• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 ESTÉTICA, EDUCAÇÃO E ARTE: TECENDO UMA TEIA DE

2.2 Educação Estética / Educação da Sensibilidade

Uma das discussões em torno da chamada crise da modernidade recai sobre o sujeito preconizado pelo iluminismo, em que a ênfase se dá na capacidade racionalizante, desconsiderando por completo a dimensão do sensível. Isso tem se refletido na educação, sobretudo quando a relação com o saber se estabelece configurada na mecanicidade, na transmissão dos conteúdos, muitas vezes fragmentados e descontextualizados, privilegiando o racionalismo e o sujeito racional, que deverá alcançar a objetividade do conhecimento. Este, por sua vez, privilegia o raciocínio lógico e desconsidera os saberes provindos da sensibilidade. Com efeito, a característica essencial do racionalismo é bem essa maneira classificatória, que quer que tudo entre em uma categoria explicativa e totalizante.

Para Meira (2006), esse pensamento encontra ressonâncias nas influências estrangeiras e colonizadoras do espírito que não permitem que a estética conquiste seu lugar como um campo importante do conhecimento nas universidades. Isso torna-se visível nas bancas e nos concursos, onde se encontram pessoas desinformadas, sem conhecimento do papel da sensibilidade na educação. Ainda segundo Meira (2006), isso se reflete no sistema pedagógico brasileiro que continua fragilizado e exposto à lógica do capitalismo tardio, onde a educação tem como base preceitos calcados na eficiência e na eficácia para a gestão do poder social, e não de educar visando a um compromisso com uma consciência ética e estética.

Dentro dessa perspectiva situa-se o pensamento de Freire (1997), onde o autor defende a necessidade da desconstrução da educação fragmentada, racionalista, tecnicista, que apresenta um modelo pronto que passa por cima da criatividade e da alegria de aprender, aniquilando a dimensão do sensível. Essa é uma das características do pensamento racionalista que superestima o valor da razão, da objetividade, do intelecto, tudo isso em detrimento da experiência do mundo sensível:

Em certo sentido estamos vivendo uma civilização racionalista, na qual se pretende separar a razão dos sentimentos e das emoções, encontrando-se na primeira o valor máximo da vida. Ocorre que essa separação é ilusória. É somente com base nas vivências, no sentimento das situações, que o pensamento racional pode se dar (DUARTE JÚNIOR, 2011, p. 31).

Essa dimensão centrada no racionalismo técnico, em sua historicidade, tem sido usada para tornar o homem cada vez mais fechado em seu mundo. De acordo com Amorim: “O

homem tem sido ensinado a apartar-se do mundo, a enxergá-lo a distância, como se não o pudesse tocar, trocá-lo de lugar, alterá-lo, como se fosse exterior a si” (2007, p. 40).

Para Duarte Júnior (2011), essa frieza que marca o homem contemporâneo se soma ao advento das novas tecnologias e a um mercado de trabalho competitivo, que não se interessa pela existência de pessoas com uma visão geral, do todo da vida. Pelo contrário, o mercado de trabalho se interessa por perfis de indivíduos com uma visão cada vez mais setorizada, especializada.

É importante ressaltar que existem profissões e funções que exigem uma visão mais abrangente, o que acontece é que essa exigência do mercado muitas vezes possibilita o isolamento do homem e inibe diálogos mais amplos. Isso tem se refletido na escola básica, onde existe uma grande preocupação em torno do ensino de conteúdos fragmentados, que muitas vezes não dialoga com a realidade da criança.

Entra para o cerne dessas reflexões o homem como um sujeito desintegrado que vive alienado de si mesmo. Esse processo de alienação do ser humano, segundo Ostrower (2013), não é uma discussão recente sendo uma condição vivida pelo homem nos dias atuais:

(...) o homem contemporâneo, colocado diante das múltiplas funções que deve exercer, pressionado por múltiplas exigências, bombardeado por um fluxo ininterrupto de informações contraditórias, em aceleração crescente que quase ultrapassa o ritmo orgânico de sua vida, em vez de se integrar como ser individual e ser social, sofre um processo de desintegração. Aliena- se a si, de seu trabalho, de suas possibilidades de criar e de realizar em sua vida conteúdos humanos (OSTROWER, 2013, p. 6).

Segundo Amorim (2007), o homem tem se revelado um indivíduo assujeitado, individualista, desumano, cada vez mais distanciado da noção de valores morais, sensíveis, éticos, dos significados para a vida, para o convívio para as relações, reflexo da in- sensibilização contemporânea:

A todo momento o homem tem sido ensinado a ser, sentir, viver de modo menos implicado com o outro e com o mundo, ensinado a entreter-se com a vigilância da vida de desconhecidos, enquanto mal percebe o desamparo e a desatenção que seus entes sofrem (AMORIM, 2008 p. 40).

Nessa perspectiva, a autora afirma que o homem está cada vez mais desgarrado das causas coletivas, isola-se em seus projetos particulares com intuito de se inserir na esfera competitiva, e tudo isso acaba por favorecer o fechamento do homem em torno de seu próprio mundo.

