA, ARTE E SEU ENSINO

3.4 A infância nos anos iniciais do Ensino Fundamental

A democratização da Educação tem como enfoque principal a universalidade do ensino para toda a população, bem como o debate sobre a qualidade social dessa educação universalizada. É importante destacar que a busca no Brasil pela democratização da escolarização obrigatória é recente, mas vale reconhecer que o País avançou nas últimas décadas em direção à democratização do acesso e da permanência dos alunos no Ensino Fundamental e caminhou para a universalização do ensino.

É nesse sentido que surge a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, instituída no dia 6 fevereiro de 2006 através da Lei nº 11.274. Podemos ver essa ampliação como mais uma estratégia de democratização e acesso à escola, que representa um avanço importantíssimo na busca de inclusão das nossas crianças das camadas populares nos sistemas escolares.

Para se pensar em inclusão e em democratização da educação, é necessário pensar também na educação de forma emancipatória, que tenha como eixo fundamental uma

qualidade social, e isso demanda a construção de uma escola com qualidade social. Para Gadotti (2008), falar de qualidade social da educação implica falar numa nova qualidade, trazendo para o foco da discussão o aspecto social, cultural e ambiental da educação, em que se valorizam não só o conhecimento simbólico, mas também o sensível e o técnico.

Para esse autor, o direito à educação não está vinculado somente ao direito de se matricular na escola, mas, sobretudo, ao direito de aprender na escola. Nessa direção, o Ministério da Educação e a Secretária de Educação Básica (SEB) enfatizam que, para que essa qualidade social se materialize de forma significativa para educação de crianças e adolescentes, tornam-se necessárias discussões em torno de assuntos como estrutura espacial da escola, currículos e programas escolares, e tempo escolar.

Essas são apenas algumas das questões para se pensar e se refletir sobre o novo formato do Ensino Fundamental de nove anos, pois são muitas as implicações em torno das mudanças e implementações desse ensino. Uma delas é a inclusão das crianças de seis anos nessa modalidade de ensino. Nesse sentido, Kramer (2006) nos convida a nos mantermos atentos para o modo como são pensadas a criança e a infância nos anos iniciais desse ensino.

O lugar da infância nos anos iniciais tem sido uma preocupação constante por parte de alguns estudiosos da área (KRAMER, 2006; NASCIMENTO, 2006; CORSINO, 2006). Uma das principais discussões coloca em destaque a separação entre Educação Infantil e Ensino Fundamental. As questões ligadas ao lúdico, aos jogos e às brincadeiras, à imaginação, à fantasia compõem a cultura lúdica, inseridas no contexto das culturas da infância, são muitas vezes esquecidas e outras vezes são utilizadas como instrumento, visando a um fim pedagógico.

Essa ruptura parece anunciar que o mundo da fantasia da criança ficou lá na Educação Infantil, revelando um prelúdio de um novo tempo calcado nas disciplinas com a densidade de suas especificidades. A pauta passa a ser preenchida pela preocupação com os conteúdos, que devem ser ensinados focalizando o ato de aprender (MARCHI, 2010).

Nesse sentido, as crianças passam a ser vistas como alunos, ou seja, quando entra em foco o “ofício do aluno”, que, segundo Marchi (2010, p. 191), pode ser definido, antes de tudo, como “aprendizagem das regras do jogo escolar”, em que a criança se distancia cada vez mais das brincadeiras, pois na medida em que ela avança nos anos do Ensino Fundamental, o lugar da brincadeira vai se restringindo à “hora do recreio” (BORBA, 2006).

Dessa maneira, as regras do jogo escolar dão ênfase aos conteúdos, concentrando-se num ato de ensinar permeado de discursos que não possuem significação para as crianças. Nessa perspectiva, as crianças passam a realizar demasiadas tarefas cansativas, que estão

imbuídas com os conteúdos das diversas disciplinas que passam a fazer parte do cotidiano das crianças. Para Sarmento (2005), muitos dos conteúdos trabalhados em algumas disciplinas não têm significação para as crianças, pois elas não compreendem seus sentidos e não nutrem nenhum tipo de interesse por elas.

Esse perfil dos anos iniciais do Ensino Fundamental representa um distanciamento das crianças do universo infantil. Para Kramer (2006), isso não tem sentido, pois Educação Infantil e o Ensino Fundamental não são indissociáveis, “ambos envolvem afetos; saberes e valores; cuidado e atenção; seriedade e riso” (2006, p. 20). Para essa autora, do ponto de vista da criança, não há fragmentação, isso é feito pelas instituições, pelos professores e pelos pais, que tendem a desvincular a Educação Infantil do Ensino Fundamental. Essa separação vai se constitui numa perda, pois deixa de articular entre ambas as modalidades de ensino a experiência com a cultura. A experiência com a cultura é um dos diálogos para que possamos pensar os sentidos construídos em torno da criança e das teias que tecem a construção de sua identidade:

Crianças são sujeitos sociais e históricos, marcadas, portanto, pelas contradições das sociedades em que estão inseridas. Reconhecemos o que é específico da infância: seu poder de imaginação, a fantasia, a criação, a brincadeira entendida como experiência de cultura. Crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e são nela produzidas (KRAMER, 2006, p. 15).

Desse modo, é preciso pensar nas singularidades das crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para Nascimento (2006), são necessárias a participação de todos e a ampliação desse debate no interior de cada escola. Para essa discussão, o autor sugere uma pergunta inquietante: quem são as crianças hoje? A pergunta é fundamental para nos situar em torno das concepções de infância na atualidade.

Nessa perspectiva, a infância na contemporaneidade coloca a criança como protagonista, como um sujeito falante e pensante, inserido num contexto social e cultural, pois, como afirma Kramer (2006, p. 15) “as crianças produzem culturas e são nelas produzidas”. É nessa linha de pensamento que este estudo terá como foco travar um diálogo com nosso objeto de investigação e com as teias que tecemos os pensares e os dizeres dos sujeitos desta pesquisa, as “crianças”.