• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 A ARTE E SEU ENSINO: MAPEANDO OS SENTIDOS

1.4 Escola Tecnicista: da arte como atividade

Devido à expansão da tecnologia e com as fortes mudanças ocorridas no mundo da indústria, surgem novas demandas sociais, econômicas e políticas. A escola passa a ser insuficiente no preparo técnico de profissionais que tenham o perfil exigido para o mercado de trabalho. É nesse âmbito que se manifesta no mundo a tendência tecnicista a partir do século XX e, no Brasil, entre 1960/1970 (FERRAZ; FUSARI, 2009). Na pedagogia tecnicista, o foco sai do aluno, o interesse principal passa a ser a organização e a operacionalização de planejamentos de forma minuciosa.

O elemento principal da escola tecnicista é o sistema técnico e a organização das aulas e dos cursos. Assim, o professor é o principal responsável pelo planejamento, que deve incluir conteúdos, objetivos, estratégias e avaliação, elementos essenciais do currículo (FERRAZ; FUSARI, 2009). Nesse contexto, de acordo com Saviani (2008), a educação era pensada dentro de uma organização totalmente racional, em que fosse possível minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco a sua eficiência.

Outra característica marcante da corrente tecnicista era a centralização no uso abundante de recursos tecnológicos. Em busca da modernização do ensino, muitas escolas trabalhavam com gravadores, projetores, filmes, dentre outros recursos tecnológicos. Outra preocupação do tecnicismo está pautada na busca pela eficiência e na produtividade:

A pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para escola a forma de funcionamento do sistema fabril, perdeu de vista a especificidade da educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações (SAVIANI, 2008, p. 12).

A educação básica brasileira assumiu caráter tecnicista a partir da implementação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1971, no período da ditadura militar. A referida lei, também conhecida como Lei 5.692/71, implantou a Educação Artística, definida como uma “atividade educativa”, e não como disciplina do currículo escolar de 1º e 2º Graus. Com a implantação da Educação Artística, surge um problema: a polivalência.

Essa questão recai sobre o professor de Educação Artística que recebe a incumbência de ministrar aulas das diversas linguagens artísticas. Esse foi, de fato, um período marcado

por grandes equívocos cometidos no âmbito das diretrizes político-pedagógicas para o ensino de arte, especialmente por causa da instituição da Educação Artística e do conceito de atuação polivalente do professor (PENNA, 2001). Essa concepção do ensino da arte como atividade era baseada na simples realização de atividades artísticas e acabou resultando no esvaziamento dos conteúdos específicos da área de arte na educação escolar (ALMEIDA, 2004; SILVA, 2005).

As dificuldades para o ensino de arte na educação básica tinham como principais implicações a falta de formação do professor, questões teóricas, metodológicas e conceituais, notadamente a questão da polivalência. No âmbito dessas questões, Barbosa (2003) destaca que esse foi um período em que as aulas de arte eram encaradas como momento de fazer qualquer coisa, de forma improvisada. Assim é inserida a concepção de arte como atividade, tendo como ancoragem principal o “fazer artístico” centrado nas apresentações artísticas preparadas para as festas da escola nas datas comemorativas, como também na decoração destas festas, que poderiam ter teor religioso, cívico, entre outros (BARBOSA, 2003; AZEVEDO, 2010; SILVA, 2005; ALMEIDA, 2004).

De acordo com Silva (2005), a concepção de arte como atividade teve uma trajetória curta, mas conseguiu ganhar força nos anos iniciais do Ensino Fundamental, onde ganhou diferentes práticas pedagógicas, as quais, segundo o autor, são práticas que encontramos ainda hoje no ensino de arte nas escolas brasileiras.

Corroborando esse argumento, Vidal (2011) destaca que é evidenciado nos dias atuais nas práticas pedagógicas dos professores responsáveis pelo ensino de arte um misto das tendências conceituais e históricas para esse ensino, em especial as tendências tradicionais e modernistas, indo em direção ao pressuposto teórico que compreende a arte como uma área do conhecimento.

Para começar a dialogar com a ideia de arte como conhecimento é pertinente ressaltar que, segundo Ferraz e Fusari (2009), ao lado das tendências pedagógicas tradicional, escolanovista e tecnicista, surge a educação popular, proposta educacional concebida por Paulo Freire (1997). A educação popular visava à alfabetização de adultos das classes populares. A metodologia de Freire tinha como característica principal uma pedagogia ativa, centrada na iniciativa do aluno, numa relação dialógica entre professor e aluno e na troca de conhecimentos entre ambos (SAVIANI, 2008).

Nessa perspectiva emancipatória e libertadora da educação, começam a surgir também novas reflexões e discussões em torno do ensino da arte por parte de um movimento organizado de arte-educadores, pesquisadores e artistas brasileiros em prol de uma luta

política que visa ao reconhecimento da arte como área do conhecimento e sua inserção no currículo escolar. Esse movimento visava também ao fortalecimento do movimento associativo nas várias expressões de arte (BARBOSA, 2003; SILVA, 2005; PONTES, 2011; FERRAZ; FUSARI, 2009).

Para Azevedo (2014), o pensamento emancipatório, libertador, dialógico de Paulo Freire, pautado na importância da hermenêutica para elaboração de suas leituras de mundo, influenciou de forma significativa os estudos de Ana Mae Barbosa que nunca desvinculou o epistemológico do ontológico que sempre manteve seus estudos situados histórica e socialmente.

É nesse contexto que Barbosa sistematizou no Brasil nos anos oitenta a Abordagem Triangular (AT), onde propõe uma pedagogia de arte emancipatória que de acordo com Azevedo (2014) amplia a concepção de Arte como expressão herdada do modernismo para a concepção pós-moderna, onde a Arte é pensada como expressão, cultura e conhecimento. Ao discutir sobre o assunto, Bastos (2008) defende que Barbosa elaborou uma noção de alfabetização visual que promove a identidade cultural e a integração social.

Corroborando esse argumento, Azevedo (2010) ressalta que o pensamento de Barbosa soma a influência do pensamento de Paulo Freire e de Noêmia Varella, por ela compartilhar com suas concepções de mundo, educação, arte e cultura. Nesse sentido, para esse autor a abordagem triangular está ancorada na concepção crítica e pós-crítica do ensino da arte. “É crítica porque é contra ideológica, e é pós-crítica porque é inter/multicultural” (AZEVEDO, 2010, p. 89). Discorrerei melhor sobre esse assunto no próximo tópico.