Duarte Júnior (2000, p. 142), corroborando essas questões, sustenta que: “A regressão da sensibilidade humana que se vem verificando contemporaneamente recebe o subtítulo de “anestesia”, ou seja, a negação do sensível, a impossibilidade ou a incapacidade de sentir”. Para o autor, vivemos num processo de desumanização constante:

Ação dessensibilizadora; vale dizer, anestésica. O que reforça a afirmação de que não basta a estimulação desenfreada dos sentidos e sentimentos sem o contraponto da reflexão acerca deles. É preciso sentir, ser estimulado nas múltiplas formas sensórias possíveis, mas é necessário prestar atenção ao que se sente e pensar naquilo que os estímulos provocam em nós e no papel desses sentimentos no correr de nossa vida em sociedade (DUARTE JÚNIOR, 2000, p. 224).

Desse modo, posso inferir que vivemos anestesiados e um elemento que pode possibilitar a saída dessa condição é a educação da sensibilidade, ou seja, a educação estética. Essa questão é abordada amplamente nos estudos de Duarte Júnior (2000) e está ancorada na integração entre sensível/inteligível, elementos extremamente essenciais para entendermos e para refletirmos em torno das questões relacionadas às nossas emoções, às nossas ações no cotidiano. Isso implica no diálogo com a diversidade dentro de vários contextos da sociedade na qual vivemos:

Pode-se dizer, então, que a humanização representa um processo social de compreensão da história coletiva dos homens, compreensão que permite a inserção dos diferentes grupos humanos nessa história sem o apagamento das histórias individuais e identitárias (pertença a etnias, raças, credos religiosos, etc.) (KRAMER, 1995 apud OLIVEIRA, 1998, p. 154).

Dentro desse contexto, é perceptível que não existe possibilidade de tratar da educação da sensibilidade sem passar por um processo de humanização, processo esse que lida diretamente com as questões identitárias, com os valores e as virtudes sociais, questões que estão relacionadas diretamente com a ética:

A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou adultos, que devemos lutar (FREIRE, 1997, p. 19).

Nessa perspectiva, de acordo com Galleffi (2007), se quisermos levar a sério a educação estética, é preciso, em primeiro lugar, fazer-aprender a sentir as formas que constituem nosso modo de ser-no-mundo-com. Para esse autor, essa não é uma tarefa fácil,

pois “o homem é um ser ‘incompleto’, o homem é uma possibilidade, um animal da complexidade- animal aberto às metamorfoses do seu ser-no-mundo-com” (2007, p. 14).

Contribuindo com essa linha de pensamento, Sardelich (2007) destaca que estar no mundo, participar da construção do ser no mundo com os outros, ser capaz de viver com o outro e entre as mudanças que envolvem essa relação, o que significa “homem-no-mundo”. Assim sendo, torna-se necessário não desvincular o humano do contexto social e cultural onde os seres humanos estão inseridos: “Conhecer o humano não é separá-lo do universo, mas situá-lo nele” (MORIN, 2010, p. 37). Assim, faz-se necessário sairmos de uma visão estreita e egocêntrica para buscarmos o aprofundamento da nossa sensibilidade:

Alargar a sensibilidade opõe-se, como é óbvio, ao “estreito”, ao “acanhado”, ao “mesquinho”. Eis como nos formarmos esteticamente: alargando a nossa sensibilidade, optando por uma visão visionária, por uma visão clarividente, cuidando do sentimento não destituído de pensamento, abrindo roteiros não rotineiros em nossas observações e avaliações (PERISSÉ, 2009, p. 56).

No que se refere à educação estética e à sua inserção como temática e dimensão a ser considerada nos currículos dos cursos de formação de professores, Galleffi nos diz que

A estética na formação docente deve atender ao primado da diferença ontológica como seu horizonte compreensivo e fundante. Isto significa, antes de tudo, que cada educador haverá de desenvolver-se esteticamente a partir da sua própria singularidade vivente, o que acarreta uma complexa trama de inter-relações aprendentes a serem experimentadas em atenção ao primado da vida, e não das coisas dadas e supostamente imperantes e dominantes (2007, p. 8).

Nessa perspectiva, Perissé (2009, p. 53) aborda que “a educação estética do professor consiste em que ele veja melhor o que está vendo, ouça melhor o que está ouvindo, saboreie melhor o que está saboreando”. Para o referido autor, mesmo as pessoas preparadas intelectualmente e comunicativas estão expostas a um risco real, “a surdez e a cegueira estéticas”.

Assim, a necessidade do desenvolvimento estético por parte dos professores ganha notoriedade e força, por parte de vários estudiosos (DUARTE JÚNIOR, 2000; AMORIM, 2007; GALLEFF, 2007; LOPONTE, 2005; PERISSÉ, 2009) que compreendem que a educação estética poderá ser uma grande contribuição na formação docente. Os professores que têm um desenvolvimento estético, por sua vez darão suas contribuições para o chão da escola, onde produzirão novos sentidos e novos significados para a educação estética das crianças.